A derrota como "recompensa"

Um ano e meio após a fortuita vitória sobre Carlos Moyá no Brasil Open, Thiago Alves ressurge na prenunciada derrota para Roger Federer no US Open


Arnaldo Grizzo

NO FIM DE 2006, THIAGO Alves entrou pela primeira vez no top 100. Após boas campanhas em Challengers, ele apareceu na 95º posição. Jogando com intensidade, foi cogitado para integrar a equipe da Copa Davis e possuía ranking suficiente para entrar nos torneios ATP do início do ano seguinte. Tudo parecia estar pronto para que o jovem de São José do Rio Preto se firmasse.

Mas não foi assim. Antes mesmo do fim de 2006, Alves resolveu se mudar para Florianópolis, onde morava a namorada, Flávia. "Quando cheguei a 100 do mundo, fiz a besteira de mudar minha estrutura", revela o tenista de 26 anos. "Errei muito. Tinha todo o esquema em São Paulo e acabei mudando tudo e deu tudo errado", confessa. E o rio-pretense logo pagou o preço. A seqüência de decisões erradas continuou no começo de 2007 quando foi jogar o Australian Open e, crente que entraria na chave principal com as desistências, não se inscreveu para o qualifying. Ninguém desistiu, Alves teve de correr para assinar a lista do quali e caiu na estréia. E o mau momento continuou, agravado por uma infecção estomacal.

Aí veio o Brasil Open. Na primeira rodada, o espanhol Carlos Moyá. A vitória ali, improvável e impensável, aconteceu, para surpresa de todos. "Aquele jogo foi um momento positivo da minha carreira, mas não foi concreto. Foi um achado. Naquele momento, vinha muito mal. Entrei achando que ia perder e, de repente, ele hesitou, fez dupla-falta no match-point", recorda o tenista, que virou o jogo após o espanhol cometer este erro crucial com 6/2, 5/4 e 40/30.

Depois disso, o quadro de decadência não se reverteu, somente piorou. No fim do ano, Alves estava quase fora do top 400. "No final, tentei dois Futures e perdi. Não estava bem. Mentalmente estava destruído e fisicamente não tinha resistência, força. No Future de São Bernardo comecei a montar a minha estrutura novamente", assegura o rio-pretense, que diz ter ouvido os conselhos do novo técnico, Carlos Albano: "Isso aqui (Futures) não é teu lugar. Vamos arrumar a casa, trabalhar duro e pensar no Aberto de São Paulo. Você está se machucando e me machucando de te ver jogando assim".

COMEÇO DA VOLTA
De volta à capital paulista, ele precisou se reestruturar dentro e fora da quadra. "Tive que mudar, me adaptar de novo, alugar apartamento, mobiliar...", conta o jovem que trouxe a namorada junto. Tudo certo neste quesito, hora de focar no jogo. Mal fisicamente, Alves pediu ajuda do preparador Roberto Ferreira. "Fora isso, se você comparar um jogo meu de um ano atrás com um de agora, verá outro jogador. Não verá nenhum golpe igual", afirma.

fotos: Josh Merwin - RCA Productions/BEImages Spor

O trabalho deu resultado. No Aberto de São Paulo, o jovem passou o quali e foi campeão. Em seguida, iniciou uma série de torneios pelo mundo. Foram 20 semanas de competições até o US Open. Na maior parte, esteve sozinho. Com um vice-campeonato, três semifinais e outros bons resultados, Alves chegou à Nova York entre os 150 primeiros. Desta vez, não estava totalmente só. Roberto Ferreira, que fazia seu debute em torneios internacionais, estaria lá para apoiá-lo. Carlos Albano, que não conseguiu tirar o visto, acompanharia de longe novamente.

Alves estreou na quarta-feira, 20 de agosto, contra o alemão Matthias Bachinger. Vitória tranqüila, por 6/4 e 6/1. No dia seguinte, mais uma, desta vez sobre o austríaco Martin Fischer, por 6/2 e 6/3. Na última rodada, mais um alemão, Philipp Petzschner. "Joguei muito bem as duas primeiras rodadas do quali. A última já não joguei tão bem, senti um pouco de pressão", pontua o brasileiro, que venceu por 6/3 e 7/6(0). Assim, garantiu US$ 18.500. No entanto, precisou mudar de hotel. Estava no Intercontinental, mas como não tinha feito reserva para tanto tempo, foi para o Carlyle. "O mesmo que o Federer", conta Alves, que passou a ter a companhia da namorada (os tenistas da chave principal recebem uma "ajuda de custo" para hospedagem e carro à disposição). Talvez fosse presságio. Após o sorteio, ele enfrentaria outro qualifier, o chileno Paul Capdeville. Nada mal. Mas, melhor ainda: o ganhador provavelmente jogaria contra Roger Federer. Em 2007, o chileno já havia tido a honra de perder para o suíço no Arthur Ashe Stadium. Agora, o rio-pretense é quem almejava este prêmio. Na terça-feira, 26, ocorreria "o jogo mais importante da minha vida, pois, se não ganhar, não vou jogar contra o Federer".

A partida foi a última da quadra 7 e foi uma batalha. Capdeville venceu os dois primeiros sets e Alves o terceiro. No quarto, mesmo na frente, o chileno começou a dar sinais de cansaço. De repente, caiu na quadra com cãibras, mas ainda não era o fim. Sempre atrás no placar, o brasileiro se recuperou, levou o set para o tiebreak e venceu. Mas, física e psicologicamente, ele não estava muito melhor que o adversário, tanto que, no fim da quarta parcial, mostrou o músculo da coxa - pulsando, prestes a ter cãibras - para seu preparador.

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Pouco depois, no primeiro game do set decisivo, foi a vez de Alves vir ao chão com dores e Capdeville aproveitar para conseguir a quebra. Quando tudo parecia perdido, o brasileiro voltou a igualar e quebrou novamente para sua glória e euforia da multidão que rodeava a quadra, pois, após 3h42m, esta era a última partida da rodada diurna (o jogo terminou às 20h58). Estranhando a comemoração intensa, um jornalista estrangeiro desdenhou: "Ele ganhou uma primeira rodada e parece que ganhou um Grand Slam." Não ganhou, mas era como se fosse. "Sabia que era um cara (Capdeville) de quem eu podia ganhar, então acabei me pressionando. Até psicologicamente acabou acontecendo aquilo (cãibras)", afirma Alves, que só esperava pela confirmação da vitória do suíço.

Arnaldo Grizzo
Coadjuvante, Thiago Alves saca e as câmeras estão voltadas para Roger Federer

ROTINA
Mais tarde, Federer também venceu. Sendo assim, o rio-pretense teria dois dias para descansar e pensar no jogo contra o suíço. "Não queria pensar muito", garante o brasileiro, que precisava ter outro ponto de apoio, além de Roberto, para a próxima partida: "Chamei o Rodrigo Laender. Não dá para entrar numa quadra central, com pressão, sem ter para onde olhar, um ponto de apoio". O treinador, assim como o preparador, na verdade, havia vindo para acompanhar outro tenista, André Miele.

Alves diz ter mantido a rotina. "Fiz meus treinos, tentei me recuperar e não fiquei vendo notícia, não liguei para ninguém. Tentei fazer as coisas normalmente. Óbvio que estava contente de jogar com o Federer, mas, ao mesmo tempo, tentei segurar a onda porque, se você faz disso algo muito grande, acaba sentindo muito a pressão", revela.

Ele dormiu bem no dia anterior? "Tranqüilo", afirma. Flávia, a namorada, concorda, mas revela: "Acordei durante a noite, fiquei um pouco nervosa. Sonhei com o jogo de tão ansiosa". Roberto também estava tenso: "Lógico que estava nervoso. Acho que não durmo bem há uns quatro dias". Na sexta-feira, 29, o brasileiro acordou às 8h, após ter dormido à meianoite. "Costumo dormir tarde mesmo". Um café e o transporte, às 8h45, leva-o ao US Open. "Tinha combinado com o Rodrigo de me aquecer às 10h". O aquecimento foi normal e logo um lanche rápido, pois a partida seria a segunda do Arthur Ashe, após o jogo entre Jelena Jankovic e Jie Zheng. Depois do almoço, um tempinho com a namorada para relaxar. Porém, o jogo feminino demorou. Haja paciência! "Até o Federer estava gritando no vestiário". Fim da "preliminar". Atletas no corredor. "Não é fácil chegar ali e olhar para o Federer. Tentei olhar o menos possível para ele nesses dois dias. Porque, se você encara, vê a altura do cara - não a altura física, mas a altura do nome, da presença dele. Tentei entrar na quadra e pensar que não era um cara imbatível", conta Alves. Os atletas são chamados a entrar no maior estádio de tênis do mundo. "Nunca tinha entrado numa quadra central de Grand Slam, nem para treinar. Com certeza, no batebola teve hora em que pensei: 'Onde estou?'", admite. A partida nem começou e todas as câmeras estavam voltadas para o suíço, poucos fotógrafos se preocupavam com o desconhecido sul-americano. "Ali era Davi e Golias. Não adiantava querer ser o cara do jogo porque ele é o 'showman'. Estava fazendo minha parte, era o coadjuvante", pontua o brasileiro.

A PARTIDA DOS SONHOS
O árbitro jogou a moeda. O rio-pretense ganhou o cara ou coroa. Obviamente, escolheu receber. Federer começa. Ace. Em seguida, um saque sem resposta. Depois, outro ace. Para finalizar, mais um serviço que não volta. "O primeiro game, em que ele sacou dois aces, deu um pavor. Mas é normal ele fazer isso. Já estava esperando", garante o brasileiro, que completa: "Estava com medo do meu primeiro game de saque, que iria dizer muito no jogo. E acho que sai bem." Sim, também com quatro pontos, ele empatou. Melhor ainda, no game seguinte, teve um break-point. Será que a fase de Federer continuava ruim? Pelo visto não, pois ele salvou com um bom saque, como nos "velhos tempos".

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Calma lá Roger: "Peraí que daqui a pouco te dou a mão"

"No meu primeiro game de serviço, sabia que não iria jogar mal. Me senti bem na quadra. Aí, dependia muito da maneira como ele ia jogar", revela Alves, mas as chances acabaram ali no terceiro game. Sacando em 3/4, o jovem começa a pensar. No quê? Nem ele sabe explicar: "Pensei muito... No vento, nele e esqueci de fazer minha parte. Você não pode parar para pensar, tem que entrar e executar. Joguei duas bolas nada a ver e fiz uma dupla-falta. Quando você tem a bola, acha que tem que fazer um pouco mais do que deve porque é o cara que está do outro lado", lamenta.

Federer vence por 6/3. O segundo set começa. Alves saca. Após 24 pontos e quase 20 minutos, consegue manter o serviço heroicamente. "Corri demais naquele game, parecia que ia morrer. Ali comecei a sentir o cansaço", recorda. O suíço saca, quatro pontos (com dois aces) e faz 1/1. Com mais três pontos seguidos, abre 0/40. O brasileiro se recupera milagrosamente de novo. No game seguinte, consegue uma chance de quebra. Porém, Federer não titubeia. Alves volta a servir e defende mais dois breaks: "No segundo set, joguei salvando o tempo inteiro. Segurei na raça".

Nono game, o brasileiro saca em 4/4. Depois de 20 pontos, consegue manter mais uma vez. Federer começa a perder a paciência. "Ele não estava se sentindo tão bem, porque eu estava chegando nas bolas. Acho que provei bastante ele, fiz com que jogasse nas horas importantes. Por isso acho que ele errou um pouco mais", sugere.

No entanto, com 5/5, o suíço aplica uma passada magnífica, anota 30/40 no saque de Alves e solta seu primeiro "C'mon" intimidador. Na seqüência, consegue a quebra e fecha o set em 7/5. Já quase sem forças, o rio-pretense perde o saque logo no primeiro game da terceira parcial. Era o fim? Não, Federer é quebrado no 3/2. Contudo, o exnúmero um continua deixando o brasileiro nas cordas e anota nova quebra no nono game. "Sabia que ia ser difícil quebrar ele de novo. Ele sacou bem, dois saques abertos e depois uma bola na linha no match-point...", resumiu Alves.

Pois é, no ponto final, após uma excelente devolução do brasileiro, Federer bateu uma direita sobre a linha. Na dúvida, desafio à chamada do árbitro. Antes de dar a mão ao vencedor, o rio-pretense queria ter certeza de que a bola mágica tinha sido mágica mesmo. "Queria desfrutar mais. Se tivesse saído, teria ficado na quadra mais tempo. Ele ficou me olhando e falei: 'Peraí' que daqui a pouco te dou a mão. Ele riu e falou: "Ok, ok". Acho que ele achou legal também".

fotos: Arnaldo Grizzo

VIDA NOVA?
Thiago Alves, o brasileiro que perdeu para Roger Federer, saiu da quadra com um "sonho realizado de jogar contra o melhor da história". Coisa para poucos e logo depois, contava a sua versão da história para a imprensa. Precisou até se esforçar para responder, em inglês, as perguntas de jornalistas estrangeiros que insistiam em saber se havia alguma falha no jogo do suíço. "Para mim, ele ainda é o melhor", assegurou o jovem.

Questionado se essa partida seria um divisor de águas em sua carreira, manteve os pés no chão. "Acho que não vai mudar minha vida. Foi uma experiência única, um sonho concretizado, mas, as coisas têm que continuar como estão. Tem que plantar para colher. Tenho certeza de que vou continuar tendo coisas boas porque a gente vem plantando. Isso não é um achado", enfatizou.

Com US$ 30 mil de premiação e mais uma "boa quantia" pela manga vendida para a Geico somente para a partida contra Federer - a outra era dos Correios, devido ao apoio da CBT -, talvez a vida de Alves não mude mesmo tanto assim. Porém, a confiança parece que voltou ao seu jogo. "Hoje tenho certeza que estou entrando entre os 100 melhores de novo com uma cabeça diferente e com uma estrutura que confio. Daqui para frente, quero construir, cada dia um tijolinho, até a casa estar pronta. A casa pronta seria, para mim, ficar entre os 70, 80 do mundo por um bom tempo", finalizou.

Arnaldo Grizzo

Publicado em 2 de Outubro de 2008 às 08:33


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Artigo publicado nesta revista