Tênis sobre rodas

Ainda são poucos os deficientes físicos que praticam o tênis no Brasil. Se falta apoio e divulgação, nunca falta força de vontade


fotos: Luiz Pires

DESAFIAR OS LIMITES impostos pelo destino e encontrar no esporte uma oportunidade de resgate da auto-estima e da alegria de viver. Estes são os objetivos da maioria dos praticantes do tênis em cadeira de rodas, a modalidade esportiva para deficientes físicos que mais cresce no mundo. Criado em 1976 pelo norteamericano Brad Parks, o esporte é difundido em mais de 70 países e o grau de profissionalismo é tão grande que as premiações dos torneios já alcançam a cifra de US$ 700 mil por ano no circuito profissional.

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Apesar das enormes diferenças de mobilidade que separam os cadeirantes dos tenistas convencionais, as regras do tênis em cadeira de rodas são as mesmas do esporte tradicional, tirando um detalhe: a bola pode dar dois quiques na quadra antes de ser rebatida. Os jogadores mais conservadores optam pelo jogo de fundo de quadra, usando o tempo todo o segundo quique, enquanto os mais agressivos tentam atacar a bola após o primeiro toque na quadra.

No Brasil, o esporte começou a ser praticado em 1985 e o número de praticantes, cerca de 250, ainda é inexpressivo se comparado à população que possui algum tipo de deficiência física, pois, segundo o Censo de 2000, cerca de 24,5 milhões de pessoas possuem alguma deficiência. Apesar de contar com poucos praticantes, o tênis em cadeira de rodas é encarado de forma séria por muitos tenistas e o País conta com um ranking nacional e um circuito anual.

fotos: Luiz Pires
A Federação Paulista de Tênis oferede aulas gratuitas para cadeirantes

A superação do trauma de um acidente ou de limitações de movimentos decorrentes de doenças são as principais dificuldades encontradas por quem deseja começar a praticar o tênis. Uma vez superadas, essas barreiras se transformam no combustível que guia a vida dos deficientes. ”O esporte é fundamental para um deficiente administrar sua vida de forma natural. Além disso, ele é uma ferramenta muito poderosa, capaz de tirar a vergonha e o preconceito do cadeirante com ele mesmo”, revela Maurício Pommê, tenista que integrou a delegação do Brasil nas Pára-Olimpíadas de Atenas em 2004 e disputará a primeira divisão do Mundial na Suécia, em junho. E, como no esporte tradicional, outros empecilhos para a prática do tênis em cadeira de rodas são os altos custos e a falta de patrocínio. O preço das cadeiras é, em média, R$ 2 mil e o interesse das empresas em apoiá-lo é pequeno.

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SUPERAÇÃO
Uma queda do telhado da academia em que dava aula, há oito anos, deixou Pommê paraplégico. Mesmo assim, não abandonou a função de professor e, além de ensinar o tênis em cadeira de rodas, ele faz parte da equipe nacional há cinco anos e ajudou o Brasil a conquistar a vaga na elite do esporte, no Mundial realizado em Brasília no ano passado. Para quem pretende começar no esporte, o professor dá a dica. “O grande segredo deste jogo é manter a cadeira sempre em movimento, para facilitar mudanças de direção e evitar o desgaste na aceleração”.

fotos: Luiz Pires
Cássio Santos quer representar o Brasil nas competições internacionais

Outro técnico que se destaca no treinamento para tênis em cadeira de rodas é Mychel Bandeira. Depois de comandar a equipe brasileira por cinco anos, Bandeira atualmente dedica seus finais de semanas para treinar cadeirantes em São Paulo. Nas quadras de saibro da Federação Paulista de Tênis, ele treina um grupo de cinco atletas semanalmente e tenta enfrentar as barreiras para a evolução do esporte. Bandeira já vendeu até rifas para custear as despesas de viagem e materiais para os tenistas e se esforça para organizar exibições em torneios. Com toda essa dedicação, a recompensa que recebe é ver a alegria e a melhora dos seus alunos a cada treino, pois trabalha voluntariamente. “É um trabalho muito difícil, já que contamos com pouco apoio. O Brasil tem condições de se tornar uma potência na modalidade, mas faltam centros de ensino e divulgação”, revelou o técnico. Para Bandeira, o esporte pode ser uma poderosa ferramenta motivacional na fase pós-reabilitação, mas poucos enxergam essa característica nele, e a divulgação acaba acontecendo no boca-a-boca.

Esse é o caso de Sebastião Alves, que descobriu o tênis para cadeirantes em uma conversa com os amigos no Clube dos Paraplégicos de São Paulo. Com 39 anos, ele nunca tinha praticado esportes e ficava em casa na maior parte do tempo, mas o tênis mudou o rumo de sua vida. “Agora tenho mais vontade de viver e minha saúde está ótima. O tênis me deu a oportunidade de conhecer várias cidades do Brasil e tem tanta importância no meu cotidiano que já recusei algumas propostas de trabalho para seguir me dedicando ao esporte”, revelou Alves, que integra a equipe de treinamento da Federação Paulista.

A prática do esporte em cadeira de rodas também torna a pessoa mais independente e mostra a ela, através das vitórias pessoais, que superar obstáculos é possível. Os cinco tiros disparados pelas costas em Cássio Santos, há oito anos, tiraram os movimentos de suas pernas, mas não a força de vontade e a persistência pela vitória. “Enxerguei no tênis para cadeirantes uma saída para continuar praticando esportes. Meu objetivo inicial era conseguir disputar um torneio com um bom nível, mas fui campeão logo na primeira competição e quis ir além”, revelou Santos, que já ocupa a sexta posição no ranking nacional. “Agora pretendo ficar entre os quatro primeiros para poder representar o Brasil em alguma competição internacional.”

FUTURO
Assim como no tênis convencional, o tênis para cadeirantes também têm juvenis dedicados e jovens promessas no esporte. A principal dificuldade dos iniciantes é a adaptação aos movimentos na cadeira e os jovens, que tiveram doenças na infância ou nasceram com limitações de movimentos e nunca andaram, têm um grande diferencial em relação aos demais praticantes.

fotos: Luiz Pires
Sebastião Alves, 39, o tênis lhe deu mais vontade de viver

Aos 14 anos, o garoto Pedro Farjala Rocha, já desponta como um talento do tênis. Com apenas três meses de vida, uma neurofibrose limitou seus movimentos, mas 11 anos depois ele encontrou no tênis uma forma de lazer e uma oportunidade de conhecer pessoas e lugares diferentes. “Existe companheirismo e cumplicidade entre os cadeirantes, Quando viajo para disputar torneios, conheço muita gente nova e isso me faz bem”, revelou o garoto que treina há oito meses com Pommê.

Para ele, ser treinado por um deficiente é um grande diferencial. “Ele me ensinou novas técnicas de jogo e me fez levar o esporte mais a sério. Isso fez muita diferença na minha vida e hoje sonho em disputar uma Pára- Olimpíada”. Segundo o técnico, esse desejo pode se concretizar. ”Se ele continuar se dedicando terá um futuro promissor no esporte e provavelmente estará entre os primeiros do Brasil em poucos anos.”

Luiz Pires
Pedro Rocha, 14, é uma promessa do tênis em cadeira de rodas

O Circuito Brasileiro de Tênis em Cadeira de Rodas, realizado anualmente desde 1998, tem proporcionado a aparição de novos tenistas a cada ano, como é o caso do mineiro Rafael Medeiros. Com apenas 17 anos, Medeiros é considerado a maior revelação do tênis em cadeiras de rodas no Brasil. Ele foi convocado para compor a equipe brasileira na disputa do “Invacare World Team Cup”, o Mundial da modalidade, que será disputado em Estocolmo, na Suécia, entre os dias 11 e 17 de junho. “Viajar com os melhores do Brasil será um experiência inesquecível para mim. É a realização de um sonho”, revelou o tenista, que integra a equipe da ONG Tênis Para Todos e conta com o acompanhamento de nutricionista, psicólogo, preparador físico e fisioterapeuta.

Os êxitos obtidos no esporte parecem justificar a máxima: há males que vêm para o bem. Prova disso é a análise de Maurício Pommê sobre o acidente que mudou sua vida. ”Não teria a oportunidade de conhecer o mundo como conheci. Minha carreira ganhou mais destaque, consegui reverter o quadro e enxergar um lado positivo nessa história. Os problemas e as soluções estão dentro de nossa cabeça, cabe a cada um de nós encontrarmos a melhor forma de lidar com eles”.

Luiz Pires

Publicado em 25 de Junho de 2007 às 15:08


Especial

Artigo publicado nesta revista