Natural

Você já usou uma corda de tripa natural? Sabe qual a diferença para um filamento sintético? Ela é mesmo melhor? A Revista TÊNIS testou e comprovou as maravilhas de usar uma tripa


 

O FINAL do século XIX, quando foi realizado o primeiro "The Major Championships", ou seja, Wimbledon (em 1877), é considerado um dos primórdios da história do tênis moderno. As raquetes eram de madeira, o uniforme era calça comprida e camisa, as bolas eram brancas e as cordas de tripa feitas de intestino de boi ou carneiro. Dois anos antes da edição inaugural de Wimbledon, Pierre Babolat manufaturou a primeira corda de tripa natural.

Durante anos e anos a fio, este foi praticamente o único tipo de filamento usado para encordoar as raquetes. Até o começo da década de 1980, elas reinavam absolutas. Contudo, com o desenvolvimento de novas tecnologias de fios, logo o nylon e outros materiais passaram a substituir os intestinos de vacas e ovelhas na fabricação. Hoje, se você, tenista, tem menos de 40 anos, provavelmente nunca jogou uma vez sequer com uma tripa natural.
Mario Luiz Mancini Isola, de 57 anos, é um dos que chegaram a jogar com essas cordas. "Por volta dos anos 70, não existia muita opção. Eram as cordas de nylon ou as tripas. Na época, era comum jogar com tripa, pois eram bem melhores em termos de sensibilidade e conforto", lembrou o tenista amador, que joga diariamente em Jaú, interior de São Paulo, mas, desde meados da década de 1970, nunca mais havia usado uma tripa. Já a juvenil Marina Danzini, de 17 anos, natural de Jundiaí, SP, sequer fazia ideia de como era jogar com uma corda natural. Disputando torneios brasileiros e internacionais há alguns anos, a garota costuma usar filamentos sintéticos de base de nylon e poliéster, mais duráveis e econômicos. Então, a Revista TÊNIS lhes forneceu a Babolat VS para testarem.
"Para mim, fica comprovado que existe uma diferença muito grande entre as tripas naturais e as sintéticas. A elasticidade e a sensibilidade na absorção do impacto da bola é completamente diferente. É uma corda macia, uma delícia", atestou Isola, após o teste. Depois de mais de 30 anos sem jogar com um filamento desse tipo, o jauense estava empolgado: "Jogo todos os dias e a sensação é completamente outra". Mas, se a tripa não era exatamente uma novidade para ele, ela foi para o encordoador da loja em que costuma levar suas raquetes para trocar as cordas. "Assim que o rapaz foi puxar para calibrar, ela estourou", lamentou. Porém, logo o set foi reposto.

Sensibilidade e conforto de uma tripa natural são muito maiores se comparada com cordas sintéticas

CUIDADOS ESPECIAIS
São diversos os cuidados na hora de usar e também encordoar uma tripa natural, pois ela é extremamente sensível e delicada. Fabrizio Tivolli, da loja Tivolli Sports, em São Paulo, alerta: "São necessários muito mais cuidados e é mais demorado encordoar, pois a tripa não tolera 'dobrinhas' na hora de passar a corda pelos grommets (buraquinhos do aro). Se danificada, além de arrebentar precocemente, não dá a sensação esperada na batida. Para colocar na máquina, não é preciso nada de muito diferente do convencional. Os cuidados se dão na hora de tensionar a corda, passar pelos grommets e ter muita paciência durante o encordoamento, pois, se passar muito rápido pelos buracos, certamente fará 'boquinhas', espécies de 'queimaduras', por vários pontos do encordoamento, prejudicando também a vida útil".
Algo que é de conhecimento de quem costuma usar filamento natural é tomar cuidado com a umidade, pois o material pode absorver água e ficar prejudicado (quebrando mais facilmente ou perdendo a sensibilidade). "O encordoador deve estar com as mãos bem secas para não umedecer a corda. Todos esses cuidados fazem com que o preço da mão de obra com tripa seja um pouco mais cara", considerou Tivolli, que lembra que "as tripas já foram muito mais sensíveis à umidade, hoje nem tanto". E ele está certo, os filamentos agora vêm cobertos por uma camada mais resistente e que evita ressecamento.

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Ainda assim, o clima deve ser uma preocupação constante para quem usa esse tipo de corda. É sempre bom evitar dias úmidos e quentes, guardar as raquetes em termobags ou embalá-las em plástico ajuda bastante. Ainda assim, a durabilidade de uma tripa é menor do que as cordas sintéticas, especialmente os "arames" de poliéster com que grande parte dos juvenis jogam. E, como o preço é alto (cerca de 150-200 reais um set - um rolo inteiro de corda sintética convencional costuma custar por volta disso), elas acabam ficando relegadas a quem pode pagar por elas.

Tripas naturais custam muito mais e duram bem menos do que as outras. Se você quebra muita corda, talvez não seja um bom negócio

VALE O QUANTO PESA?
Tenistas da "antiga" como Isola e o empresário José Salibi Neto são capazes de perceber todas as sutilezas e o ganho de performance e conforto com os filamentos naturais. Com 51 anos atualmente, Salibi joga com tripa desde seus tempos de juventude, aos 19 anos. "Jogo três vezes por semana", revela o empresário, tenista de estilo clássico, que gosta de bater mais chapado na bola e com força. Para ele, uma tripa dura quase dois meses na raquete. Para Isola, que também gosta de jogar "flat", o tempo que o filamento natural permaneceu inquebrável em sua raquete também foi parecido. No entanto, para um juvenil que adora usar spin, que usa raquetes com cabeças mais largas e padrão de cordas mais espaçado, a história é outra. Marina Danzini, acostumada a jogar com filamentos à base de poliéster, nylon e outros polímeros, testou uma tripa a pedido da revista. "Foi muito diferente. No começo, não conseguia colocar a bola na quadra. Tinha horas que a batida ficava curta ou longa. Achei estranho. Demorei para encontrar o jeito de bater", comentou a menina, para quem a cordinha durou apenas dois dias de treino intenso, sendo que seu encordoamento normal costuma durar de três a quatro dias.
Quem nunca jogou com uma tripa e está acostumado às sensações dos filamentos de poliéster certamente terá a mesma reação da garota. Seu treinador, Carlos Omaki, que também aproveitou para testar uma corda natural, já imaginava que aconteceria isso. "Quando se acostuma a jogar com poliéster, é difícil passar para uma tripa. As sensações são outras. É uma corda mais elástica, que solta mais a bola apesar de ter um 'feeling' muito melhor do que a sintética. Então, essa molecada estranha mesmo em um primeiro momento e pode até achar ruim, pois jogam com cordas mais duras que controlam melhor a bola na quadra", comentou o técnico de 45 anos, que há muitos anos não usava uma tripa: "É outra coisa jogar com isso. Quando comecei a dar aula, tinha poucos nylons e bem vagabundos. As tripas eram bem melhores e ainda são. São muito macias".

TRIPA NACIONAL DE MACACO?
"Antigamente, os primeiros nylons que apareceram no mercado eram de uma marca chamada Victor Staytite. Era uma corda trançada. Havia também outra chamada Obylon. E as tripas naturais eram feitas no Brasil, em uma fábrica em Araçatuba, chamada Tennis Cord", lembrou Jairo Garbi, proprietário da loja Tennis Pro Shop Jairo, em São Paulo. "Lembro que havia a lenda de que a corda era feita de tripa de macaco. Mas, na verdade, era feita de tripa de boi mesmo daqui, enviadas para a França, na Babolat, e depois retornava com o acabamento", conta o lojista.

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A fábrica de Araçatuba ainda existe, mas atualmente só faz fios cirúrgicos - que também usam intestino de boi na fabricação. "A Tennis Cord, hoje Cofiban, produziu tripas naturais para a Babolat até 1996. Todo o processo era feito aqui, pois é a terra do boi. Eles começaram a fazer outras cordas sintéticas aqui também, mas não continuaram", afirmou Altino Soares, gerente da fábrica atualmente. A participação da marca francesa na indústria terminou em 2006. Lá a Babolat fazia a tripa conhecida como VS e também o nylon dito VF.
No auge dos filamentos naturais, a Babolat também lançou um produto para ajudar a aumentar a durabilidade das cordas, o Babol. O lançamento oficial no mundo foi em 1958. "O Babol é um verniz utilizado para impermeabilizar a corda, protegendo contra umidade. Hoje em dia não trabalhamos mais com esse produto, pois as tripas naturais atuais possuem um tratamento especial para tal Situação atestou Diego Ferreira, supervisor comercial da Babolat no Brasil.

Tripa de quê?
Há diversas lendas em torno da matéria-prima para a fabricação de tripas naturais. No Brasil, houve boato até mesmo de que eram usados intestinos de macacos. Imaginou? Houve ainda quem acreditasse que os pobres gatinhos também já teriam sido alvo da indústria de cordas de raquetes. Mas, acalme-se sociedade protetora dos animais. A matéria- -prima de uma tripa natural é mesmo intestino de boi, aliás, uma parte dele, chamada serosa. Já chegaram a usar tripas de carneiros, mas, o uso foi descontinuado por duas razões: a indústria de linguiças usa a mesma parte do intestino das ovelhas e o tamanho e força de tensão das tripas de carneiro são menores que as de boi.
A serosa é uma pequena parte do intestino. Portanto, são necessárias três vacas para formar um set de cordas (cerca de 11 metros). Além disso, não é o intestino de qualquer gado que pode ser usado. Geralmente se utilizam bois de regiões especificas que teoricamente vão proporcionar um material orgânico melhor.
Uma vez retirada a serosa, ela é cortada em tiras e limpa para retirar impurezas sem prejudicar o colágeno. Depois disso, as tiras são amarradas juntas e tensionadas. Então começa o processo de secagem, que dura vários dias em salas de clima controlado. No fim desse processo, a tripa está áspera e precisa ser polida. Em seguida, é aplicada uma cobertura de poliuretano para aumentar a resistência e evitar ressecamento. Não à toa, o preço desse tipo de corda é elevado.

Diário da tripa natural
A Revista TÊNIS também resolveu testar uma corda de tripa para dizer como é. A única vez este repórter havia jogado com tripa tinha sido no fim da década de 1980, quando ainda era um garotinho com uma raquete emprestada. Portanto, não essa vez não conta. Sendo assim, esta foi a primeira vez "oficial". Sabendo da sensação de maior "soltura" da bola, coloquei algumas libras de tensão a mais do que uso com as cordas sintéticas de polímeros. Fui para a quadra. Além da mudança na tensão, a espessura (gauge) da corta também era maior do que a que estou acostumado (uso cordas de gauge 17 e a tripa era 15). No primeiro momento, assim como a juvenil Marina Danzini, estranhei. As batidas mais fortes voavam longe e as mais fracas ficavam na rede. Demorei para achar o swing e a força ideal no golpe.
Assim que encontrei o melhor ritmo, comecei a perceber as diferenças de sensação no braço. Joguei uma tarde inteira, com boa intensidade, algo que costumava deixar meu braço moído quando com outra corda. Com a tripa, percebi que estava fazendo menos força para bater na bola e isso provavelmente fez com que meu braço não recebesse tanto estresse. No fim do treino, com a tripa já um pouco desgastada e desfiando, guardei-a com extremo cuidado envolta em plástico e dentro da termobag.
Os dias seguintes provaram-se impróprios para voltar aos testes devido ao mau tempo. Mesmo quando não estava chovendo, estava úmido demais e preferi não arriscar a saúde da preciosa cordinha. Quando o sol ressurgiu, voltei para a quadra para tentar provar a questão da melhor sensibilidade da corda. Antes, porém, precisei me acostumar novamente com a "soltura" da bola. Tudo ajustado, fui para saque-evoleio, deixadinhas, toquinhos etc. Apesar de minha técnica precária e minha "mão de tijolo" não ajudarem, percebi que o controle dessas jogadas era mais simples. Mais simples até do que controlar as batidas de fundo que não são muito a minha praia. Aliás, senti que aplicar spin não seria a melhor coisa com a tripa. Fim de novo dia de teste. Raquete devidamente embalada e guardada apesar de o desgaste na corda agora já ser grande.
A expectativa para o dia seguinte era grande. Cheguei em casa. Deixei a raqueteira no quarto. A noite esfriou. Durante a madrugada, um estrondo. Acordo assustado, ascendo a luz e não vejo nada de anormal. Volto a dormir. Levanto com o despertador, sigo para a academia. Abro a raqueteira e descubro o motivo do barulho da madrugada: com o frio, a tripa havia rompido no lugar que estava mais desgastado. Percebendo minha frustração, um dos velhinhos diz: "Xi, quantas vezes eu já não acordei por causa de uma corda estourada no meio da madrugada...". Enfim, vale dizer que a sensação de usar uma tripa é mesmo inigualável. Se vale a pena em termos econômicos, aí é outra história. Vale para quem quebra as cordas poucas vezes e quer evitar dores no braço.

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Até mesmo para encordoar é preciso ter mais cuidado com as tripas naturais do que com as outras cordas, para evitar que elas se quebrem ainda mais facilmente ou percam sensibilidade

GANHO DE SENSIBILIDADE E CONFORTO
"A tripa é muito cara e sensível ao tempo, portanto, o uso constante se inviabiliza devido à sua pouca durabilidade", lamentou Mario Isola, que fez questão, contudo, de apontar as principais qualidades: "elasticidade, sensibilidade, mais conforto, absorção ao impacto da bola, prevenindo as dores decorrentes de vibrações ocasionadas por cordas de materiais sintéticos". José Salibi Neto acompanha essa visão: "O 'feel' da bola é muito melhor. Além disso, não dá dor no braço, cotovelo e ombro. A velocidade também é maior e tem bom controle". Apesar do alto custo, o empresário sequer pensa em mudar de corda. "Os benefícios são enormes", garante.
Apesar de a tecnologia ter se desenvolvido muito ultimamente, nada ainda supera o desempenho da tripa natural. Um dos segredos é a presença do colágeno, proteína presente em quase todo tecido animal e que é o que prove a corda com as principais características de elasticidade. A estrutura da molécula do colágeno da serosa é formada por uma hélice tripla que formam três faixas de tiras trançadas que resultam em uma corda. Além de elasticidade, essa estrutura é dá o aspecto de amortecimento da tripa. Por isso, além de dar potência à batida, ela ainda é confortável para o braço.
Um filamento natural encordoado com a mesma tensão de um sintético certamente terá um impacto muito mais suave. Testes de laboratório mostram que o nylon aumenta muito de tensão no momento do impacto, ao contrário da tripa. Assim, uma raquete com nylon será muito mais dura. Por isso que cordas são recomendadas para quem tem tennis elbow.
A tripa ainda apresenta uma sensação interessante de ter o domínio da bola. A grande elasticidade faz com que o tenista tenha a impressão de que a bola permanece muito mais tempo em contato com as cordas durante a batida. Assim, o controle fica muito mais simples para tenistas que gostam de dar toques refinados, como voleios, deixadinhas, bate- -prontos etc. Você se sente mais conectado com a bola.

Por fim, filamentos naturais mantém a tensão muito melhor do que os sintéticos. Esse é outro fator que faz com que os tenistas profissionais optem por eles, pois suas raquetes estarão sempre com a mesma tensão, não importa quando foram encordoadas. Essa característica também atrai aqueles amadores que não costumam quebrar cordas com frequência. Contudo, ainda são poucos os usuários das tripas.
"Atualmente, poucos clientes usam a tripa natural. No geral, são tenistas mais antigos. Isso se dá pelo fato de que muitos amadores (diria mais de 80%) nunca ter sequer experimentado uma tripa. Creio que se as pessoas experimentarem, muitos teriam problemas para voltar a usar suas cordas antigas", garante Fabrizio Tivolli. "Devido ao custo, não são todos que têm o prazer de jogar com essas cordas e ou não podem se dar ao luxo de jogar sempre com esse tipo de corda de qualidade e sensação incontestável, o que fica comprovado pela fidelidade do público usuário de tripa natural", acrescenta o lojista. "São poucos os que usam. Mas quem usa é fiel, usa sempre", confirma Jairo Garbi.

Vantagens da tripa
Resiliência
- capacidade retornar à forma original após ser submetido a uma deformação elástica
Conforto - é a melhor corda para quem tem problemas de dor no braço Manutenção de tensão - a tensão permanece praticamente inalterada por muito mais tempo que uma corda sintética
Sensibilidade - sensação de domínio dos toques na bola

Desvantagens da tripa
Preço - uma tripa natural já tem um custo alto e o serviço de encordoamento, por ser mais cuidadoso, também costuma ser mais caro
Durabilidade - mesmo as cordas mais espessas costumam durar 30 ou 40% menos que uma sintética (não poliéster)

Arnaldo Grizzo

Publicado em 13 de Julho de 2010 às 10:44


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Artigo publicado nesta revista

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