Brasil Tennis Cup

De volta ao mapa

Desde 2002 o Brasil não recebia um torneio feminino de primeira linha e o WTA realizado em Florianópolis superou as expectativas


Marcelo Ruschel/Poapress

ONZE ANOS SEM LUGAR NA ELITE do calendário feminino. A Costa do Sauípe havia sido a última sede de uma competição grande entre mulheres no Brasil e, desde então, não havíamos obtido mais espaço no planejamento global da WTA. A partir daí, a modalidade, que já não estava indo bem, regrediu, com a escassez de jogadoras arriscando as viagens pelo mundo e a falta de uma referência para puxar a legião de meninas que ingressavam no esporte.

Para se ter uma ideia, foi preciso esperar sete anos para ver uma brasileira vencer um jogo em um torneio de primeira linha. Teliana Pereira quebrou o longo jejum em Bogotá ao passar o qualifying e avançar até as semifinais do torneio, fato também histórico e que remeteu a acontecimentos de duas décadas antes. De quebra, a pernambucana ficou próxima do top 100. E parece que o turbilhão de novidades ocorreram no momento certo, às vésperas do Brasil Tennis Cup, em Florianópolis.

Venus Williams, ex-número 1 do mundo e campeã de 22 Grand Slams, e outras dezenas das 100 melhores do mundo não tiveram motivos para reclamar da nova casa do tênis feminino no Brasil. O cartão postal mudou, mas a praia ao fundo das quadras da Federação Catarinense de Tênis deu tons ainda mais atrativos ao torneio, que ostentou um charmoso cimento de cor arroxeada. Mesmo sendo uma competição de premiação discreta (série International no valor total de US$ 235 mil), o sucesso foi tanto que já tem gente prometendo que vai voltar no ano que vem. Para a quadra, para a praia. Para o Brasil.

Marcelo Ruschel/Poapress

A TRAIÇOEIRA

Em um circuito dominado pela solidez dos golpes do fundo, é normal que, às vezes, algumas jogadoras usem o slice para quebrar o ritmo ou na tentativa de defender uma bola mais funda. E geralmente essa jogada costuma vir do revés. Mas a romena Monica Niculescu provou ser uma exceção à regra. A jogadora do Leste Europeu chocou com o slice de direita, que deixou as adversárias loucas. Que o diga a espanhola Anabel Medina Garrigues, que perdeu três match-points na primeira rodada. Mesmo com um saque fraco, Niculescu compensou com ótimo físico e a regularidade da linha de base, mas, é claro, sem deixar de usar sua arma letal. "Hoje em dia, as mulheres estão batendo mais forte na bola. E sei que sou magra e não tão alta para sacar a 200 km/h. Preciso variar o jogo, ir à rede, adoro dar slices de forehand. O que posso dizer? Sou uma jogadora capciosa. É uma arma e uso para incomodar minhas adversárias. Gosto de ser única", reconheceu a romena. Nas duas últimas partidas, a jogadora de 25 anos enlouqueceu Kristina Mladenovic e Olga Puchkova, nitidamente incomodadas com a bola sem peso e que as tiravam do centro da quadra (por conta do efeito sidespin), e, assim, Niculescu conquistou o primeiro título da carreira.

Puchkova foi à final sem dar um único sorriso, mas, ainda assim, se provou simpática

Cristiano Andujar/FotoarenaMISS SIMPATIA

Para aqueles que acompanham o circuito feminino, a mais recente lembrança de Olga Puchkova deveria ser: "aquela que levou uma bicicleta de Maria Sharapova no Aberto da Austrália". De fato, poucos esperavam grandes atuações da moscovita. Até a semifinal, ela não concedeu sequer uma coletiva. E quando cruzou com Venus na sexta-feira, a russa já era peça descartada para a final. No entanto, a loira surpreendeu. Com golpes planos e a frieza característica das russas, Puchkova foi à final sem dar um único sorriso em quadra. Por isso, os jornalistas se espantaram com tanta eloquência da tenista junto às câmeras e gravadores. Com um inglês afiado, ela confessou que vencer Venus foi um dos maiores feitos da carreira e explicou a importância disso: "Tinha 9 anos e a Venus estava surgindo. Havia uma torcida organizada na Flórida e meu pai me levou lá. Tenho uma foto com ela. Ela me abraçou e autografou uma bola para mim. Nunca imaginava que jogaria contra ela. Quero encontrar a foto e pedir para ela assinar de novo", brincou Puchkova, que protagonizou outro momento inusitado um dia depois. Mesmo com a derrota na final, a russa tratou de parabenizar calorosamente à amiga Niculescu: "Monica, bom trabalho!", soltou. A postura no dia anterior com a imprensa e o fato de jogar um estilo "mais belo" fizeram com que os catarinenses apoiassem a russa na decisão. O saldo acabou bem maior do que o sorriso e a simpatia de Puchkova poderiam revelar.

Venus veio com sua "comitiva", que contou com chef de cozinha e até segurança

Marcelo Ruschel/PoapressNO LIMITE

Com uma equipe de peso, com direito a chef de cozinha, treinador, amiga e até segurança, a norte-americana Venus Williams chegou a Florianópolis para confirmar seu favoritismo. Na chave, não havia adversárias à altura... pelo menos, se estivesse em seus melhores dias. Desde 2011, a irmã de Serena descobriu que sofre de Síndrome de Sjögren, doença autoimune que ataca suas glândulas de produção de saliva e suor, fazendo com que ela tenha que seguir uma dieta rigorosa à base de verduras e alimentos saudáveis. O tratamento é contínuo, sem espaço para brincadeiras e "certas" tentações junto à mesa. "Eu costumava comer muita carne. Ela ficava em primeiro plano e a salada acabava em segundo. Gosto também muito de doces. É bem difícil ficar sem, chego até a sonhar com isso. Mas hoje me alimento de comidas que fazem bem para meu corpo. Tenho que entender o meu corpo e fazer o melhor que posso", explicou a norte-americana. Mas o melhor de Venus, infelizmente, não esteve sequer próximo de seus dias normais no circuito. O desafio de ter que lutar contra o corpo e as condições extremas da capital catarinense (com temperaturas superiores a 30ºC) cobraram seu preço e, após a semifinal, ela parecia nem ter forças para falar com a imprensa. Limitou-se a dizer que "tentou o seu melhor". Mas, para uma jogadora da categoria de Venus, que se acostumou ao mais alto nível, é compreensível que ela não desista do seu sonho mesmo com todas as dificuldades. Aos 32 anos e tendo experimentado quase tudo no tênis, a norte-americana diz que ainda tem sonhos e "desafio" é um termo que ela adora em seu vocabulário rotineiro.

fotos: Marcelo Ruschel/Poapress

FICAR DE OLHO

Quem se arriscou acompanhar de perto o WTA de Floripa, não se arrependeu e pôde conhecer alguns nomes que futuramente devem se destacar. Apesar de ter parado nas oitavas, a espanhola Garbiñe Muguruza, 19 anos, quase foi responsável pela maior zebra da competição ao exigir de Venus o máximo. Não fosse o seu nervosismo quando teve quebra à frente na parcial decisiva no terceiro set, o rumo do jogo seria outro. Mas o estilo agressivo e definidor, característico de pisos mais velozes, diferenciam-na das compatriotas. Outra que tem história para contar é a francesa Kristina Mladenovic, também de 19 anos e que avançou à semifinal. O talento de quem sabe despachar os golpes de qualquer lugar da quadra esbarrou na falta de maturidade ao encarar as bolas sem peso de Niculescu. Com mais experiência e melhor leitura do jogo - como não se envolver em polêmicas com os juízes nas horas decisivas -, ela estará preparada para ganhar de jogadoras competentes.

"Tenho que estar ciente de que estou no caminho certo. Quase ganhei de uma top 100", Beatriz Haddad Maia

fotos: Marcelo Ruschel/PoapressANFITRIÃS

A boa campanha de Teliana Pereira no WTA da Colômbia, na semana anterior, rendeu à tenista um lugar na chave principal sem a necessidade de convite da organização. Assim, Paula Gonçalves, a local Maria Fernanda Alves e Beatriz Haddad Maia, de 16 anos, ganharam convite para a chave. No qualifying, não tivemos sorte e as seis que disputaram perderam na estreia. Treinada por Carlos Alberto Kirmayr, Paula foi a primeira brasileira a pisar em quadra pela chave principal. Ela até que começou bem a partida contra a eslovaca Jana Cepelova, mais de 200 posições à frente, mas a falta de experiência em eventos de maior gabarito (foi apenas o primeiro WTA da paulista) fez a diferença. Por sua vez, Nanda Alves equilibrou as ações diante da alemã Annika Beck, campeã júnior de Roland Garros em 2012, mas sucumbiu diante das cãibras no terceiro set. Teliana, com uma atuação abaixo do esperado, caiu diante da alemã Tatjana Malek. "Faltou mais energia de minha parte no jogo", resumiu a número 1 do Brasil, que adiou o sonho de ingressar no top 100. Coube à Bia Haddad, treinada por Larri Passos, levantar o público. O sorteio ajudou e a menina de 16 anos enfrentou a qualifier americana Chieh Yu-Hsu. Com uma atuação primorosa em que não deixou a rival respirar com suas pancadas, a canhota conquistou a primeira vitória da carreira em um WTA, observada de perto por Larri e Guga. "Foi um dos dias mais felizes da minha vida. Ver o Larri ao lado do Guga. A gente trocando aquela vibração. Aquela sensação positiva de estar na quadra, até de rir. Estou colhendo um pouco do suor do trabalho", explicou a paulistana. Na rodada seguinte, um teste complicado contra a húngara Melinda Czink, top 100 e experiente atleta de 30 anos. A primeira parcial foi eufórica para o público, que viu um massacre da brasileira por 6/1. A partir do segundo set, porém, a veterana mostrou o porquê de ter derrubado a cazaque Yaroslava Shvedova, cabeça 2, na estreia e empatou o duelo, levando a disputa para o set decisivo. Quando perdia por 5/4, a brasileira chamou o atendimento médico e "esfriou" os ânimos da rival, que perdeu o saque em seguida e se viu contra três match-points. Ainda assim, Bia não foi feliz em selar a disputa e deu adeus ao torneio, já considerado inesquecível por muitas lições. "Tenho que estar ciente de que estou no caminho certo. Quase ganhei de uma top 100, mas tenho 16 anos, estou me formando. Ainda estou jogando torneios juvenis. Jogar um WTA em casa é muito bom, mas o duro é chegar no topo. Tem que passar por todo o processo, Futures, Challengers. Devo ter os pés no chão e fazer as coisas certas", avisou Bia.

Cristiano Andujar/Fotoarena

REDENÇÃO

Favoritas ao título nas simples, a espanhola Anabel Medina Garrigues e a cazaque Yaroslava Shvedova acabaram tendo sucesso só nas duplas, em que também eram favoritas. Com apenas um set perdido na competição, as duas pareciam se divertir em quadra e provaram o bom entrosamento, mesmo com uma "penando" no inglês e a outra sem saber se virar no espanhol. Foi a segunda atuação das duas juntas e a segunda final alcançada - a outra aconteceu no Premier de Charleston do ano passado, quando ficaram com o vice. As duplas brasileiras pararam logo nas quartas com Nanda Alves ao lado da croata Mirjana Lucic-Baroni e com Carla Forte e Bia Haddad, convidadas da organização, que surpreenderam na estreia ao baterem Mailen Auroux e Maria Irigoyen, dupla titular da Argentina na Fed Cup.

BRASIL TENNIS CUP 2013

Final - Simples
Monica Niculescu (ROU) v. Olga Puchkova (RUS) 6/2, 4/6 e 6/4

Final - Duplas
Anabel Medina Garrigues (ESP) e Yaroslava Shvedova (KAZ) v.
Anne Keothavong (GBR) e Valeria Savinykh (RUS) 6/0 e 6/4

Matheus Martins Fontes

Publicado em 21 de Março de 2013 às 08:38


Torneio

Artigo publicado nesta revista

Tênis feminino

Revista TÊNIS 114 · Abril/2013 · Tênis feminino

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