Fica mais?
Rivalidade mais rentável do circuito mundial pode sair de cena em poucas temporadas
Há 35 anos, o mundo do tênis estava abalado. No final da temporada de 1981, Bjorn Borg estava cansado do esporte, decidiu que não tinha mais prazer jogando e, durante a temporada seguinte, disputou apenas mais um torneio. No início de 1983, anunciou oficialmente que estava se aposentando das quadras. Foi uma das notícias mais devastadoras do esporte na época.
Para quem não acompanha o tênis há tanto tempo, é preciso lembrar quem foi Borg. Seis vezes campeão de Roland Garros e cinco de Wimbledon, o sueco era considerado um deus do tênis de sua geração. Boa pinta, polido, vencedor, ele arrastava multidões por onde passava. Poucos tenistas antes dele tiveram um status tão elevado e uma legião de fãs tão grande. Pode-se dizer que Borg ajudou a levar o tênis a um novo patamar durante as décadas de 1970 e 1980, atraindo um público sem precedentes para o esporte.
Imagine então o que aconteceu quando, aos 26 anos, no auge da forma, a principal estrela do tênis decidiu que não ia mais jogar? A comoção foi impressionante. Seu principal rival na época, John McEnroe, chegou a ligar para o sueco para tentar dissuadi-lo da ideia, pois sabia do tamanho da perda para o esporte. Sim, o principal oponente deixou de lado qualquer pensamento egoísta (sem Borg, seria mais fácil para ele ganhar mais títulos, convenhamos) e pensou no que seria melhor para o esporte.
Pois bem, o tênis talvez não tenha enfrentado situação tão “trágica” como a aposentaria de Borg desde então. Sim, houve algumas aposentadorias marcantes e outras situações importantes em que grandes ídolos deixaram as quadras, mas provavelmente nada tão abrupto e traumático. Há quem diga que a aposentadoria de Pete Sampras, por exemplo, deixou marcas profundas e um certo senso de orfandade. Há um pouco de razão nisso, mas a aposentadoria de Sampras, quando ocorreu, já aguardada. É verdade que, por um momento, houve um certo temor de que a nova geração não tivesse o mesmo impacto nos fãs, mas logo apareceram personagens carismáticos como Guga, por exemplo, e, apesar de Andre Agassi também já não ser um menino na época, ainda estava em plena forma e soube carregar a bandeira do esporte até sua aposentadoria em 2006. Então, o tênis já tinha novos grandes ídolos.
Em 2006, Roger Federer já era o grande personagem, referência mundial não somente no tênis, mas em quase todos os esportes. O suíço era o melhor garoto-propaganda que o circuito jamais tivera. Sua imagem de bom moço, elegante, educado e um dos maiores vencedores de todos os tempos transcendeu o tênis e cooptou uma legião ao seu redor. Se a ATP cresceu na segunda metade da primeira década dos anos 2000, ela deve tudo a Federer.
Quase tudo, pois, em 2006, um jovem tenista já tinha tido uma ascensão fulminante e, cada vez mais, ganhava status de ídolo mundial, angariando especialmente os fãs mais jovens do esporte devido ao seu estilo despojado e raçudo. Rafael Nadal era a perfeita antítese de Federer. Porém, em vez de ambos se anularem, criou-se uma força conjunta que dificilmente será vista no tênis em curto prazo. Federer e Nadal, cada um com seu estilo, formaram provavelmente o dueto mais “vendável” do tênis de todos os tempos. Nem Borg x McEnroe, nem Agassi x Sampras sequer sonharam em chegar perto do que esses dois alcançaram em termos de marketing. Mais que isso, eles levaram o tênis a um patamar completamente novo, tanto dentro quanto fora das quadras.
E, por cerca de uma década, por mais que tenham surgido nomes como Novak Djokovic – hoje certamente a grande referência do esporte – e Andy Murray, eles ainda não igualaram o carisma da dupla Federer e Nadal, e talvez nunca consigam. Agora, contudo, quando depois de anos idolatrando-os, os fãs percebem que a aposentadoria de ambos parece cada vez mais próxima, uma sensação de apreensão transborda.
Até o começo deste ano, apesar de vir nitidamente caindo de produção – tanto graças à idade quanto aos adversários mais duros que surgiram com o tempo –, ninguém cogitava a aposentadoria de Federer, apesar de saber que, cedo ou tarde, isso ocorrerá. Quando o suíço afirmou que passaria por uma cirurgia no joelho devido a uma lesão, seus fãs se deram conta de que ele talvez não seja mesmo “imortal”. Foram raras as vezes em que Federer se afastou da turnê por lesões, mas, neste ano, ficou claro que o corpo precisa de cada vez mais tempo para se recuperar. O suíço, portanto, desistiu da temporada no meio do semestre e diz estar se dedicando para voltar bem em 2017. Aos 35 anos.
Já os fãs de Nadal sabem que o corpo do espanhol sempre foi mais suscetível às agruras do circuito. Não foram poucas as vezes em que o Touro precisou se afastar das quadras para tratar de lesões no joelho e pulso (as principais). Neste ano, mais uma vez, ele sofreu com isso e, mais uma vez, precisou terminar a temporada mais cedo. Mesmo cinco anos mais novo que Federer, graças a esses problemas, há uma boa chance de eles terminarem suas carreiras profissionais em épocas próximas.
Com ambos “de férias” antecipadas, uma cena pareceu, de certa forma, premonitória quando Nadal convidou Federer para a inauguração de sua academia em Mallorca. Lá estavam os dois maiores ídolos do tênis, em fim de carreira, em uma instalação onde certamente estará um pouco do futuro do espanhol quando se aposentar. Será que eles chegaram a conversar sobre isso? Sobre o que farão quando deixarem o circuito?
Mas, enfim, cedo ou tarde (parece que mais cedo do que tarde), tanto Federer quanto Nadal estarão aposentados e, com certeza, um batalhão de fãs ficará um pouco órfão de ídolos. Apesar de ter Djokovic e Murray “na manga”, percebe-se claramente que a ATP tem feito um movimento de renovação. Para quem não se lembra, no começo dos anos 2000, na iminência da aposentadoria de Sampras, a entidade lançou uma campanha chamada “New balls please” (“Bolas novas, por favor”). Nela, estampou diversos jovens que, na época, tinham grande potencial tanto de carisma quanto de tênis. O cartaz oficial tinha Guga, Lleyton Hewitt, Andy Roddick, Roger Federer, entre outros. E agora, também na iminência de perda de ídolos poderosos, lançou a campanha “Next Generation”, promovendo a imagem de 14 jovens de menos de 21 anos que têm potencial, entre eles o polêmico Nick Kyrgios, Alexander Zverev, Borna Coric etc.
Neste fim de ano, seis dos top 10 estavam prestes a completar 30 anos (como Djoko e Murray) ou então já são trintões. Ou seja, por mais que a longevidade no esporte tenha aumentado com o tempo, não se pode querer que uma geração dure para sempre. Logo atrás, vêm surgindo alguns nomes interessantes, mas que ainda não vingaram em termos de carisma capaz de angariar multidões. Tampouco foram capazes de fazer frente à “velha geração”, talvez isso também impeça a evolução do “carisma”.
Milos Raonic, Dominic Thiem, Grigor Dimitrov, Jack Sock e outros podem, com o tempo, virar esse jogo e se tornar grandes ídolos mundiais. O circuito masculino claramente passa por um momento decisivo de transformação e esses jovens precisarão batalhar por um lugar ao sol. Quando lá chegarem, provavelmente sentiremos falta de Federer e Nadal, como já sentimos de Agassi e Sampras, Borg e McEnroe, falaremos com nostalgia “daquele tempo”, mas não poderemos ignorar o quanto o tempo é implacável e, ao mesmo tempo, renovador.
Publicado em 29 de Dezembro de 2016 às 13:45