Yevgeny Kafelnikov

Russo, antes carrancudo e considerado um dos maiores adversários de Guga em seu auge, esteve no Brasil em maio e mostrou uma faceta mais amigável


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"Nadal é mais unidimensional. Guga é melhor"

Ron C. AngleTerça-Feira, 6 de junho de 2000. O xodó da torcida francesa, Gustavo Kuerten, está perdendo a partida de quartas-de-final disputada na quadra Phillipe chatrier, em Roland Garros. Ele saca em 2/4 e tem que defender dois break-points com 15/40.
Perder esse game certamente selaria o confronto, pois Guga perdia a partida por dois sets a um (venceu o primeiro por 6/3 e perdeu os seguintes por 6/4 e 6/3). "tive o jogo em minhas mãos e basicamente o entreguei", afirmou Yevgeny Kafelnikov na ocasião. "Por alguma razão, joguei dois pontos preguiçosos. tive má sorte, pois a bola saiu um pouco e logo estava 4/3. Achei que a partida podia virar, mas não de uma maneira tão dramática quando ganhei apenas mais um game de saque em seis até o fim do jogo", lamentou o russo na época.

Aquela vitória abriu caminho para mais um título de Guga em Roland Garros. No ano seguinte, mais uma vez o russo enfrentaria e perderia para o brasileiro nas quartas-de-final do Grand Slam francês, tornando-se uma espécie de amuleto da sorte de Kuerten em Paris (nas três vezes que foi campeão lá, venceu Kafelnikov). Após a derrota em 2001, o russo rendeu-se à maestria do catarinense no saibro e disse que suas raquetadas eram como pinceladas de Picasso.
Ao contrário de Guga, Kafelnikov nunca foi um personagem de grande carisma, apesar de ter vencido Roland Garros (1996) e o Australian Open (1999 - mesmo ano em que liderou o ranking da ATP, tornando-se o primeiro russo a conseguir isso na história do tênis). Sempre meio amuado, ele não era o queridinho dos fãs, muito menos dos jornalistas. tanto que, no fim de 2003, sem alarde, ele simplesmente encerrou a carreira. Foi aproveitar a vida. Jogar golfe, pôquer. Engordou muito. rumores dizem que perdeu muito dinheiro.

No entanto, a verdade é que os anos suavizaram o russo. Seu jogo ainda continua pesado, assim como ele, que ganhou mais de 30 quilos desde que parou de jogar e certamente a balança alcança os três dígitos com ele em cima. contudo, em São Paulo para o Grand champions Brasil, deu para ver o porquê de suas devoluções e suas bolas retas, quase sem efeitos, terem sido tão temidas pelos adversários.
Mas, mais curioso de tudo foi ver Kafelnikov sorridente como nunca esteve, agora que o tênis lhe é um prazer e não uma profissão. tranquilo, ele conversou com a Revista TÊNIS e explicou por que acredita que Guga venceria Rafael Nadal e volta no tempo para tentar entender as derrotas para o brasileiro em Roland Garros. Além disso, ele deu sua opinião sobre o tênis russo e não gostou nada de ser comparado a Nikolay Davydenko...

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" Posso ser heavy metal, hip hop... tinha muitos estilos. Depende da forma física em que estava. Se estava me sentindo bem fisicamente, podia curtir bastante"

É verdade que vai voltar ao Brasil em agosto?
Encontrei-me com Guga dias atrás e ele me convidou para jogar seu desafio em Florianópolis, e disse que se minha agenda estiver assegurada, e espero que esteja, voltarei para cá. Guga e eu somos bons amigos. Se ele me pedir para fazer algo, eu farei.

Você disse que, no auge, Guga poderia vencer Nadal. Por quê? Como ele poderia vencer?
Acho que não sou o único que diz isso. Acho que Guga tem mais variedade em seu jogo, ele pode sacar e volear, pode jogar do fundo, pode tudo. Nadal é mais unidimensional, mais como (thomas) Muster era no seu ápice. Olho para todos os aspectos do jogo e acho que Guga - pelo que vi, pelo que joguei com ele - é melhor.

Pergunto isso por que acabamos de ver mais uma vitória de Nadal sobre Federer, que é considerado o melhor de todos os tempos.
Acredite em mim, Federer não é, por exemplo, um Muster no saibro, não é um (carlos) Moyá, não é um Albert costa. Nadal não tem competição no saibro no momento. Diferente do tempo em que Guga jogava.

Você poderia ganhar de Nadal?

Não sei. Honestamente, não sei. Se pegar meus melhores momentos no saibro, eu definitivamente daria trabalho para Nadal.

Então qual foi o melhor torneio da sua carreira? Quando jogou seu melhor tênis?

Acho que são muitos. Não me lembro particularmente de um, mas diria, provavelmente, o Aberto da França que ganhei, pois em todo o torneio perdi apenas um set. Provavelmente foi um dos melhores torneios.

Qual o momento mais feliz?
Muitos. roland Garros, Australian Open, a medalha de ouro na Olimpíada em Sydney e a copa Davis. Esses são os maiores, claro.

Uma vez você disse que o estilo do jogo de Guga poderia ser comparado a Picasso. Qual artista representaria o seu estilo?
Uhm... Não conheço muitos artistas. Acho que posso ser às vezes um roqueiro, às vezes heavy metal, hip hop, quem sabe. Eu tinha muitos estilos. Depende da forma física em que estava. Se estava me sentindo forte fisicamente, podia curtir bastante em quadra e jogar o melhor que pudesse. quando estava me sentindo um pouco fora de forma, era um estilo diferente.

Como está usando seu tempo livre atualmente?
Jogando golfe todos os dias, tentando ficar em forma para jogar tênis talvez uma ou duas vezes por semana com juvenis. Esse tipo de coisas.

Ron C. Angle

"Não acho que desperdicei meu talento. Se perguntar a outros tenistas se eles queriam ter a minha carreira, muitos deles diriam que sim"

Você lembra do jogo...
Lembro de todos os meus jogos.

As quartas-de-final contra guga, você ganhava por 2 sets a 1...
Estava na frente por 2 sets a 1 por duas vezes, em 1997 e 2000.

O que aconteceu nesses dois jogos?
Em 1997, Guga era um desconhecido. Ninguém sabia quem ele era. Joguei com ele no começo daquele ano e ganhei por duplo 6/1 no saibro (na verdade o jogo foi em 1996, em Sttutgart, e o placar foi 6/1 e 6/4). O ranking dele era perto de 60 na época, mas, para ser sincero, quando ele derrotou Muster na terceira rodada, comecei a perceber que o jogo dele era bom o suficiente para vencer. Depois ele ganhou do (Andrei) Medvedev e, quando joguei com ele, ele jogou fantasticamente. Então, de repente, ficou fácil para ele. Na semifinal, ele venceu (Filip) Dewulf e depois (Sergi) Bruguera. Daquele ponto em diante, quando ele ganhou seu primeiro Grand Slam, a carreira começou. Ele teve problemas por um ou dois anos, mas, depois, todos sabemos o que aconteceu. Em 2000 e 2001 ele dominou.

Em 2000...
Joguei muito bem. Fiquei muito... muito... inseguro. Acho que posso dizer isso. Pois com 4/2 e 15/40 (Guga sacando), sabia que tinha que jogar bem por apenas mais cinco minutos e então o jogo estaria terminado e eu teria ganho outro Grand Slam, pois tanto eu quanto ele estávamos jogando o que havia de melhor na época no saibro. Apenas não consegui criar confiança... E no set final foi...

Apesar das derrotas , você se diz amigo de Guga. Você nunca ficou bravo por essas derrotas ?

Perdi para ele algumas vezes, mas tirei o título dele em Sydney, que era um ouro Olímpico, tão importante quanto um Grand Slam. Ganhei dele nas quartas-de-final do US Open na última vez que jogamos um contra o outro (2001). Naquele ano também ganhei no Masters em Sydney. Não me arrependo. Sei que toda vez que jogamos tentamos dar o melhor para ganhar um do outro. Sempre foi um bom jogo.

Como você compara esse circuito de veteranos ao circuito profissional? O pessoal agora é mais amigável?
Como disse, nunca estive nessa parte do mundo. É a primeira vez no Brasil. Por toda minha carreira, tive muitos amigos, que gostavam do meu jogo, que me apoiavam... Então, vir aqui, vê-los, saber que eles me reconhecem, é um bom sentimento.

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Kafelnikov ganhou 30 quilos desde que parou de jogar profissionalmente em 2003

Você joga pôquer...
Jogava.

Não joga mais? Por quê?
Não mais. Não tenho tempo. Não tenho paciência.

Quanto o tênis evoluiu nos últimos anos ? Quais as diferenças de 10 anos atrás?

Há grande diferença, pois, quando estávamos jogando, muitos caras estavam se socializando entre eles. Mas agora são todos personalidades diferentes. Você tem Nadal com seu próprio staff, ele não para. Você tem Federer e a mesma coisa. Lembro que antes no vestiário era sempre um bom papo, boas risadas, muitas piadas, muitas histórias. Hoje me parece que não há nada disso.

Falando sobre Roland Garros, lá a torcida tem sempre alguns favoritos. Caras como você talvez nunca tenham sido xodó dos franceses.
Você tem a torcida comum, que é como gladiadores. Se você está tendo sucesso, eles empurram até o fim da sua carreira.

Você se importava em ter a torcida do seu lado?
Claro que sim. Sempre me importei onde jogava, pois quando você entra em quadra é legal ter apoio dos fãs. Nunca gostei de ir para a quadra e ter todos torcendo para o meu oponente. Nunca era legal.

Você acha que os franceses, às vezes, não apóiam Nadal como deveriam?

Não concordo com isso. Acho que eles o amam. Ele mereceu esse apoio, pois ele ganhou lá tantas vezes. Ele é um personagem como Federer. Sempre disse que sou muito simpático ao Nadal, pois gosto de como ele se expressa. Ele não tem nariz empinado. Ele é muito calmo. Acho que eles gostam dele.

Como se explica o tênis russo tendo tenistas no top 10 por tanto tempo, tanto entre os homens quanto entre as mulheres?

Apenas um. Se olhar as mulheres foram quatro ou cinco no top 10 em algum momento. isso é uma grande diferença. O tênis feminino tem muito mais potencial do que o dos homens. O tênis masculino é muito mais difícil. Mas não sei qual a chave para esse sucesso. Acho que apenas muitas garotas têm oportunidade de crescer umas com as outras e nos treinos. E isso é muito melhor do que entre os homens. O que acontece é que um cara, (Nikolay) Davydenko, vive na Alemanha e não olha para os juvenis.
talvez não faça o suficiente para que eles se tornem melhores jogadores. Ao contrário das garotas, que permanecem em casa, na rússia, e as meninas mais jovens observam como elas jogam, como elas fazem as coisas. Essa é a diferença.

Você acredita que parte do sucesso se deve à grande população russa? Da quantidade vem a qualidade?
Acho que dos números vêm a qualidade. quanto mais meninos e meninas jogarem, mais chances temos de que alguém seja muito bom um dia. Se tiver apenas 10 garotos, não há garantia de que um será o melhor. Se você tem milhares, com certeza um vai explodir.

O que você acha de Marat Safin. ele se aposentou no ano passado e alguns jornalistas sempre disseram que ele desperdiçou uma parte de sua carreira por não estar focado no tênis...
Acredite: estes mesmos jornalistas diziam isso de mim. Não acho que desperdicei meu talento. Ganhei dois Grand Slams, ganhei ouro olímpico. Se perguntar a outros tenistas profissionais se eles queriam ter a minha carreira, muitos deles diriam sim. Então, é o mesmo com Safin. Ele usou o talento dele tanto quanto pôde, como eu.

Mas você não acha que ele poderia ter alcançado mais coisas?
Nunca teremos a resposta correta. E se ele tivesse... E se ele pudesse... E se...

Você acha que Davydenko possui um estilo de jogo similar ao seu?
Sim, mas ele não tem habilidade para volear como eu tinha, jogar duplas como eu jogava. Mas nossos estilos são similares, mas acho que as armas deles são muito mais efetivas do que as minhas, especialmente no saibro. Talvez na quadra dura também. Mas acho que usava minha cabeça mais sabiamente, mais taticamente do que ele faz.

E as acusações que ele sofreu de estar envolvido em apostas e arranjo de resultados . Nada foi provado e a ATP o tratou bem duramente. O que você achou disso?
Não sei que tipo de tratamento ele recebeu. Soube apenas brevemente o que aconteceu. Não conheci os fatos, não sei o que aconteceu. Para ser sincero, não me importo.

Algumas pessoas falaram em envolvimento com a máfia russa . Você acredita nisso?
Não. Não. Não. Absolutamente não.

YEVGENY KAFELNIKOV

Idade: 36
(nascido em 18/02/1974, em Sochi, Rússia)
Destro
Profissional de 1992 a 2002
Melhor ranking:
1° em simples (em 03/05/1999)
4° em duplas (em 30/03/1998)
Títulos na carreira:
26 (2 Grand Slams - Roland Garros 1996 e Australian Open 1999 - e Ouro na Olimpíada de Sydney em 2000)
Premiação na carreira:
US$23.883,797

* Colaborou com a entrevista o colunista da Folha de S. Paulo, Régis Andaku

Arnaldo Grizzo E Felipe De Queiroz

Publicado em 14 de Junho de 2010 às 13:41


Perfil/Entrevista

Artigo publicado nesta revista

Nadal - Grand Slam da terra

Revista TÊNIS 81 · Julho/2010 · Nadal - Grand Slam da terra