Eu voltei!

O que faz com que alguns esportistas parem tão subitamente e resolvam retornar ao esporte tempos depois de maneira tão surpreendente quanto quando anunciaram que iriam parar?


fotos: Ron C. Angle/TPL e Ella Ling/RCA Production
Kim Clijsters

Com um belo smash, Kim Clijsters selou a conquista do US Open 2009 diante da dinamarquesa Caroline Wozniacki. Ajoelhou, chorou breves lágrimas e correu, já estampando no rosto seu cativante sorriso, em direção a seu box para comemorar com amigos e familiares seu segundo título em Flushing Meadows, repetindo precisamente o roteiro da primeira vitória, quatro anos antes.

Este cenário seria completamente normal não fosse o fato de que a belga algumas semanas antes disso era apenas mais uma aposentada do tênis. Fora das quadras desde 2007, ela decidiu dedicar seu tempo à maternidade. Aos 26 anos, porém, voltou. "Para ver como as coisas estavam, para recuperar sensações", disse, semanas antes de retornar ao velho conhecido circuito da WTA.

O caso Clijsters é talvez o exemplo mais emblemático do dilema que aflige a tantos esportistas e ultimamente tem atingido em especial as tenistas. Após anos na estrada, pulando de hotel em hotel, assistindo a cada semana o nascer do sol numa longitude diferente, inexoravelmente, vem a questão: será o fim? Chegou a hora de parar? Para muitas, o sim é a resposta para estas perguntas. "Depois de tantos anos na estrada, sem ter um teto, uma casa, o tenista fica de saco cheio, cansado mesmo, e decide dar um tempo", opina Marcos Daniel, segundo melhor tenista do Brasil no ranking ATP. "Eu mesmo já deixei de jogar algumas vezes", lembra Daniel, de 31 anos, que é profissional desde 1997.

fotos: Ron C. Angle/TPL e Ella Ling/RCA Production

Justine Henin

Em especial no caso de grandes talentos, como Clijsters e Justine Henin (que também voltu após aposentadoria precoce), a chance de ficar de "saco cheio" é ainda maior, como indica a opinião de Ricardo Acioly, que vive o circuito da ATP desde os tempos de jogador, nos anos 80. "Principalmente para as melhores, que são muito boas desde pequenas, e aos 16, 17 anos já estão no circuito profissional, o circuito é muito desgastante", ressalta o treinador, que define as aposentadorias precoces como "normais". "Chega uma hora que elas já ganharam tudo, já são bem sucedidas, mas nunca curtiram um pouco a vida. E aí fala: 'Pô, quero viver outra coisa'. É muito normal as mulheres sentirem isso".

HISTÓRICO

Os casos de Clijsters e Henin - que decidiram o título no torneio de Brisbane, o primeiro evento disputado pelas duas em 2009 - são marcantes, mas não são pioneiros. Ainda na última década, Martina Hingis surpreendeu o tênis ao anunciar sua volta ao circuito, em 2006, aos 25 anos. Da mesma forma, a suíça deixara seus fãs atônitos ao deixar, três temporadas antes, precocemente o esporte, aos 22. Em 2007, finalmente, Hingis abandonaria definitivamente as quadras após ser flagrada em exame antidoping por uso de cocaína.

Outra Martina, a Navratilova - em quem a mãe de Hingis, Melanie Molitor, se inspirou ao batizar a filha - também hesitou para dizer adeus. Navratilova, contudo, é o exemplo oposto a Clijsters, Henin e Hingis. A tcheca naturalizada norte-americana nunca se cansou das quadras, da adrenalina, das multidões e de jogar em alto nível. Nove vezes vencedora de Wimbledon em simples, ela sempre foi uma viciada em competição a ponto de jogar, em simples, ininterruptamente até 1994, aos 38 anos. E mais, retornando aos 47 anos à chave principal de Wimbledon em 2004, mais de três décadas após se profissionalizar.

Navratilova, assim como as outras, não decidiu empunhar novamente uma raquete por dinheiro, e nem mesmo pelos títulos. Resistir ao tempo. Simplesmente desafiá-lo era seu maior desafio. "Disse a vocês que seria competitiva aqui. Agora vocês acreditam em mim", provocou a tenista, após derrotar, por surreais 6/0 e 6/1, a colombiana Catalina Castano. Naquele ano, ela se tornaria a jogadora mais velha a vencer uma partida de simples em Wimbledon.

"Depois de parar, chega uma hora, com 26, 27 anos, que jogadora pensa: "pô, ainda tenho mais para dar". E, no feminino, se ela jogou em alto nível, de fato é possível", comenta Acioly. Navratilova já não tinha 27 anos e, mesmo assim, a atleta mais bem sucedida na grama de Wimbledon sentia ainda que tinha algo a fazer em seu palco preferido.

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fotos: Ron C. Angle/TPL e Ella Ling/RCA Production

LUZES DA RIBALTA

Dizem: "O artista morre duas vezes. A primeira quando deixa os palcos". A máxima vale, em certa medida, para alguns esportistas, que também são artistas ou, pelo menos, figuras performáticas que vivem intensamente sua relação com o público. O célebre comediante Charles Chaplin - segundo o documentário "Carlitos: A Arte de Charles Chaplin", de Richard Schickel -, constantemente era atormentado por pesadelos no qual se exibia diante de uma plateia vazia, negra. O silêncio do público, o fim marcado pela solidão era seu maior pavor.

Ron C. Angle/TPL

Martina Hingins também parou e voltou

Com muitos esportistas acontece o mesmo. Clijsters, como ela própria disse, voltou "para recuperar sensações". Sensações das quais abdicara em nome de outra sensação: a de ser mãe. A maternidade, contudo, não aliviaria completamente o vazio que a falta da competitividade lhe causara. "É difícil se desligar totalmente do tênis. Você leva uma vida desgastante e totalmente diferente da vida normal. Com certeza elas (Henin e Clijsters) sentiram falta e acabaram voltando", acredita Jaime Oncins, ex-número 34 do mundo.

Clijsters pode ter encontrado um novo significado em sua vida após o nascimento de sua filha, Jada. Mesmo assim, o silêncio ainda a incomodava. A garota sedenta por vitórias, apaixonada pela emoção ainda vivia dentro da mamãe Kim, que não aguentou. "Tinha que sentir isso de novo".

Já Henin não abdicou do tênis para ser mãe. A então número um do mundo fora, sim, acometida por um grande desânimo, causado principalmente pelos seus problemas pessoais. Justine conta com um histórico de relações problemáticas com os homens de sua família, dentre os quais seu pai, a quem sequer convidou para seu casamento. Tais relacionamentos conturbados e o insucesso no matrimônio (que ruiria em 2007, após cinco anos) a fariam se aposentar, em 2008. Mas, assim como sua compatriota e contemporânea Clijsters, ela voltou, duas temporadas depois. "Creio que esse tempo que passei afastada me ajudou a compreender tudo o que já consegui. Agora me conheço melhor, e isso é a coisa mais importante", disse.

Mike Tyson retornou por causa de dívidas

NOS OUTROS ESPORTES

A tal "primeira morte" é muitas vezes mais do que o "artista" pode suportar. Outros esportes também são ricos nestes exemplos. No boxe, os pugilistas, muitas vezes endividados, arrastam-se nos ringues em busca de mais alguns trocados. Mike Tyson, que já esteve diversas vezes entre os mais bem pagos do mundo, é um exemplo de atleta que não soube administrar sua carreira. George Foreman, embora não tenha sofrido com problemas financeiros tão graves, seguiu lutando até meados dos anos 90, quando já se aproximava dos 50 anos.

Romário perseguiu o milésimo gol

Outros, para não deixarem o esporte, agarram-se em metas pessoais, algumas que beiram a obsessão. "Vou jogar até os 30 anos", dizia um lépido Romário em 1985, em entrevista à rede Globo. Mais de 20 anos depois lá estava o baixinho, já sem sua célebre agilidade, embrenhando-se nas áreas adversárias em busca do gol, do milésimo.

Dentre os casos fora do tênis, o que mais chama a atenção atualmente é o de Michael Schumacher. O piloto alemão, sete vezes campeão do mundial de Fórmula 1, nunca teve problemas financeiros. Pelo contrário, o ex-piloto da Ferrari, além de ser o mais vitorioso atleta em seu esporte, é também o mais rico. Schumacher também não precisa mais buscar marcas. Ele é dono de todos os recordes por rendimento da categoria. Mesmo assim, voltou, assim como Clijsters, Henin, Hingis etc. O motivo? Fora das pistas desde 2006, Schumacher - que diversas vezes afirmou não sentir falta da Fórmula 1 - resumiu: "Não é que eu sentisse falta de correr, mas tinha vontade era fazer alguma coisa "louca". Talvez seja essa loucura que alimente os grandes esportistas, talvez seja esse o ingrediente que faz de alguns atletas pessoas tão fora do comum.

Schumacher é outro exemplo de um campeão que não consegue ficar longe do esporte

fotos: divulgação

Felipe De Queiroz

Publicado em 27 de Janeiro de 2010 às 09:28


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