"Na Zoropa"

Participar da gira de torneios juvenis na Europa é uma experiência marcante e certamente determinante para o futuro da carreira de quem se arrisca a enfrentar esse desafio


Viajar pela Europa, conhecer diversas culturas, conviver com os principais tenistas do mundo e, mais do que isso, ter a chance de realizar o sonho de se tornar um grande profissional. E tudo isso, de graça. Opa! Não de graça, mas conquistado com muito suor. Há 24 anos, a Federação Internacional de Tênis (ITF) tem um projeto de fomento para o desenvolvimento de jogadores juvenis em países em que o tênis não tem tanta força. O sistema é chamado de Grand Slam Development Found (GSDF) e todo ano alguns jovens talentosos são selecionados para compor o ITF/ GSDF Touring Team A.
Essa equipe compete nos mais importantes torneios juvenis do mundo, incluindo Roland Garros, Wimbledon e US Open, com todas as despesas pagas e acompanhados pelos técnicos da ITF. Para se candidatar para o Touring Team A, o jogador tem de estar entre os 50 melhores do ranking juvenil da ITF e vir de um país que faça parte do programa de ajuda de desenvolvimento do tênis naquela região. Assim, não se convocam, por exemplo, jogadores dos Estados Unidos, França, Rússia, República Tcheca, Argentina, Croácia (entre outros), onde já existem bons programas de fomento ao tênis.

A ideia da ITF é de dar chance a jogadores de países menos favorecidos em programas tenísticos de viajarem em um grupo em que, além de estarem disputando importantes torneios, serem assistidos por técnicos experientes e também se relacionarem com outros tenistas juvenis (e profissionais) do mundo inteiro. Além de amizade, desenvolve-se uma competitividade amigável e consequentemente evolução do jogo de cada um dentro da equipe.

Algumas das regras de conduta da equipe ITF:

- Estar no quarto todos os dias até as 22h30
- Estar sempre no horário para treinos, reuniões, jantares etc
- Ter sempre o material apropriado e necessário para os treinamentos
e jogos (água, tênis apropriado, bolas, raquetes etc)
- Dar sempre 100% de esforço nos treinamentos em quadra, físico e
competições.

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Roberta Burzagli Foto: Ron C. Angle Foto: Ron C. Angle
Equipe ITF de 2010 contou com 17 integrantes (foto da página 32). Um dos destaques foi peruano Duilio Beretta (foto do centro), campeão de duplas e semifinalista de simples em Roland Garros. Tenistas que participam da equipe costumam despontar, como a bielorussa Victoria Azarenka (foto acima), considerada a melhor juvenil do mundo em 2005

A gira de 2010

Neste ano, os técnicos foram o colombiano Ivan Molina (que está no programa desde o início, há 24 anos), o tcheco Frank Zlesak e eu. Há mais de cinco anos venho sendo convocada para exercer um cargo importante dentro da ITF (algo que muitos no Brasil não sabem). Sou mais reconhecida internacionalmente do que no Brasil. O número de integrantes da equipe varia de ano a ano, pois também varia o orçamento do programa ano a ano. Em 2010, temos sete meninos e seis meninas. Este ano, a equipe disputou oito torneios na Europa. Quando começa a gira, dividimos a equipe em feminino e masculino e eu fico com as meninas. Damos treinos de quadra, físico e todo o acompanhamento extra-quadra.
Na primeira semana, quando todos se encontram no primeiro torneio, é feita uma reunião com os atletas em que são explicadas as regras que os integrantes da equipe devem cumprir. Se o jogador não cumprir alguma dessas regras ele pode receber advertências (primeiro uma verbal, depois uma por escrito que será encaminhada à ITF, à federação de tênis de seu país e aos seus pais) e, na terceira ocorrência, o jogador será enviado de volta para a casa. Se isso ocorrer, as despesas ficarão a cargo do jogador.

Programação da equipe em 2010

7 a 9 de maio - ITF Training Camp, Itália
10 a 16 de maio - 32nd Torneo Internazionale "Citta Di Santa Croce", Itália
17 a 23 de maio - 51st Trofeo Bonfiglio 2010, Milão, Itália
24 a 29 de maio - 46th Astrid Bowl, Charleroi, Bélgica
30 de maio a 6 de junho - Roland Garros 2010, Paris, França
8 a 13 de junho -18th International Junior Tournament of Offenbach/Main
14 a 18 de junho - Lensbury Club, Training, Reino Unido
20 a 25 de junho - AEGON International Junior Tennis Championships, Roehampton
26 de junho a 4 de julho - The Junior Championships, Wimbledon, Londres, Inglaterra

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Por que jogar a gira europeia?

Essa gira europeia tem algumas diferenças em relação ao circuito Cosat (11 etapas realizadas no início do ano), que a boa parte dos juvenis brasileiros estão acostumados a jogar. Em primeiro lugar, o nível de competitividade é muito díspar. É extremamente diferente jogar na Europa, principalmente no circuito feminino. No Velho Mundo, todas as tenistas jogam bem e qualquer jogo, desde o primeiro, é uma dureza. Então, se você quiser avaliar seu estágio de tênis entre os tenistas juvenis, esta gira pode ser um bom parâmetro.
E, se você é daqueles que acham que os torneios brasileiros e sul-americanos são ruins, mal organizados ou oferecem poucas facilidades para os tenistas, pois na Europa os torneios são piores. Não tem pegador. Às vezes, as partidas são realizadas em vários clubes. Os árbitros costumam ser péssimos. A arbitragem no Brasil é excelente se comparada com a arbitragem na Europa, Estados Unidos e talvez no resto do mundo.
O que facilita na Europa é a distancia de um torneio para o outro, que é bem pequena. Na maioria das vezes, pode-se ir em trem. No Cosat, tudo tem que ser feito por via aérea. Essa questão das pequenas distâncias facilita jogar pela Europa. Para os brasileiros, contudo, é um mundo diferente. Quem vai pela primeira vez e nunca pegou trem na vida pode ficar meio perdido. Para piorar, também vai sofrer com o idioma, pois não é só o espanhol.

No entanto, aqueles que querem seguir no tênis profissional devem, o quanto antes possível, aventurar-se nos torneios na Europa, principalmente as meninas, pois lá está o tênis "real". Infelizmente, na América do Sul, o nível é muito inferior e nossas jogadoras se acostumam a jogos fáceis, sem intensidade, muito diferente dos jogos que irão enfrentar em grandes torneios.
Os brasileiros que já tem um bom ranking ITF e conseguem entrar em torneios de nível 2 devem jogar a gira na Europa, pois o nível é muito superior que nas outras partes do mundo. Como esses torneios atraem gente do mundo inteiro e das principais escolas europeias, fica mais fácil se acostumar a confrontar tenistas de alto nível.

Alguns tenistas que participaram da equipe nos últimos 24 anos
Gustavo Kuerten (Brasil)
Nicolas Massú (Chile)
Nicolas Lapentti (Equador)
Angelique Widjaja (Indonésia)
Paradorn Srichaphan (Tailândia)
Cara Black (Zimbábue)
Victoria Azarenka (Bielorússia)
Raluca Olaru (Romênia)
Kateryna Bondarenko (Ucrânia)
Marcos Baghdatis (Chipre)
Ryan Sweeting (Bahamas)

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Foto: Roberta Burzagli
Na Europa, as distâncias entre um torneio e outro são menores e é possível ir de trem (na foto acima, o grupo de 2010 aguarda em uma estação). Porém, a barreira do idioma pode ser um grande problema para quem não está familiarizado

Experiências marcantes

Disputar os torneios da gira europeia certamente é uma experiência inesquecível para grande parte dos garotos que se arriscam. Em 1993, Guga estava na equipe da ITF, junto com Nicolas Lapentti, por exemplo. Naquele ano, o catarinense foi campeão de um torneio na Bélgica e enfrentou jovens que mais tarde também se tornariam grandes tenistas como Albert Costa, Marcelo Rios, Thomas Johansson, Nicolas Escude etc. Quem acompanha o circuito juvenil de perto sabe que a maioria dos grandes tenistas pelo menos uma vez disputaram alguns desses torneios.
Em 2007, por exemplo, o juvenil brasileiro, Henrique Cunha, fazia parte do time da ITF e viveu algo que nunca mais vai esquecer: treinou com Roger Federer em Roland Garros. Em 2010, um dos integrantes da equipe, Damir Dzumhur, foi convidado a treinar com a italiana Francesca Schiavone antes da semifinal. O treino foi tão bom que ela pediu para treinar com ele outra vez antes da final. Como agradecimento deu um ingresso para o garoto assistir à final no box dela, junto com a família. Outro garoto felizardo em 2010 foi John Morrissey, que treinou dois dias seguidos com Rafael Nadal. Um dia, os meninos da equipe estavam no vestiário quando acabou o jogo do Novak Djokovic. Quando o sérvio foi embora, deu o tênis que havia usado para eles. Era o número do Morrissey.

Então, com certeza, esta é uma experiência fantástica para esses juvenis, que podem ver de perto a rotina dos melhores jogadores do mundo: o que eles comem, a intensidade com que treinam, o aquecimento etc. Isso, somado às experiências em quadra nos jogos, seguramente é um divisor de águas na carreira de um jovem. Depois disso, seguir o sonho do profissionalismo pode parecer mais simples ou mais complicado.

Equipe 2010
MENINOS
Damir Dzumhur (BIH)
Mate Zsiga (HUN)
Duilio Beretta (PER)
Hugo Dellien (BOL)
Francis Casey Alcantara (PHI)
John Morrissey (IRL)
Roberto Quiroz (ECU)

MENINAS
Veronica Cepede Royg (PAR)
Cristina Dinu (ROU)
Luksika Kumkhum (THA)
Grace Sari Ysidora (INA)
Zarah Razafimahatratra (MAD)
Nour Abbes (TUN)

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Veronica Cepede e Cristina Dinu campeãs de duplas em Charleroi
Principais resultados da equipe em 2010
Cristina Dinu - campeã de simples Offenbach e vice-campeã de simples Santa Croce.
Veronica Cepede - semifinalista em simples Charleroi e Roehampton
Veronica Cepede e Cristina Dinu - campeãs em duplas Charleroi e Offenbach
Duilio Beretta - semifinalista em simples Roland Garros
Duilio Beretta e Roberto Quiroz - campeões em duplas Roland Garros
Damir Dzumhur - semifinalista em simples Bonfiglio e campeão em simples em Offenbach
Roberta Burzagli

Publicado em 13 de Julho de 2010 às 12:02


Torneio

Artigo publicado nesta revista

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