Mais sentimentais e sensíveis, as mulheres também enfrentam "problemas" físicos que, algumas vezes, dificultam o rendimento dentro das quadras
Quem nunca escutou a expressão "deusa grega", seja para ressaltar a beleza de uma mulher ou mesmo para destacar sua forte personalidade? Apesar de ter virado adjetivo comum para descrever algumas representantes do sexo feminino, as antigas deusas gregas eram peculiares, cada uma em sua forma, cada uma em sua personalidade.
Afrodite - a deusa da beleza e do amor - era polêmica, destemida; a mais íntima e pública de todas elas. Acima de tudo, sensual, adorava joias, roupas, perfumes. É uma espécie de fonte de inspiração para o mundo da moda, que, até hoje, a venera como se estivesse em plena Grécia Antiga.
Já Artemis - deusa da caça - era prática, atlética, aventureira. Uma mulher com suas características não se destacaria no mundo moderno, já que ela não gostava das cidades. O agito das grandes metrópoles não fazia seu estilo, com o campo sendo sua morada e seu refúgio.
Atena - deusa da sabedoria e das artes -, ao contrario, era regida pela civilização. Representa a realização profissional, a educação, a cultura intelectual, a política. Pode ser encontrada, hoje em dia, naquelas que surpreendem o mundo, que rompem barreiras e preconceitos. Naquelas que lutaram, e ainda lutam, pelos direitos femininos em uma sociedade que, apesar de negar, ainda é muito machista.
Quanto mais velhas - ou melhor, mais experientes -, as mulheres ganham um ar de Hera, a mulher de Zeus. Esta antiga deusa grega exalava confiança, tinha total controle sobre si mesma e sobre os outros. Era cogovernante do Olimpo, onde partilhava o poder com o marido e chefe de todos os deuses.
Agora você pode pensar: "O que todas essas relações têm a ver com o tênis e os esportes em geral?" Tudo. A importância de se olhar para trás, mais especificamente há três mil anos, transcende fronteiras e supera qualquer linha de tempo que se resolva traçar. A mitologia grega, embora nem todos acreditem, pode ser usada para ajudar a entender o dito "universo feminino".
Sensíveis, sentimentais, complexas...
"Nós, meninas, somos muito mais sensíveis", diz Vivian Segnini, número um do Brasil |
No esporte, principalmente de alto rendimento, alguns fatores devem ser olhados com carinho. Além de atletas, de profissionais e até mesmo de estrelas em alguns casos, elas também são mulheres. E justamente por isso devem ser tratadas com toda a atenção e cuidado que merecem. Assim como as antigas deusas, as mulheres de hoje também possuem suas peculiaridades. Cada uma tem seu jeito, cada uma tem suas particularidades, mas, no final, todas tem características em comum. Um universo completamente diferente do masculino.
"As mulheres são mais exigentes, caprichosas, detalhistas e fiéis", descreve Carlos Omaki, treinador acostumado a trabalhar com meninas, há muitos anos. "Com elas, o número de variáveis é, sem dúvida, muito maior", afirma Elson Longo, técnico da tenista número um do Brasil atualmente, Vivian Segnini.
A opinião dos treinadores é compartilhada também entre as próprias atletas, que reconhecem a complexidade de seu sexo. "Nós, meninas, costumamos ser muito mais sensíveis", confessa Segnini. "Mas eu, particularmente, me esforço bastante para não deixar o lado emocional me atrapalhar, buscando ser o mais racional possível dentro da quadra".
Lógico que cada pessoa tem sua personalidade, independentemente do sexo. Carlos Alberto Kirmayr, um dos treinadores com maior experiência no que se refere a treinamento de alto rendimento feminino no Brasil, não vê dificuldades em lidar com as meninas. "Para mim, nunca foi problema. Não acredito que a questão do sexo possa trazer complicações às atletas", ameniza o treinador. Mas, reconhece: "Realmente elas são muito mais sentimentais".
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"Quando estamos menstruadas, não é só o psicológico que é afetado, mas nos setimos mais pesadas, menos explosivas", conta Ana Clara Duarte |
Cólicas, TPM, menstruação...
Se toda esta complexidade já é um fator que pode complicar o planejamento de um trabalho, as mulheres ainda apresentam algumas "exclusividades". Coisas que só elas enfrentam. A menstruação, ainda um tema delicado para os homens (o que dificulta o trabalho dos técnicos), abre um leque ainda maior de variáveis nos treinamentos e competições. Cólicas, TPM's (Tensão Pré-Menstrual), menstruações, desequilíbrios hormonais. Todos são fatores que dificultam ainda mais o já delicado trabalho com atletas.
Neste caso, torna-se extremamente necessário buscar ajuda de profissionais especializados para elevar o nível de preparação não só das meninas como dos próprios treinadores. Pelo menos é nisso que acredita Raul Ranzinger, excapitão brasileiro na Fed Cup: "Sempre procuro trabalhar com todo um staff por trás. Pessoas que possam me ajudar para as coisas que não domino, como a menstruação feminina, por exemplo".
Ana Clara Duarte, atualmente entre as 500 melhoes de mundo, é uma das atletas que reconhece as dificuldades enfrentadas com os problemas hormonais. "Quando estamos menstruadas, não é só o psicológico que é afetado, mas nos sentimos mais pesadas, menos explosivas", conta a tenista. Não só durante os treinamentos, como também antes das viagens, é necessário fazer um planejamento detalhado dos dias do clico menstrual. "Quando vou para uma série de torneios, já sei em qual provavelmente estarei preparada fisicamente para meu pico, que, com certeza, não será na semana de menstruação".
Quem sente na pele as consequências e os sintomas deste ciclo são os treinadores. Para lidar com estas "complicações", é necessário ter muita paciência e experiência. "A questão psicológica é complicada. Elas ficam muito mal humoradas, fechadas e agressivas", conta Elson Longo, que trabalha com Vivian desde os tempos de criança em São Carlos. "Porém, após muitos anos juntos, você começa a lidar com isso cada vez melhor".
Planejamento, profissionalismo...
O melhor remédio para tudo isso é a conversa e, é claro, um acompanhamento especializado. "Já trabalhei com atletas de altíssimo nível e, mesmo elas, também passavam por esses problemas, sempre conversávamos bastante. Nunca tive problema. Elas eram bastante profissionais", lembra Kirmayr, que já treinou nomes como Gabriela Sabatini, Conchita Martinez e Arantxa Sanchez. "Mas não tem jeito, é sempre bom ter a ajuda de alguém de fora", afirma o treinador.
E esse alguém de fora, de preferência, deve ser um médico. Pai da juvenil Marina Danzini, o ginecologista Paulo Danzini tem realizado alguns trabalhos com técnicos de tênis, ajudando na programação dos treinamentos, calendários e viagens. "Deve ser realizado um planejamento adequado para cada atleta. Um histórico de suas menstruações, de seu estado geral, nutricional e psicológico, realizando alguns exames como a dosagem de ferritina e hemoglobina", conta Danzini.
Além da parte mental, o clico menstrual afeta, e muito, a parte física das meninas. "Após a menstruação, elas perdem muito ferro, ficam mais fracas", conta Raul Ranzinger. "É necessário um acompanhamento diário nesses períodos para saber o que se pode tomar, o que se deve comer. Tudo isso faz muita diferença lá na frente". Ex-número um do Brasil e atualmente se recuperando de uma cirurgia no joelho, Teliana Pereira não pensa duas vezes quando questionada se as cólicas mesntruais prejudicam nos treinamentos. "Já houve diversos dias em que tive que abandonar os treinos com fortes dores. É horrível, você não consegue se concentrar", conta a tenista.
Além de todo o cuidadoso trabalho, outra alternativa pode ser tomada para tentar amenizar os efeitos desses períodos. "Uma boa forma de suprimir as menstruações são os métodos anticoncepcionais, que podem ser utilizados de forma cíclica ou contínua", conta Danzini, ressaltando as melhoras que este tratamento pode causar no rendimento das atletas: "Com os anticoncepcionais, as meninas ficam com o que chamamos de amenorreia (ausência de menstruação), melhorando o seu desempenho dentro das quadras". Mas ele alerta que esse procedimento, obviamente, deve ser feito por indicação e sob supervisão médica.
Derrotas inesperadas, situações complicadas...
"Realmente, elas são muito mais sentimentais", diz Carlos Alberto Kirmayr |
Você não escuta falar, dificilmente ouvirá uma jogadora dando esta desculpa no final de uma partida, mas a menstruação faz, sim, atletas perderem jogos que não perderiam em condições normais. Por uma questão de intimidade, de privacidade, elas não saem por aí falando à imprensa a real causa de uma derrota, até mesmo para não parecer que se trata apenas de "desculpa esfarrapada" após um mau resultado. Mas estas inesperadas derrotas são frequentes na vida das atletas profissionais.
Última campeã brasileira no Banana Bowl, em 1991, Roberta Burzagli conta o que acontece com as atletas durante as partidas: "Nesse período, cada mulher reage de uma forma. A jogadora pode estar mais sensível e não render tanto quanto poderia nos jogos, principalmente quando estes exigem um grande esforço mental e físico", afirma a ex-profissional, que apesar disso não se recorda de algum jogo específico que tenha perdido por causa das menstruações.
Raul Ranzinger, que já trabalhou com diversas tenistas, afirmou ser frequente ver suas atletas perderem alguns "jogos bobos" por estarem justamente no delicado período da menstruação. "Eu tinha uma atleta, a Janette Husarova (eslovaca), que sofria demais com as dores. De todas que treinei, ela era a mais afetada", lembra o treinador. "Mas, apesar das derrotas inesperadas, conseguimos fazê-la chegar entre as 30 do mundo", orgulha-se.
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Se até as mais experientes sofrem com os indelicados efeitos desse ciclo, imagine então uma garota que menstrua pela primeira vez? "Passei por uma situação assim em 2007, no interior da Venezuela, mas não foi por TPM, e, sim, por causa de uma menarca (primeira menstruação) de uma menina de 13 anos", lembra Sabrina Giusto, treinadora gaúcha. "O grande problema não foi nem o desconforto natural, mas, sim, a emoção da família que, mesmo não estando presente, fez com que o episódio fosse encarado pela menina como uma dificuldade enorme em estar jogando tênis naquele momento", recorda.
"Já houve dias em que tive de abandonar os treinos com fortes dores", revela Teliana Pereira |
Nem Freud explica...
Assim como na mitologia grega, no esporte cada atleta tem a sua personalidade, os seus sonhos, os seus objetivos. As dificuldades - ainda maiores quando se fala de modalidades individuais - são frequentes e têm de ser superadas. Entender o universo feminino não é tarefa fácil nem para as próprias mulheres, tampouco para os homens. Poetas, músicos, cientistas, intelectuais; todos já tentaram descrevêlas de alguma maneira, de alguma forma, mas jamais se arriscaram a definir o seu comportamento.
Até mesmo um dos maiores entendedores da mente humana em todos os tempos se rendeu à complexidade do universo feminino. O revolucionário psicanalista Sigmund Freud, que tantos legados deixou para a humanidade - entre eles a ideia de que somos movidos pelo inconsciente -, costumava ir atrás de respostas para tudo. Porém, existia algo que o "mestre" austríaco jamais conseguiu desvendar. "A grande pergunta que jamais foi respondida, apesar de meus quinze anos estudando a alma feminina, é: 'O que uma mulher quer?'", afirmou Freud certa vez.
Se nem mesmo o "pai da psicanálise" conseguiu desvendar os mistérios que envolvem a cabeça e os pensamentos de uma mulher, nós, simples mortais, dificilmente teremos esta sorte. No tênis, assim como em qualquer esporte de alto rendimento, tentar compreender a cabeça das atletas nem sempre pode ser a melhor alternativa. Conversar, ser amigo e entender a delicadeza de cada momento pode ser o melhor caminho. Tudo, é claro, devidamente acompanhado por profissionais (leia-se médicos, no caso das menstruações); que darão o suporte para o sucesso de qualquer trabalho.
Publicado em 28 de Maio de 2009 às 13:23