Mats Wilander

O capitão do time sue co na Copa Davis, ex-número um do mundo e vencedor de sete títulos de Grand Slam em simples e um em duplas, acredita que a "geração Guga" está por vir


QUEM VIU Mats Wilander durante o confronto Brasil e Suécia na Copa Davis e não o conhecia, talvez tenha pensado que ele não passava de um alegre turista sueco de roupas despojadas. Mas, na verdade, aquela figura esguia e sorridente foi número um do mundo e venceu sete Grand Slams em simples (mais um em duplas) na carreira, além de outros 26 títulos. Em sua entrevista à Revista TÊNIS, o falante capitão do time sueco afirmou que o tênis brasileiro tem muito a crescer e que a "geração Guga" ainda não apareceu. Contou ainda um pouco de sua história, comentou o tênis - dos anos 80 e 90 e o atual - sempre com opiniões marcantes de quem se define como um amante do tênis.

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Quando começou a jogar tênis?

Tinha por volta de sete anos. Meu pai começou a jogar com 42 anos. Ele viu a Copa Davis, quis jogar e me levava junto. Eu jogava num estacionamento em que havia uma quadra. Depois joguei pelo Vaxjots Tennis. Agora Jonas Bjorkman joga pelo mesmo clube. Jan Gunnarsson, Magnus Larsson, jogaram pelo clube. Um monte de capitães da Davis antes de mim era do clube. Fui o primeiro a torná-lo grande. São apenas 15 mil pessoas, depois de mim o tênis se tornou um grande jogo lá.

Quem foi seu primeiro técnico?

Não me lembro, porque não tinha técnico. Durante muito tempo meus pais nunca pagaram por uma aula. Na Suécia jogávamos com os melhores tenistas do clube. Eles tinham um grupo e davam aula. Mesmo não sendo pagos, tentavam ensinar porque amavam o jogo. Era uma paixão. Então, se você é membro do clube, está no programa. Todo mundo jogava tênis e era divertido. Isso mudou agora, mas era assim quando cresci. Apenas jogávamos e aprendíamos sobre o jogo. E talvez seja por isso que eu não tenho grandes golpes... (risos)

Com que apoio financeiro contou quando começou?

Minha família foi o meu apoio, principalmente em me dirigir para a prática do tênis, não com dinheiro. Meu clube era pequeno, mas tinha pessoas muito interessadas no jogo, não ne cessariamente grandes técnicos , mas gente que tinha paixão pelo jogo. A federação sueca te mandava para algumas viagens, mas ela é muito pequena. A Suécia é um país com nove milhões de pessoas, ou seja, o orçamento para a federação é muito pequeno. Mas é apenas uma questão de jogar tênis, aprender o caminho certo desde o início e, a partir de então, é com você. Foi como todos os jogadores suecos se tornaram o que são. O apoio da família, do club e, e o desejo de ser parte do time nacional. Não é um segredo, não é uma academia. Não é o que eles pregam na América.

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Borg era seu ídolo ?

Sabe, ele era como... Talvez no Brasil seja diferente , mas na Suécia não era legal gostar de ABBA , por exemplo. Você é uma criança e não gosta de ABBA porque é da Suécia. Você gosta de uma banda inglesa, Beatles, Roling Stones. Não pode gostar de ABBA. Com Borg era meio assim. Ele era uma estrela tão grande na Suécia, mas também era uma estrela imensa no mundo, qu era difícil... Você nunca sonha em se tornar na da próximo do que ele foi - o que eu não sou -, mas... Eu gostava de Jimmy Connors e Ilie Nastase. Obviamente gostava de Borg, quer ia que ele ganhasse , claro. Mas apesar de ter jogado de uma maneira muito similar à dele , eu não tentava, apenas aconte ceu. Mas eu também olhava a pessoa pelo seu exterior. Então, gostava de Nastase, que não era quieto. Os opostos se atraem (risos). Mas é impossível dizer que Borg não era o seu ídolo. Ele era tão grande que não há como comparar. Nunca houve um tenista tão dominan te quanto Borg na historia do tênis, a não ser Rod Laver. Mesmo Pete Sampras não pôde fazer isso. Ele venceu mais, mas não em todas as superfícies. Borg nunca ganhou o US Open, mas sempre fez as finais. Sampras não jogava em saibro. O que Federer está fazendo agora, Borg fazia no seu tempo.

Por que ser capitão da Davis?

Nunca joguei tênis para fazer algo. Joguei porque amava o jogo. É uma paixão da minha vida, além da minha família, claro. A inda jogo um monte de exibições . Mas nada vai te levar tão perto da ação como ser capitão da Davis. Você não está jogando, mas a adrenalina, o nervosismo, é muito maior do que se jogasse.

Para Mats Wilander a Suécia sempre terá a tradição de ter bons jogadores

Você fica mais nervoso dentro ou f ora da quadra?

Muito mais nervoso fora. Quando está lá de ntro, consegue sentir a situação, sentir se o outro tenista tem jogo para te machucar. Sentado ao lado só posso sentir o que outro jogador está sentindo mentalmente. Então, um capitão é muito mais mental do que tático. É psicológico. É mais incentivador. É apenas : "Vamos!" "Vá devagar ". "Não jogue a sua raquete..." (risos)

Se comparado com o Meligeni, você é mais calmo...

Sou muito mais quieto, talvez seja o jeito sueco. Mas acho que sou do mesmo jeito como era como jogador. Sou muito quieto por fora e muito emocional dentro. Tênis para mim não era apenas ganhar o jogo, era ganhar uma oportunidade, dar uma chance a si mesmo para ganhar o jogo. Fico nervoso quando sinto que a situação está fora de controle. Apenas tento levar o cara a jogar do jeito que acho que ele deve ria jogar. Ou fazê- lo acreditar qu e pode vencer. Se ele vence - ou não - no final, não importa, não é por isso que estou envolvido com o tênis.

De onde vem essa paixão pelo esporte na Suécia?

Lá , o esporte principal sempre foi hóquei no gelo. Agora o futebol está muito próximo. Mas, quando cresci, o tênis era um dos três esportes - por causa de Borg. Se alguém jogou hóquei no gelo, deve também ter jogado futebol e tênis. Eu joguei os três. Edberg e Borg também. Isso faz de você um bom atleta . Se escolher tênis, pode ser um bom tenista. Se escolher futebol, também pode ser bom . Como o Brasil tem tantos bons jogadores de futebol? Não é por causa de academias, mas porque as crianças vêem na tevê e jogam nas ruas. E é a mesma coisa com o tênis. Sim, você pode ter academias e nós podemos forçá-las, e elas vão jogar. Mas pode acontecer o que acontece com o circuito feminino. Elas jogam e, depois dos 21 anos, percebem que não gostam do esporte pois nunca jogaram pelas razões certas. Não se pode jogar tênis para se tornar um profissional, isso é quando você está com 16 anos. Você joga tênis porque é um ótimo jogo. Não é um emprego e nunca será um emprego.

Desde a década de 80 até hoje a Suécia sempre teve jogadores entre os primeiros do mundo. Até quando vai durar essa tradição?

Para sempre. É um jogo muito tradicional na Suécia. Muitas crianças jogam. Temos me nos jogadores agora do qu e tive mos, mas se mpre vamos ter um ou dois no top 50 . Realmente acredito nisso. Não acho que um ou dois n o top 10, porque, naquela época, competíamos co ntra França, Alemanha, EUA , Austrália. Não competíamos contra o Brasil. Competíamos contra o Brasil, mas, era em diferentes níveis. Agora você tem um grande jogador do Brasil, Chile, Argentina, Suíça. Eles vêm de todos os lugares. Havia poucos países capazes de colo caros seus jogadores num nível superior. Éramos sortudos, não era um jogo tão grande . É muito mais duro hoje.

Por que surgiram jogadores de diferentes estilos na Suécia?

Porque não existe escola de tênis, não há academias onde te dizem: "É assim que você tem que jogar ". O sistema deixa o jogador desenvolver seu próprio estilo, sua própria identidade. Ensina o tenista sobre o jogo. Mas o deixa escolher. Se não for assim, você mata os talentos. Quantos tenistas não são "assassinados" pela academia de Nick Bollettieri? Sim, há grandes tenistas surgindo de lá. Mas, e se o tenista que não quiser jogar da linha de base ? Mas lá eles o moldam. Você não pode sacar e volear, não está autorizado a fazer isso. Você tem que bater mil forehands todos os dias. Então os eu próprio estilo e sua sensibilidade vão embora. Edberg era um jogador de fundo, quando começou. Ele tinha backhand de duas mãos e mudou quando tinha 15 anos. Isso é paixão pelo jogo. Eles encontram uma maneira de jogar. Não se vê isso hoje em dia , especialmente com as mulheres. Elas jogam exatamente da mesma maneira, exceto Mauresmo e Henin. O resto delas é : feche os olhos e bata o mais forte que pud r. E elas são incrivelmente boas nisso. Mas algumas delas não estão jogando seus próprios estilos. Es tão jogando o estilo que se presume para ser uma boa tenista. Isso é loucura. Por isso o circuito feminino é horrível.

Acho que o tênis do Brasil, está indo na direção cer ta depois terem tido Gustavo Kuerten. Acho que vocês estão no processo e ainda não viram os frutos do que Guga fez pelo tênis brasileiro.


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Por que o tênis feminino não se desenvolveu tanto na Suécia?

Acredito que vamos ter boas jogadoras dentro de cinco, seis anos. Elas estão jogando tênis, mas você realmente precisa da primeira estrela. Nem sempre, mas geralmente sim . Você olha para todos os países qu e produziram um tenista e todos tiveram uma estrela, ao menos. É por isso que o Brasil, com Guga, com certeza vai ter alguns bons jogadores no futuro.

Quanto tempo vai demorar ?

Quando Guga ganhou seu primeiro Roland Garros? 97? Então quer dizer que as crianças nascidas em 1990 estão agora com 16 anos, certo? É quando elas ficam contagiadas. Você tem sete anos e está assistindo tevê: "Uau! Vou jogar tênis". Sei que vocês têm bons juvenis atualmente. A próxima geração está lá. O Brasil nunca teve um jogador top antes de Guga. E , depois dele, um monte de crianças começou a jogar. Não é porque você teve Guga que os outros caras que já estão aí vão subir os seus níveis. Tivemos Borg e levou dez anos para aparecermos. Então, acho que o tênis masculino do Brasil, está indo na direção certa depois terem tido Gustavo Kuerten. Acho que vocês estão no processo e ainda não viram os frutos do que Guga fez pelo tênis brasileiro.

Qual foi seu adversário mais duro?

É impossível dizer, pois o que tínhamos na década de 80 e 90 não aconteceu antes e não aconteceu depois. Tínhamos Connors, McEnroe, Lendl, Edberg, Becker, eu. Todos nós ganhamos cinco ou mais Grand Slams num espaço de dez anos. Então, um dia Becker jogava muito bem, um dia Lendl, um dia Edberg... Você não tinha isso com Sampras e Agassi. Eram só dois jogadores. Você não tem isso agora. E todo torneio que jogávamos sempre pensávamos: "Quem vai ganhar?" Todos acreditavam que podiam ganhar. Isso era coisa de doente, era sensacional. Infelizmente, de alguma maneira, Sampras tirou um pouco disso, porque ganhou tantos Grand Slams e ninguém mais ganhou, a não ser Agassi. Guga ganhou três, mas em saibro. E Sampras não jogava bem no saibro. Sim, você tinha alguns tenistas que podiam chegar, mas não era assim. Guga não ia para Wimbledon e pensava: "Vou ganhar este torneio". Eu ganhei o Australian Open duas vezes na grama, então chegava em Wimbledon e dizia: "Sou um dos favoritos". Isso era um tempo muito especial.

Qual foi sua partida mais memorável?

Acho que a partida mais memorável significa a melhor que fiz dentro das circunstâncias, que foi a final do US Open contra Ivan Lendl (1988). Não foi a melhor partida que fiz, mas dentro das circunstâncias, do jeito que joguei, a tática... Não me lembro da melhor partida, porque, para mim, não era importante. Naqueles dias você fecha os olhos e não comete um erro. Aqueles eram os dias fáceis. As que você lembra são as derrotas, quando joga bem, mas aprende algo. Ou as vitórias, quando joga mal, mas vence. A minha pior derrota foi contra Yannick Noah em Roland Garros, 1983. Foi a pior porque achei que ia ganhar. Foi uma derrota muito legal, porque foi contra o Yannick. Ele é um cara legal e um grande tenista. Depois da primeira hora (de partida), senti que não tinha como ganhar dele. Aprendi que você nunca pode ir para a quadra sabendo que vai vencer. Deve ir sabendo o que precisa fazer para ganhar. Depois disso, sempre fui para as partidas: "É isso o que vou fazer". Nunca para vencer. Óbvio que você quer vencer, mas vencer, para mim, não é vencer o último ponto. Vencer é lhe dar a melhor oportunidade para vencer. Depois do jogo ainda fui encontrá-lo no vestiário, perguntei onde ele ia celebrar e fui lá. Tinha 19 anos e aprendi muito mais com aquele jogo do que com qualquer outro. Ele jogou com paixão, fez um jogo de merda. Eu também fiz um jogo de merda, mas fez o melhor que podia com o que tinha e ganhou. Você não tem que tentar coisas impossíveis, apenas jogue dentro das suas habilidades e faça-as funcionarem.

Posso dizer que Nadal é um novo tipo de Wilander?

(suspiro) Não. De maneira alguma, nem perto. Nunca ganhei uma partida na força. Ele ganha muitos jogos à base de força. Não bate tantos winners, mas constrói o seu caminho na quadra. Acho que ele precisa fazer o que fiz: mudar um pouco com o tempo, aprender como sacar e volear contra alguns jogadores, bater slices contra outros. Não precisa mudar o estilo, basta apenas saber como jogar contra tenistas diferentes. Federer tem isso naturalmente. Nadal precisa dar o próximo passo. Por que Guga não ganhou mais? Não aprendeu a jogar contra certos tenistas em certas superfícies. Não é fácil, mas é o que você precisa fazer, continuar melhorando.

Quem é melhor então, Federer ou Nadal?

Federer é o melhor do mundo, de longe. E, para mim, Nadal o transforma em um juvenil quando jogam. Não sei ao certo o porquê disso. Sei que o jogo é uma combinação muito ruim para Federer e muito boa para Nadal. Se Nadal não tivesse surgido, não teríamos visto o melhor Federer. Acho que, porque Nadal está aí, vamos ver o melhor tenista de todos os tempos. Acho que, para o Federer, a presença do Nadal é muito bem-vinda (risos), mesmo perdendo para ele.

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Diziam que você, quando jogava, não ligava muito para o dinheiro. Isso é verdade?

Nunca joguei tênis pelo dinheiro. Amava jogar, amava o desafio de jogar contra outro cérebro. Não queria ter de vestir algo que não conhecia e não me importava. Talvez tenha sido estúpido... Sempre fui muito atento desde muito cedo na carreira. Era muito apaixonado pelo jogo e não queria que nada perturbasse aquilo. E sempre pensei dessa maneira. Não dava a mínima, porque tinha 19 anos e estava ganhando 50 mil dólares por semana apenas jogando torneios. Quem se preocupa com outros 10 mil? 25 mil? Se ganhasse 600 ou 700 mil em um ano, porque ia querer outros 100 mil tendo de vestir alguma merda? Você não tem que pensar no futuro, precisa apenas pensar no agora. E agora (naquela época) estou tendo dinheiro suficiente. Mais do que suficiente. Eu desejava ter ganhado mais, mas, para mim, o ponto principal não é o dinheiro. Quando for, será o dia em que você nunca mais me verá, porque estarei pendurado numa árvore (risos)...

Você ganhou Grand Slams em todas as superfícies, mas nunca ganhou Wimbledon...

Venci Wimbledon em duplas. Para ser honesto, se tivesse a chance de ganhar Wimbledon em simples ou em duplas com Joakim Nystrom - mantendo os meus sete Majors - juro que ficaria com as duplas. Claro que você quer ganhar todos os quatro, isso é algo grandioso. Mas ganhei em todas as superfícies e fui capaz de chegar na quadra e dizer: "Ok, hoje sou o favorito". Tirei o máximo do meu tênis e sei disso. Obviamente que trocaria dois Roland Garros por um Wimbledon. Preferiria ter um 20 21 Grand Slam completo na car reira do que sete, sem Wimbledon. Mas, não trocar ia minhas duplas pela simples.

O que aconteceu em 1988 para você ganhar três Grand Slams?

Estava sentindo que era o melhor jogador do mundo. Acreditei nisso por dois anos, 87 e 88 . Acho que trabalhei o mais duro que se podia , porque nunca tinha trabalhado daquele jeito antes. E meu objetivo era ver quão bom poderia me tornar. E ter vencido quatro Majors antes de treinar tanto, me fez pensar que, se treinasse duro, havia uma chance de ser o melhor jogador do mundo. Chega um ponto em que você diz: "Jesus. Sou o melhor jogador do mundo". E tem de dizer: "Ok. Vamos manter isso". Aí foi a hora q ue não pude manter. Eu era muito

Mats Wilander

Nascimento:
Vaxjo, Suécia, em 22 de agosto de 1964
Altura: 1,82 m
Peso: 77 kg
Destro
Prossional de 1981 a 1996

Melhor ranking:
1° em 12 de setembro de 1988 em simples
3° em 21 de outubro de 1985 em duplas
Vitórias e derrotas: 571 - 222
Títulos: 33 em simples (sete Grand Slams - três Roland Garros [82, 85 e 88], três Australian Open [83, 84 e 88]
e um US Open [88]) e sete em duplas
(um em Wimbledon [86])
Campeão da Copa Davis em 84, 85 e 87
Prêmios na carreira: US$ 7.976.256
Família: Vive em Hailey, estado de Idaho, Estados Unidos, com a esposa Sonya (casado desde 87), com quem tem quatro filhos Emma (93), Karl (94), Erick (97) e Oskar (98)

Arnaldo Grizzo

Publicado em 30 de Outubro de 2006 às 13:30


Perfil/Entrevista

Artigo publicado nesta revista