Pete Sampras

Um dos maiores ídolos do tênis esteve em São Paulo em junho. O norte-americano, que continua encantando o público com suas jogadas magistrais, conversou com a Revista TÊNIS


Um ídolo sempre será um ídolo, não importa a época. Pete Sampras anunciou sua aposentadoria do tênis profissional em 2003, mas já não jogava desde a final do US Open do ano anterior, quando venceu Andre Agassi. Por algum tempo, o norte-americano resolveu ficar parado, dedicando seu tempo à família. No entanto, no início de 2005, o maior vencedor de Grand Slams na história passou a aceitar convites para exibições. No fim de 2007 chegou a fazer uma pequena turnê na Ásia contra Roger Federer.

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Luiz Cândido/Alpha Imagem

No começo deste ano, Sampras assinou contrato com a ATP para disputar as etapas do Black Rock Tour of Champions. Tão logo o acordo foi assinado, os organizadores da etapa brasileira anunciaram a sua participação. O norte-americano era esperado no País em maio, mas uma contusão nas costas fez com que todo o programa fosse adiado.

Recuperado, "o maior tenista de todos os tempos" chegou ao Brasil em junho determinado a mostrar que o adiamento não havia sido em vão e que cada centavo gasto com o ingresso para vê-lo valeria a pena. Com a seriedade de quando ainda estava no circuito e com seu plástico jogo de saque-e-voleio, Sampras brindou os brasileiros.

O foco em vencer e dar um bom espetáculo era tanto que foi extremamente difícil conseguir conversar a sós com ele. Com a ajuda da organização e da assessoria de imprensa do Grand Champions Brasil, foi possível "roubar" alguns instantes preciosos de concentração do norte-americano. Atencioso e gentil, Sampras falou sobre a carreira vitoriosa e disse que acredita que o saque-e-voleio - estilo que o consagrou - pode ser efetivo no circuito profissional ainda hoje. Se ele está dizendo, quem somos nós para duvidar? Isso e muito mais você confere a seguir.

Em que ponto de sua carreira você percebeu que estava jogando contra os livros de história?
Não me lembro de uma data exata, mas provavelmente no meio da década de 90, quando estava dominando, era número um do mundo. Estava com sete, oito, nove Majors e então as pessoas começam a te perguntar sobre os recordes, jogar contra a história, quebrar os recordes de todos os tempos. Então, em algum lugar no começo da metade da década de 90 foi quando pensei que poderia vencer e quebrar os recordes. E eu fiz.

Qual adversário era mais difícil: o do outro lado da rede ou o fora da quadra (a história)?
Ou eu? Tive muitos desafios durante a minha carreira, mas sempre pensei que, se jogasse bem, poderia vencer qualquer um. Se não jogasse bem, Andre (Agassi) me traria problemas, assim como (Jim) Courier ou (Boris) Becker. Mas, se jogasse bem, me sentia invencível.

Mas, alguma vez os livros de historia lhe pressionaram?
Acho que toda pressão que tinha lá fora era a que colocava em mim mesmo. Creio que quebrar o recorde de semanas como número um foi um grande desafio para mim. Então, trabalhei duro quando estava perto por mais dois meses para tentar quebrar este recorde. Mas a pressão que sentia era toda auto-infligida, toda minha. Podia sentir certamente alguma pressão da imprensa ou de algumas pessoas, mas era meio que eu e minhas metas. Essa era a pressão que sentia.

E como você lidou com a pressão da imprensa norte-americana no começo da sua carreira, já que os Estados Unidos havia tido Jimmy Connors e John McEnroe antes?
A imprensa, no começo, não estava segura do que queria fazer comigo. Eu meio que era parte da Era pós McEnroe, Connors e Laver, que eram pessoas muito sinceras e expressivas. E eu era mais introvertido. Então eles queriam que fosse alguém que não era. Levou algum tempo para descobrirem como eu era. Eles queriam que tivesse outro tipo de comportamento, mas não ia me dispor a isso. Então, levou um pouco de tempo, mas eles sempre foram muito bons comigo, a imprensa americana, e a imprensa em geral, sempre tivemos um bom relacionamento. O que você vê é o que vai conseguir de mim. Você não vai ver alguém que quer criar uma imagem para conseguir mais dinheiro. Sou um atleta, então, só quis jogar um bom tênis e vencer títulos.

Os Estados Unidos já tiveram Connors, McEnroe, Courier, Agassi, Sampras. Você acha que seu país pode voltar a dominar o circuito novamente?
Provavelmente não tão cedo. Roddick pode enfrentar bons jogadores, mas não sei se pode se igualar ao padrão de Federer e Nadal. Então, isso pode levar tempo. Acho que cada país tende a ter ciclos de dominância. Acho que estamos em boa forma, só não estamos no nível que as pessoas esperam.

Roland Garros é o seu pior pesadelo?
Eu diria que a minha última participação em Wimbledon, na quadra 2, quando perdi para (o suíço George) Bastl. Acho que aquilo foi como um acesso de raiva, com muitas mudanças... Acho que foi o momento mais baixo da minha carreira, com aquele sentimento meio que de desespero... Chegar em casa, aquilo foi... foi ruim... foi... foi duro.

Pensando agora, se pudesse ter feito algo para ser mais eficiente em Roland Garros, o que faria?
As pessoas me perguntam isso. Acho que teria experimentado alguma tecnologia, uma raquete maior, outra corda, como Luxilon, porque estou usando hoje e desejaria ter feito isso há muitos anos, especialmente no saibro. A raquete com que joguei até o fim era muito difícil, cabeça pequena, encordoada com muita tensão. Desejaria ter tido uma mente mais aberta sobre isso. Não estou dizendo que venceria o Aberto francês, mas acho que isso talvez me ajudasse um pouco. Tentei muitas estratégias e agendas diferentes para jogar bem em Paris, mas apenas não me sentia bem lá. Por alguma razão, sentia um pouco mais de ansiedade, sentia que queria muito o título. Em Wimbledon, eu apenas jogava. E, em Roland Garros, simplesmente parecia que não funcionava.

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Você sempre dizia que toda vez que jogava contra Agassi isso fazia de você um melhor jogador. Vocês jogaram 34 vezes e venceu 20. O estilo dele é antagônico ao seu, era por isso que ele fazia de você um jogador melhor?
Sim, pois houve um período no qual ele me venceu algumas vezes e isso expôs algumas coisas do meu jogo. E fiz algo para acrescentar ou melhorar certas coisas. E trabalhei nisto. Através destas derrotas parecia que eu descobria algumas coisas. E, no final, venci-o nas últimas vezes. Ele me fez um melhor jogador, sem dúvida.

Algum outro tenista produziu este mesmo impacto no seu jogo?
Provavelmente, não. Acho que Andre faz parte dos melhores tenistas que enfrentei. Ele devolvia bem. Se você deixasse uma bola curta, ele se lançava sobre ela. Ele batia na bola tão cedo e colocava tanta pressão nos meus games de saque que achava muito difícil jogar.

fotos: Luiz Cândido/Alpha Imagem
"(Para vencer Roland Garros) Acho que teria experimentado alguma tecnologia, uma raquete maior, outra corda. A raquete com que joguei até o fim era muito difícil, cabeça pequena, encordoada com muita tensão. Desejaria ter tido uma mente mais aberta sobre isso"

Hoje vocês são bons amigos, mas você ganhou dele em quatro finais de Grand Slam. Ele costuma reclamar disso?
Não, não... O que fizemos, nós fizemos. Nós jogamos duro, nos cumprimentamos no final, nos tornamos muito bons amigos através dos anos. Não acho que ele fique acordado à noite se preocupando com esses jogos. Acho que a vida segue e nós meio que cultivamos um grande respeito um pelo outro como jogadores e pessoas.

Federer disse uma vez que aquela vitória contra você em Wimbledon 2001 foi um marco na carreira dele. Qual partida foi um marco para você?
Provavelmente a vitória sobre Lendl nas quartas-de-final do US Open em 1990. Eu era 12 do mundo e ele havia estado na final oito vezes seguidas. Foi quando eu meio que cheguei e terminei tendo uma grande semana, ganhando o evento. Mas acho que aquela partida foi a maior de todas para a minha confiança.

Se tiver que comparar o tênis de hoje com o do seu tempo, o que acha? É mais difícil hoje?
É difícil dizer. A tecnologia tem feito o jogo mais rápido, os caras batem na bola com muito mais força do fundo da quadra... Vejo que na minha geração havia mais diferenças de estilos de jogo: gente de saque-e-voleio, os que ficavam atrás. Também havia muito mais vencedores de Grand Slam. Da maneira como olho o jogo hoje, que tem Roger, Nadal e Djokovic - os três melhores jogadores de quatro anos para cá - eu praticamente os coloco no mesmo barco. Não há muitos campeões de Grand Slams por aí. Acho que o jogo provavelmente é mais intenso hoje, mas não há tantos grandes jogadores.

Você fala muito de Roger. O que acha de Rafael Nadal?
Nunca o vi jogar ao vivo. Acho que ele tem uma atitude ótima, um ótimo jogo, é um dos que se move melhor no mundo, luta duramente. É um daqueles jogadores especiais que, mesmo jogando bem no saibro, vai para Wimbledon com uma boa atitude. Diferentemente de muitos sul-americanos ou europeus que, na grama, vão pegar o seu cheque e ir para casa, ele vai para vencer. Ele tem mostrado muito e tem só 22 anos, ou seja, vai ficar melhor, vai ganhar mais experiência, vai melhorar seu jogo para quadras rápidas. Estou impressionado com o seu jogo e o que ele pode oferecer. É um garoto tenaz, que ama vencer, deixa muita energia na quadra. É um jogo duro, tentei imaginar como jogaria com ele e sei teria muito trabalho.

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"O saque-e-voleio ainda é muito efetivo. Sempre achei que um bom saque-e-voleio venceria um jogo de fundo"

Já faz algum tempo que você se aposentou. Já é possível sair na rua sem que as pessoas lhe cerquem?
Depende de onde você vai. Estou surpreso de como sou reconhecido aqui no Brasil. Você esquece que tênis é um esporte internacional. Quando venci meus títulos de Wimbledon, passou aqui no Brasil e isso me lembra que ao redor do mundo, aqui, ou no Japão, ou Austrália, alguém ouviu o seu nome. Então, ao ir às compras no shoppings, ao cinema, sempre há pessoas que me reconhecem.

Se estivesse começando a jogar tênis hoje, você escolheria sacar e volear?
Certamente. Absolutamente. Por que não escolheria?

Você seria o único fazendo isso hoje... Você não acha que esse estilo vai morrer?
Bem. Já está morto (risos). Não há jogadores de saque-e-voleio, então, está extinto.

Você acha que os tenistas não fazem mais saque-e-voleio porque este estilo não funciona mais, ou o saque-e-voleio não funciona mais porque os tenistas não usam mais?
Acho que o jogo mudou nos últimos anos. O saque-e-voleio ainda é muito efetivo. Sempre achei que um bom saquee- voleio venceria um jogo de fundo. A natureza do esporte - para onde ele está indo, a tecnologia - fez com que os caras não precisassem volear. Eles batem muito forte do fundo da quadra, sacam muito forte e meio que não precisam trabalhar o ponto. Ainda seria um jogo efetivo hoje, mas infelizmente a gente não vê isso com freqüência.

Qual conselho você daria para um tenista que quisesse sacar e volear hoje?
Bem, eu diria: "Faça isso na juventude". Comece a sacar e volear cedo. Não deixe para quando tiver 17, 18 anos, pois seria quase tarde demais. Isso leva tempo, anos e anos de treino para ter o tato de sacar e volear. Você simplesmente não acorda e faz. De fato, levou três anos para que me sentisse confortável fazendo isso. Quando mais cedo você começar, melhor.

Você é considerado um dos tenistas com mais sangue-frio da história. De onde vem isso?
Esta confiança vem quanto mais você treina. Isso é com a repetição. Assim, quando está sob pressão, você consegue lidar com a situação somente se se sentir muito sólido tecnicamente e tentar meio que ir para aquilo. E somente fazendo isso nos treinos você pode levar para a partida e jogar bem. Fui feliz na maioria das ocasiões, não todas as vezes, mas lidava muito bem com a pressão.

Você acha que seria possível voltar ao circuito profissional?
Não. Não. Sem interesse. Você sabe que quando está terminado, está terminado. Sei o que precisa para estar lá fora e, quando isso não está mais no seu sangue, você não pode trazer de volta. Ainda posso jogar bem, ser competitivo e isso é divertido para enfrentar caras como Roger, como fiz. Mas, para sair da aposentadoria, é preciso haver uma razão. Alguns fazem pela publicidade, outros por dinheiro, eu sempre joguei para vencer e não sinto que possa vencer mais.

Você pretende ser treinador algum dia?
Nunca diga nunca, mas não é algo em que esteja pensando. Viajar para muitos torneios é duro para mim.

Qual a maior lição de vida que você teve no tênis?
Provavelmente, se você se focar o suficiente e trabalhar duro no que quer alcançar - se você tem o talento - pode alcançar o que quiser. Algumas vezes em que deixei minha carreira de lado, fui por atalhos e não estava trabalhando tão duro, paguei o preço. Você tem que se focar, tem que se preparar, tem que trabalhar duro. Foi o que aprendi.

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Luiz Cândido/Alpha Imagem
"O que você vê é o que vai conseguir de mim. Você não vai ver alguém que quer criar uma imagem para conseguir mais dinheiro. Sou um atleta, então, só quis jogar um bom tênis e vencer títulos"

Qual seria uma boa trilha sonora para um filme baseado na sua carreira?
É duro de responder. Não sei.

Sei que você gosta de Pearl Jam...
Sim, amo Pearl Jam, então algo do primeiro álbum.

Alguma das músicas?
Sim! Com certeza. Qualquer música. Sou um grande fã deles. São todas músicas boas. Mas elas estariam em qualquer filme.

Depois do tênis, o que você tem feito?
Jogado um pouco de pôquer, de basquete, de golfe. Tenho dois filhos, tenho estado bem ocupado com isso.

Já está no nível de Lendl, no golfe?
Não. Ele é muito bom para mim.

Sobre seu livro lançado recentemente (A mente de um campeão: Lições de uma vida no tênis). Você escreveu algumas partes?
Sim. Estou nas ofertas de best-seller do New York Times. Vocês precisam comprar o livro.

Acha que vai vender mais do que o livro de James Blake?
Não sei. James vendeu muito bem.

Arnaldo Grizzo

Publicado em 2 de Julho de 2008 às 08:48


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Artigo publicado nesta revista