Redenção Divina

Deuses da terra


Ron C. Angle

Quem mais poderia completar o "Grand Slam do saibro" que não Nadal? Se havia alguma dúvida de que o espanhol é o maior "monstro" saído da terra que já existiu, agora já não há. Sua volta ao topo do ranking foi triunfal, a começar pela conquista dos três Masters 1000 de terra batida (Monte Carlo, Roma e Madri) em uma mesma temporada. Feito inédito. Depois, coroar tudo isso com o penta em Roland Garros, derrotando na final seu algoz de 2009, que estava entalado na garganta. Agora falta apenas um título para igualar o recorde de seis conquistas de Borg.

Ron C. Angle

Grazie mille!

Diz-se que o brasileiro é passional. É mesmo, mas certamente essa faceta deve ter sido herdada dos italianos. Para quem não sabe, apesar de não ganhar um título de Grand Slam desde 1976, lá mesmo em Roland Garros, com o surpreendente Adriano Panatta (que derrotou ninguém menos que Borg nas quartas-definal daquele ano), os italianos são presença marcante no Aberto francês, seja com fãs, jornalistas, tenistas etc. Não importa se seu atletas têm chance ou não de vencer, eles os incentivam. Até mesmo os representantes da imprensa, que deveriam se conter, entusiasmam-se com qualquer vitória de seus compatriotas. Sendo assim, a festa por Schiavone não poderia ser pouca. Em sua décima participação em Roland Garros, o melhor resultado da italiana havia sido as quartas exatamente na primeira vez que disputou o torneio, em 2001. Em 2009, perdeu na primeira rodada. Para quem? Stosur. Mesmo depois de bater Caroline Wozniacki e Elena Dementieva, poucos acreditavam nessa tenista de 29 anos. Mas com toda a Itália empurrando, a pequenina (apenas 1,66m) e pouco atraente italiana mostrou um jogo ousado como há muito não se via no circuito feminino. Por fim, o hino italiano voltou a soar em Paris.

 Ron C. Angle

Fiel da balança

Em 2009, ele derrotou Nadal e perdeu o título para Federer. Em 2010, ele venceu Federer e caiu novamente na decisão, desta vez para Nadal. No ano passado, a vitória sobre o espanhol deu ao suíço a chance de conquistar Roland Garros e ser líder do ranking novamente. Neste ano, foi o contrário. Os estragos que Soderling causou no saibro serviram para ditar novos rumos no circuito, mas não foram capazes de lhe dar o título.


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 Ron C. Angle

Na trave de novo

Desde que ajustou seu jogo (melhorando aquele saque torto que era sua "marca registrada"), Dementieva vem tendo bons resultados, mas ainda assim não consegue vencer um Grand Slam. Neste Roland Garros novamente tinha tudo para levar o troféu, mas precisou desistir na semi com uma contusão. Haja azar.

 Ron C. Angle

Torto

Até Roland Garros 2010, Jurgen Melzer, de 29 anos, nunca sequer havia conseguido passar da terceiro rodada de um Grand Slam. De repente, o estilo meio esdrúxulo deste canhoto austríaco virou uma arma mortal no saibro francês e ele venceu favoritos como David Ferrer e Novak Djokovic.

 Ron C. Angle

Novas tendências

Fazia tempo que o torneio feminino de Roland Garros não era tão empolgante. E tudo isso graças à quebra de paradigmas que significaram as campanhas de Francesca Schiavone e Samantha Stosur. Ambas provaram que as tradicionais fórmulas de sucesso para jogar no circuito (bolas pesadas de fundo ou táticas extremamente defensivas especialmente no saibro), podem ser superadas com estilos muito mais plásticos e agressivos, com a busca constante do domínio do ponto e da definição, seja com poderosos winners ou com voleios. Até mesmo slices voltaram à moda. Assim, essa australiana - de saque pesado, forehands devastadores e slices rasantes de backhand - já havia dado prova disso em 2009, quando surpreendentemente chegou à semi em Roland Garros. um ano depois, ela acreditou de novo.


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 Ron C. Angle

Desde 2004

A última vez que Roger Federer havia perdido antes da semifinal em um Grand Slam (sim, nós brasileiros fazemos questão de lembrar) foi em 2004, em Roland Garros, nas oitavas, quando Guga lhe deu uma aula de como se jogar no saibro. Eis então que um sueco (a rainha deles é brasileira, talvez seja por isso), acabou com a incrível sequência do suíço.

Ron C. Angle


Amarelo

Uma das poucas cabeças-dechave principais a seguir firme no torneio, Jankovic também deve ter acreditado que, enfim, venceria um Grand Slam. Contudo, seu jogo de trocas de bola foi varrido da quadra pela potência de Stosur.



Ron C. Angle

Perto dos melhores

Se não tivesse cruzado com Nadal nas oitavas, Bellucci poderia ter ido ainda mais longe em Roland Garros. O brasileiro mostrou um grande desenvolvimento, com atuações bastante sólidas diante de adversários experientes como Ivan Ljubicic e Michael Llodra, que o credenciaram ao 24o lugar no ranking da ATP ao final do torneio. Assim, ele se iguala à Thomaz Koch, que, em 1974, também ocupava essa posição - a segunda mais alta de um brasileiro na história.



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Divulgação
Os quatro mosqueteiros: Brugnon, Cochet, Lacoste e Borotra

Um por todos...
Por Felipe de Queiroz

Roland Garros nasceu para honrar os mosqueteiros franceses

René Lacoste tinha nariz grande, cabelos irretocavelmente penteados para trás e um olhar sutil e elegantemente blasé, quase arrogante. Seu jeito ensimesmado, tipicamente francês, tinha, contudo, outras razões de ser, além de sua procedência. Lacoste podia ter um ar enjoado, mas não era sem razão. O Crocodilo, como era conhecido, foi o maior tenista do mundo em meados dos anos 1920, vencedor de sete torneios do Grand Slam (três em Paris, dois em Wimbledon e dois no US Open) e o mais famoso nome dos "Quatro Mosqueteiros", o prodigioso quarteto de jogadores que representou o tênis francês nos anos de 1920 e 1930.
Numa carreira curta, encerrada aos 25 anos por decorrência da tuberculose, alcançou a glória contra todos os prognósticos; não era atlético, nem em seus movimentos nem em sua compleição física, mais parecia um médico do que um esportista. Sem força, tinha elegância, porém, e, mais do que isso, determinação. "Lacoste foi um campeão que se construiu à base de trabalho duro e aplicação, e não pelo benefício do talento natural", comenta o jornalista norte-americano Bud Collins - em seu livro Total Tennis - A Enciclopédia do Tênis -, a respeito desse campeão que somente conheceu o esporte aos 15 anos, quando viajava com os pais pela Inglaterra.

Nascido em 1904, Lacoste não era o único não britânico a desconhecer o esporte naqueles anos. Afora o Reino Unido e os países com forte influência inglesa, como Austrália e Estados Unidos, poucos eram os lugares que praticavam tênis. E foi justamente nos anos 1920, década de ouro nos Estados Unidos e de reconstrução na Europa abalada pela I Guerra, que essa realidade começou a mudar, com os "Quatro Mosqueteiros", os primeiros a desfiarem o domínio de britânicos e norte-americanos no esporte. Além de Lacoste, Jean Borotra, Henri Cochet e Jacques Brugnon tomariam as quadras de assalto naqueles anos.

O galã, o virtuose e Roland Garros

Borotra foi, dos quatro, o primeiro a se eternizar. Nascido na cidade de Arbonne, em 1898, alcançou em Wimbledon, em 1924, a glória máxima, ao derrotar Lacoste na final. Borotra, aliás, mais que do um grande tenista, foi a imagem do homem francês cosmopolita de sua época. Fora das quadras, um galã de vários amores e anfitrião de concorridas e elegantes festas; em quadra, um mestre na elegância e na eficiência. Venceu quatro Majors na carreira. Dois em Wimbledon (1924 e 1926), um na França (1931) e um na Austrália (1928).
O Aberto da França nem sempre se equiparou aos outros torneios do Grand Slam, principalmente Wimbledon e US Open. Quando de sua primeira edição, em 1925, bem antes de ser considerado um Major, perdia em importância e, naturalmente, em tradição para os principais eventos do tênis à época.

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A evolução da modalidade na França, levada a cabo pelos "Quatro Mosqueteiros" e pela magistral Suzanne Lenglen, exigia, contudo, um evento grande e realizado em palco adequado. Foi assim que surgiu em 1928 o complexo de Roland Garros, local sede ainda hoje da competição.
Naquela temporada, o Aberto da França, então em sua quarta edição, tinha em Lacoste seu maior vencedor com duas conquistas (1925 e 1927), mas não seria o Crocodilo o primeiro campeão de Roland Garros, nem seria ele o grande nome francês na história da competição. Henri Cochet triunfaria naquele ano conquistando o segundo de seus quatro troféus em Paris. Ele venceria ainda em 1930 e 1932 e seu recorde só seria superado por Bjorn Borg, seis vezes campeão nos anos 70 e 80, e por Rafael Nadal, vencedor de sua quinta taça em 2010.

Nascido em Lyon, em 1901, Cochet não tinha a personalidade sedutora de Borotra, e não ficou tão famoso como Lacoste (cuja marca de roupas que carrega seu nome se tornou uma das mais cobiçadas do mundo), mas no jogo de tênis, nenhum de seus compatriotas, antes ou depois, foi tão virtuoso. "Na sua mão, a raquete de tênis parecia varinha mágica", comenta Collins. "Ele fazia o impossível, dos piores lugares da quadra, e sempre com elegância". Elegante, mas agressivo ao mesmo tempo, Cochet brilhou ainda em Wimbledon, onde as quadras rápidas se encaixavam perfeitamente com seu jogo de voleios impetuosos e constantes antecipações. Em Londres foi campeão duas vezes (1927 e 1929); em Forest Hills, venceu o US Open em 1928.

Vive La France !

Jacques Brugnon não obteve o mesmo sucesso de seus compatriotas e encerrou sua carreira sem nenhum título de Grand Slam em simples. Nem por isso, o ancião - nascido em 1895 - dos mosqueteiros deixou de ter grande papel no tênis de seu país, tendo conquistado como duplista 12 títulos de Grand Slam. Além de ter sido importante naquela que talvez tenha sido a maior façanha do tênis da França em todos os tempos: roubar a Copa Davis dos Estados Unidos.
Por muitos anos Bill Tilden foi considerado o maior tenista que já existiu. "Mesmo quando superado pelo adversário, Tilden deixava claro quem era o melhor jogador", dizia Lacoste, sobre o homem que liderou os Estados Unidos a sete vitórias consecutivas na Copa Davis, de 1920 a 1926. Tilden também conquistou por seis vezes o US Open, de 1920 a 1925 (hegemonia quebrada por Lacoste em 1926) e construiu, ao lado de Bill Johnston, uma áurea invencível para a equipe de tênis de seu país. A áurea, contudo, um dia se quebrou e o domínio, que parecia interminável, acabou em 1927.

Após Cochet vencer Johnston e perder para Tilden, Lacoste, que derrotara a grande estrela norte-americana, marcou o ponto decisivo contra Johnston. Os norte-americanos caíram em casa, na Filadélfia e o tênis passou a viver sob novo reinado. Assim estava decretado o nascimento do estádio de Roland Garros. Com a conquista, os franceses decidiram que era necessário construir um local digno para receber a Copa Davis (naquele tempo, o campeão do ano anterior disputava somente a final em casa). Então, a toque de caixa eles ergueram estádio que receberia o nome do famoso aviador francês. Lá, os mosqueteiros venceram a Davis por cinco anos seguidos.

Suzana Silva

Paris dos impressionistas e tenistas
Por Suzana Silva / enviada especial à Paris

As emoções da cidade luz transbordam também em Roland Garros


A aglomeração de pessoas para entrar nos grandes museus de Paris e para entrar no complexo de Roland Garros, incrustado no belo parque Bois du Bologne, levam-me à reflexão sobre o que nos motiva, cidadãos comuns, a enfrentar longas filas para observar de perto obras de arte e performances de atletas.
As pinceladas intensas e as cores improváveis de impressionistas e pós-impressionistas como Renoir, Monet, Gauguin e Van Gogh me informam que ali aconteceu uma alta concentração de energia física, mental e emocional.

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Ora, um performer de alto nível, seja ele músico, bailarino, ator ou tenista, também se manifesta depois de horas e horas de preparo. Presenciar uma grande performance esportiva, assim como observar atentamente uma obra de arte, abre uma porta de percepção para outra dimensão, tirando o espectador da rotina do dia-a-dia e encaminhando-o para novas e fortes sensações. Chorei ao entrar no olhar de Van Gogh em seu auto-retrato (museu d'Orsay). Chorei com a coragem e com a intensidade demonstrada na final feminina pela campeã Francesca Schiavone, que antecipou o desequilíbrio da adversária Samantha Stosur para subir à rede em vários pontos decisivos.

Torci intensamente, como fizeram os locutores e comentaristas da televisão francesa, pelos franceses na chave principal. Sim, os seres na telinha não foram nem um pouco imparciais em suas transmissões: uma série de "Allez" e "Uh Lah Lah" foram repetidos a cada ponto conquistado pelos tenistas da casa. Torci pensando que seria muito bom ter um tenista francês mais uma vez nas paradas de sucesso (leia-se top 5, pois Tsonga tem estado top 10 ultimamente), já que investem tanto no esporte.
Tsonga e Rezai foram os últimos a cair nas chaves principais masculina e feminina respectivamente, mas os frutos do investimento francês se vêem nas ruas: crianças e jovens com raquetes de tênis nas estações do metrô, e mulheres e crianças jogando nas quadras públicas dos parques da cidade. Raquetes e bolas de tênis fazem parte do domingo no parque das famílias parisienses e isso significa que minha torcida pelo tênis francês não foi em vão.

E lembrar dos nossos bravos guerreiros tenistas nesta edição de Roland Garros nos remete à impressão de que temos um longo caminho a percorrer no desenvolvimento do esporte, mas já demos passos largos. Thomaz Bellucci já encara o touro Nadal de frente com a confiança que o levará a sua próxima meta, que é entrar no top 20. E os meninos que foram disputar o quali - furado apenas por Thiago Alves, às vésperas de comemorar seu 28o aniversário - me mostram que para atingirem seus objetivos não adianta apenas ser um "operário" do esporte: é preciso transcender, ousar, acreditar.
E termino este domingo de final de Roland Garros com meus sonhos fortalecidos, o coração aquecido, e a mente aberta para novas conexões entre a arte de jogar e o jogo de fazer arte.

Suzana Silva
Parques de Paris estão repletos de tenistas no verão  
Da redação

Publicado em 14 de Junho de 2010 às 11:42


Torneio

Artigo publicado nesta revista

Nadal - Grand Slam da terra

Revista TÊNIS 81 · Julho/2010 · Nadal - Grand Slam da terra