História reescrita

Ao vencer o WTA de Bogotá, Teliana Pereira derrubou um dos últimos tabus e abriu as portas para uma nova fase do tênis feminino brasileiro


Teliana Pereira

A maior vitória do tênis feminino brasileiro nas últimas duas décadas começou a ser construída em fevereiro de 2013. No fim do ano anterior, Teliana Pereira havia ingressado no top 200 e decidiu apostar em torneios maiores. Somente assim seria possível ganhar pontos suficientes para entrar no top 100. Durante quase um mês e meio, a tática não deu certo.

Ela foi derrotada na estreia dos qualis de Brisbane, de Horbat e do Australian Open. Neste último, enfrentou Eugenie Bouchard, que no ano seguinte faria semifinal no torneio e ingressaria no top 10, e perdeu em três sets duros. Assim, Teliana voltou ao Brasil para treinar e partiu para a Colômbia. Em Cali, passou duas rodadas, mas perdeu para a espanhola Lara Arruabarrena, que seria campeã.

Na semana seguinte, sua vida mudaria completamente. Ela jogou o quali em Bogotá e superou. Conseguiu uma boa vitória na estreia da chave principal, porém, nas oitavas, encarou a francesa Alize Cornet, uma das favoritas, top 40. Depois de uma batalha duríssima, conquistou a principal vitória de sua carreira até então. Seguiu embalada até a semifinal quando perdeu para a argentina Paula Ormaechea.

Teliana Pereira

Apesar disso, o resultado era histórico. A última brasileira a alcançar tal rodada em um torneio desse porte havia sido Luciana Corsato em 1990. Na semana seguinte, os holofotes do WTA de Florianópolis estavam sobre Teliana, que, cansada, não se adaptou à mudança de piso (saibro para cimento) e perdeu na estreia, frustrando muitas expectativas.

Teliana derrubou todos os incômodos tabus do tênis feminino brasileiro e abriu as portas para um futuro promissor

A menina, contudo, sabia estar na direção certa. Meses depois, venceu dois torneios menores na França e conseguiu atingir o tão sonhado top 100, barreira que não era superada por uma tenista brasileira havia 23 anos. Ela ainda ganhou mais duas competições naquele ano e, no começo de 2014, disputou, pela primeira vez, a chave principal de um Grand Slam, o Australian Open. Há mais de 20 anos uma brasileira não conseguia tal feito.

Pouco depois, levantou a torcida no Rio Open, ao alcançar a semifinal, jogando com uma garra impressionante. Ali ela mostrou de que, apesar de seu jogo por vezes não apresentar o patamar necessário para desbancar tenistas teoricamente mais fortes e técnicas, ela era capaz de superar isso com sua luta incansável.

Naquele ano, Teliana conseguiu disputar todos os Grand Slams, algo que, antes dela, a última a conseguir havia sido Maria Esther Bueno. Em setembro, porém, ela contundiu o joelho (em 2009, ela precisou ficar um ano afastada das quadras por causa da lesão) e ficou longe das competições até o fim do ano. Com isso, caiu no ranking. Em 2015, seria preciso recomeçar.

Teliana Pereira, Bia Maia e Paula Gonçalves
Horas depois que Teliana venceu o WTA de Bogotá, Bia Maia e Paula Gonçalves conquistaram o título em duplas

Vitória da perseverança

Como há dois anos, Teliana começou esta temporada tentando a sorte nos qualis dos torneios australianos. Assim como ocorreu em 2013, não teve sucesso. De volta ao Brasil, no Rio Open, perdeu na estreia. Depois, disputou mais dois torneios menores no Brasil e teve derrotas inesperadas. Mal sinal?

Que nada. Em abril, a brasileira, depois de duras semanas de treino em Curitiba, seguiu para a Colômbia. Logo na primeira competição, em Medellín, sagrou-se campeã. Até então, era a sua maior conquista na carreira, a de maior premiação.

Com confiança, foi disputar o WTA de Bogotá. Logo na estreia desbancou a italiana Francesca Schiavone e seguiu até a semifinal, onde enfrentou a cabeça de chave número 1, a ucraniana Elina Svitolina.

Venceu. Era a primeira brasileira a disputar uma final de WTA desde 1988, quando Niege Dias venceu o WTA de Barcelona – meses antes de Teliana ter nascido. Deve-se dizer ainda que as duas únicas brasileiras a conquistarem torneios de WTA na carreira foram Dias e Maria Esther Bueno.

Referência na América do Sul

Por mais que Teliana mantenha os pés no chão, conhecendo suas limitações, deve-se dizer que ela é a melhor jogadora da América do Sul no ranking atual. Se entre os homens invejamos os argentinos, entre as mulheres estamos liderando e não há uma única sul-americana sequer entre as top 100 que não seja Teliana. Poucos depois de vencer o WTA de Bogotá, a tenista fez oitavas em Marrakech e parou na 75a colocação do ranking, a melhor posição de uma brasileira desde 1989. Essa ainda é quinta melhor marca já alcançada por uma jogadora do país, atrás apenas de Maria Esther Bueno (29ª em 1976), Niege Dias (31ª em 1988), Patrícia Medrado (51ª em 1983) e Cláudia Monteiro (72ª em 1982).

Assim, no dia 19 de abril de 2015, após derrotar Yaroslava Shvedova, do Cazaquistão, por 7/6(2) e 6/1, Teliana não somente derrubou mais uma incômoda marca do tênis feminino brasileiro, como também provou para suas colegas compatriotas que é possível ir além.

Teliana Pereira
“Acho que faltou, ao tênis feminino, um espelho. Por isso foram 27 anos sem títulos de primeiro nível. Hoje, acho que consigo ajudar bastante as novas tenistas. Elas olham para mim e falam: ‘Se ela pode, por que eu não posso?’”

Naquele mesmo dia, momentos depois, duas outras brasileiras, certamente inspiradas pelo feito de Teliana, passaram a acreditar e fizeram uma dobradinha brasileira em Bogotá. Beatriz Maia e Paula Gonçalves conquistaram o torneio de duplas ao derrotarem as norte-americanas Irina Falconi e Shelby Rogers por 4/6, 6/1 e 10-6.

“Foi um dia que só deu Brasil em Bogotá. Tiramos muitas fotos. Voltei com a Bia no voo – a Paula foi para os Estados Unidos – com o sorriso gigantesco de todas. Comemoramos muito. O tênis feminino precisa disso. Isso mostra que estamos crescendo e que podem apostar mais. Temos boas jogadoras e só temos a crescer e dar muita alegria”, afirmou Teliana.

“Foi uma semana importante para o tênis feminino, para mostrar que a gente pode”, disse Bia. Semanas antes, a menina de apenas 18 anos havia alcançado as quartas de final do Rio Open e feito um jogo espetacular contra a italiana Sara Errani, principal favorita ao título. Ela dominou a top 20, mas, ao perceber que poderia vencer, acabou sucumbindo pela falta de experiência. A vitória de Teliana e sua própria junto com Paula provavelmente vão lhe abrir muitas possibilidades.

“A gente deixou a nossa marca para todo mundo ver que estamos melhorando, que tem mais meninas querendo chegar. As meninas mais novas vão se empolgar e vão ver que também podem jogar em alto nível. Espero que daqui a pouco a gente não tenha só uma jogadora entre as 100, mas várias. Tenho certeza de que esse título vai ajudar muito”, garantiu Teliana.

“Acho que faltou, ao tênis feminino, um espelho. Por isso foram 27 anos sem títulos de primeiro nível. Hoje, acho que consigo ajudar bastante as novas tenistas. Elas olham para mim e falam: ‘Se ela pode, por que eu não posso?’ Temos um carinho grande. Quero puxá-las, até porque não acho legal ser a única brasileira entre as 100 melhores. É preciso mais. O Brasil é um país enorme, não pode se contentar com pouco”, finalizou.

Teliana Pereira

TELIANA PEREIRA

Nascimento: 20 de julho de 1988 em Santana do Ipanema
Altura: 1,68 m
Peso: 62 kg
Destra

Histórico: Quando Teliana tinha apenas oito anos de idade, José Pereira e a esposa, Maria Nice, decidiram sair do sertão pernambucano, onde moravam, no povoado de Barra de Tapera, município de Águas Belas. Levando pouca coisa na bagagem além de seus sete filhos, eles vieram para Curitiba, no Paraná, onde José conseguiu um emprego de servente em uma academia de tênis que, pouco depois, estaria nas mãos do francês, Didier Rayon, o primeiro técnico de Teliana, assim como de seus irmãos, José (que disputa o circuito ATP) e Renato, atualmente seu treinador.

Em 2007, aos 19 anos, ela ingressou no top 200 e tornou-se a melhor tenista brasileira no ranking. Em 2009, contudo, Teliana sentiu uma lesão no joelho direito, que se agravou, e fez com que ela ficasse mais de um ano longe das competições. Ela precisou passar por cirurgia e levou dois anos para que voltasse a sentir confiança em seu corpo e jogo, além de tentar recuperar o tempo perdido (e os patrocínios).

Assim, a partir de 2013, ela começou a derrubar marcas históricas do tênis feminino brasileiro até conquistar o WTA de Bogotá em abril de 2015.

Por Arnaldo Grizzo

Publicado em 23 de Maio de 2015 às 00:00


Perfil/Entrevista Teliana Pereira venceu WTA Bogotá tênis feminino Brasil

Artigo publicado nesta revista

Teliana Pereira

Revista TÊNIS 140 · Maio/2015 · Teliana Pereira

O renascimento do tênis feminino e o fim de um jejum de 27 anos