Australian open

Lágrimas sem história

A final do Australian Open era para ser perfeita para Roger Federer, mas seu pesadelo só aumentou


Ron C. angle/TPL

"Deus, isso está me matando..." Lágrimas. Soluços. Um abraço amigo, mas que não diminui a dor. Foi assim que Roger Federer desabou.

Humano, mais humano do que nunca, simplesmente não conseguiu lidar com a emoção da perda do Australian Open 2009. A derrota para Rafael Nadal significou o adiamento de uma nova conquista - igualar o recorde de 14 títulos em Grand Slams de Pete Sampras - mas também pode ter outros significados.

O que se passa na cabeça de quem dominou o tênis de forma autoritária por quatro anos ininterruptos e é considerado por muitos o maior tenista de todos os tempos antes mesmo de superar marcas de lendas do esporte ao ver que tudo o que construiu está ruindo ao seu entorno? Sua aura de invencibilidade já não existe, sua face gélida diante dos adversários está mudada, agora, ele precisa lidar com o fato de que há alguém à sua frente e que está lhe "roubando" oportunidades de consagração. Mais do que isso, Nadal está criando para si a mesma reputação de invencível e campeão inconteste que Federer teve em anos anteriores. Sim, "isso está me matando", foram as únicas palavras que o suíço conseguiu dizer em seu momento de pranto e não poderiam ser mais verdadeiras.

Estraga Prazer

Nadal havia ganhado o primeiro Grand Slam em quadras de cimento. Acabara de disputar quase 10 horas de tênis em menos de dois dias. Sem dúvida, tinha motivos de sobra para dar pulos de alegrias, rolar no chão, gritar, extravasar. Mas não. Diante de um adversário completamente abatido, não seria justo que o espanhol expressasse tamanha felicidade. Com o respeito que só um campeão do gabarito de Federer merece, ele se manteve sereno durante toda a cerimônia. Visivelmente constrangido, com certo olhar de pena, o espanhol abraçou o maior rival e pediu para que o suíço arriscasse mais algumas palavras aos fãs, certamente muito comovidos com sua tristeza. "Volto ano que vem", garantiu Federer, sem mais a pronunciar.

Como já virou rotina, o espanhol rasgou elogios ao oponente, amigo, companheiro. Mais uma vez fez questão de colocá-lo entre os melhores da história e, assim como todos os amantes de um tênis jogado com classe, disse torcer para que Federer supere o recorde de Sampras. Porém, a verdade é que na atual perspectiva, Nadal não só pode minar as chances do suíço em completar essa tarefa, mas também já deve começar a vislumbrar, em breve, a oportunidade de alcançar esse recorde.

Medo? Respeito?

O que pensa Federer quando vê Nadal do outro lado da rede? Acostumado a sufocar os adversários, ele parece outro jogador. Logo no primeiro game da final, um ponto evidenciava o sentimento de insegurança que paira sobre o jogo de Federer quando tem o espanhol como rival. Dono de um voleio quase sempre impecável, o suíço foi à rede e voltou - algo raramente visto em seus mais de dez anos de carreira.

Ron C. Angle/TPL
Federer recebe abraço de Nadal

Uma coisa é certa: ele respeita Nadal, até mais do que deveria. Acuado, preocupado em não cometer tantos erros como em decisões anteriores, Federer deu quadra para o adversário. Se antes as bolas do espanhol eram todas defensivas (pelo menos é isso que sempre falam seus críticos), agora, definitivamente, ele aprendeu a atacar. Se antes seu jogo era baseado na correria, nas bolas altas, na tática de minar a paciência dos rivais, agora mostra cada vez mais técnica, habilidade e, principalmente, variação. Ele vai à rede, dá curtinha, aprendeu a alternar bolas rápidas com bolas altas. O número um do mundo evolui a cada ano, a cada torneio, a cada treinamento. Não se sabe aonde seu jogo pode chegar.

Muitos defendem que Federer é talentoso, que seu estilo é mais plástico, que consegue, apenas com sua habilidade, massacrar a maioria de seus adversários. Mas, se o talento do suíço é técnico, o de Nadal é físico e, principalmente, mental. Saber lidar com tamanha tranquilidade às situações mais adversas de uma partida é um talento único. Saber a melhor tática para determinada partida, saber mudá-la diante das necessidades e saber a forma exata para vencer qualquer adversário, em qualquer superfície, é um dom ainda maior e que só Nadal parece possuir.

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Ron C. Angle/TPL
Dinara Safina, outra vez vice

E agora, Federer?

Já se escuta nas tradicionais rodas de clubes a idéia de que Federer está em decadência, de que ele não tem mais motivação para seguir jogando em alto nível.

Porém, os números provam que esta tese é um pouco furada. O suíço chegou à final dos últimos quatro Grand Slams, algo que nem mesmo Nadal conseguiu. A verdade é que o problema do suíço parece mesmo ser descobrir a fórmula exata para derrotar o número um.

Um bom começo poderia ser abrir mão da decisão, um tanto teimosa, de não ter um técnico fixo viajando ao seu lado. A inspiração poderia vir de Toni Nadal, técnico e tio do espanhol que tanto o incomoda. Todos dizem que o mérito da aplicação tática demonstrada pelo pupilo tem seu dedo. Será que Federer não precisaria de alguém para orientá-lo antes dos grandes jogos? Alguém para ajudá-lo a escolher o melhor jogo para usar diante de Nadal?

O próprio Pete Sampras, que tem seu recorde ameaçado por Federer, andou dando uns pitacos no jogo do suíço, insinuando que o ele deveria ir mais à rede quando enfrenta o espanhol. Exímio jogador de saque-e-voleio, Sampras acredita que jogar o tempo todo junto ao "barbante" poderia confundir a cabeça do "Touro".

De consolo em todo esse contexto, a história pode ser grande aliada de Federer para superar a marca de 14 Grand Slams. Sampras também penou para alcançar seu 12º Grand Slam e igualar a marca de Roy Emerson, o recordista na época. E fez isso justamente com 27 anos, idade em que Federer está hoje (com 13 títulos). Na época, Sampras também admitia pressão em igualar o feito, conquistado apenas em Wimbledon (1999), onde era o "Rei". Será esse também o destino de Federer?

Luiz Pires
Serena Williams, com a cabeça no tênis novamente
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Jelena Dokic voltou a vencer
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Fernando Verdasco, a surpresa de 2009

Grand surpresas e serenidade

Saindo um pouco da dicotomia Federer/ Nadal que tem tomado conta do noticiário de tênis (não é para menos, diga-se de passagem), o Australian Open, como é costumeiro, apresentou belas surpresas.

A principal foi a campanha de Fernando Verdasco, que eliminou Andy Murray e Jo-Wilfried Tsonga e levou Nadal ao extremo na semifinal.

Entre as mulheres, algumas "novidades" apareceram. A sérvia naturalizada australiana Jelena Dokic, número quatro do mundo em 2002, mas que desde então vinha lutando contra contusões e problemas familiares (leia-se: um pai maluco), resolveu desencantar novamente. Após vencer um torneio qualificatório na Austrália e ganhar um convite, ela mostrou que ainda pode jogar bom tênis e alcançou a quartas no Grand Slam.

Já as sérvias (que ainda não mudaram de nacionalidade), Jelena Jankovic e Ana Ivanovic, decepcionaram. Espaço aberto então para Serena Williams, que parece mesmo que voltou a se preocupar só com o esporte e venceu o torneio sem muito esforço, despachando as russas Elena Dementieva e Dinara Safina, que sonhavam em alcançar o primeiro lugar no ranking. Será que o circuito feminino reencontrou sua "rainha"?

José Eduardo Aguiar

Publicado em 3 de Março de 2009 às 06:45


Torneio

Artigo publicado nesta revista