"Efeito Borboleta" no tênis

Milímetros podem mudar o destino um ponto, ou então de partidas, ou mais, de carreiras inteiras


Caos? Infelizmente, a palavra caos é associada, no nosso cotidiano, a catástrofes e tragédias. No entanto, para a ciência, ela tem outra conotação. Caos foi o nome dado à crescente teoria matemática que se fortaleceu no fim do século passado e hoje já é vista, juntamente com a quântica, como uma das principais ferramentas para desvendar o desconhecido. Num primeiro momento, ela pode parecer complicada, mas, no fundo, contem sua simplicidade no fato de expressar o próprio comportamento do universo em que vivemos.

Em 1900, reinava o determinismo na ciência. Havia equações para explicar os fenômenos naturais. Nelas, os cientistas colocavam as condições iniciais, (posição, velocidade, tempo, por exemplo) e obtinham um resultado preciso do que iria ocorrer em dado sistema. Uma pequena alteração dos valores iniciais inseridos gerava em poucas mudanças dos resultados, numa relação direta. Tudo era "determinado". Nesse período, Henry Poincaré, um cientista que analisava comportamentos celestes, percebeu um grande furo no incontestável determinismo: ao variar ligeiramente as condições iniciais, Poincaré obteve estrondosas variações no resultado final do sistema. Ele havia se deparado com sistemas extremamente sensíveis às alterações das variáveis iniciais. Duas condições iniciais praticamente idênticas geravam comportamentos completamente diferentes. Um exemplo ilustrativo seria como se você tivesse um carro que rodasse 100 km com 10 litros e, ao colocar 10,0001 litros, o carro rodasse 5 km e parasse sem combustível. Naquela época, o determinismo era ainda muito forte e as ideias de Poincaré não prevaleceram.

Henry Poincaré questionou o "determinismo"

Mais tarde, em 1960, ocorreu outro curioso episódio. Edward Lorenz, um meteorologista que estudava movimentos de correntes de ar com a temperatura, inseria dados num computador que calculava de forma determinista o comportamento do sistema. Num certo dia, Lorenz colocou dados idênticos e obteve resultados completamente diferentes. Inconformado tratou de entender o que ocorria, quando descobriu que entre os dados inseridos havia uma diferença na quarta casa decimal. Variando quantidades ainda menores, continuou percebendo enormes diferenças no resultado, contrariando totalmente o previsível comportamento determinista. Estudando arduamente, Lorenz concluiria o que seria a epígrafe de apresentação da Teoria de Caos: o simples bater de asas de uma mariposa na atmosfera pode causar a pequena diferença de pressão que será responsável por grandes tempestades, anos depois, do outro lado do planeta. Surgia o conhecido efeito borboleta, surgia a Teoria de Caos.

Desde então, descobertas massivas vêm sendo feitas de sistemas caóticos: crescimento de vírus, enfartes, clima, arranjo de corpos celestes... Amparada pelo grande avanço dos computadores, capazes de realizar milhões de cálculos em segundos, a Teoria do Caos vem se revelando em quase tudo o que conhecemos, traduzindo uma das formas de comportamento do nosso universo: pequeníssimas grandezas podem mudar completamente sistemas gigantescos! Mas qual seria a relação deste traço do universo com o tênis?

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CAOS NO TÊNIS

Quem estiver lendo este texto com certeza já deve ter se deparado com placares no tênis em que um jogador fez mais games e perdeu o jogo. Ou então que fez mais pontos e ainda assim perdeu a partida. Caso isto seja uma novidade, segue um exemplo tirado de um Grand Slam. Perceba que Massú fez menos pontos, games e teve piores estatísticas que seu adversário, mas mesmo assim ganhou a partida.

Nicolas Massú (CHI) 6 6 1 2 6
Daniel Koellerer (AUT) 3 4 6 6 3

 

Sumário do jogo
  Massú (CHI) Koellerer (AUT)
% 1º Serviço 92 de 155 = 59 % 78 de 117 = 67 %
Aces 5 6
Duplas-faltas 5 5
Erros não forçados 42 26
Pontos no 1º Saque 63 de 92 = 68 % 55 de 78 = 71 %
Pontos no 1º Saque 32 de 63 = 51 % 23 de 39 = 59 %
Winners 57 41
Pontos recebendo 39 de 117 = 33 % 60 de 155 = 39 %
Break points 4 de 10 = 40 % 5 de 16 = 31%
Pontos na rede 18 de 42 = 43 % 13 de 30 = 43 %
Total de pontos 134 138

Outra curiosa situação é a ilustrada a seguir. Analisando o set abaixo a partir do 3/3. Comprove que ambos os jogadores fizeram a mesma quantidade de pontos, porém o resultado do sistema foi vitória para o jogador A.

Total de pontos de cada jogador: 16 Agora, reordenando os pontos, sem modificar a quantidade, obtemos um novo resultado para o sistema com vitória para o jogador B.

Nesta nova configuração, sem alterar o número total de pontos, temos vitória do jogador B.

Tanto o primeiro exemplo como o segundo nos mostram que, em confrontos equilibrados, a posição dos pontos é mais decisiva para definir o resultado do que a quantidade. Existem zonas decisivas na ordem dos pontos que, se forem ocupadas, darão a vitória a determinado jogador. Em outras palavras, estes são os conhecidos "big points". É fácil ver que partidas acirradas são definidas por um simples ponto, que ocupa uma posição chave em uma zona de decisão. Este já é um indício caótico, pois, uma pequena quantidade resultou na definição do sistema.

Continuando com o raciocínio e considerando este ponto-chave (big point) como um sistema isolado, temos outro exemplo de variável: uma bola que voa numa trajetória indefensável sai dos limites da quadra por alguns milímetros. Sim, milímetros é o que acusa o Hawk-eye. Se ela fosse alguns milímetros mais para dentro, a bola seria boa e seu autor ganharia o ponto. Sabendo que, em média, a bola voou 30 metros antes de aterrissar, a ordem de grandeza entre o vôo da bola e o quanto ela saiu é de 0,0001, ou seja, um décimo de milímetro, ou 0,01%. Portanto, todo o sistema foi definido por uma variação de 0,01% da trajetória da bola. Uma pequena quantidade que causou uma grande diferença.

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Mas lembrando que este ponto ocupava uma posição de definição e que seu resultado afetou o sistema maior (a partida), podemos realmente enxergar o quanto o Caos está presente. Suponha uma partida equilibrada, em que se jogou cerca de 200 pontos. Em média, a bola voou três vezes por ponto, voos médios de 30 metros. Arredondando, grosseiramente, teríamos 20 km de vôo. Comparando com os poucos milímetros detectados pelo Hawk-eye naquele "big point" teremos uma ordem de grandeza da variação da trajetória de 0,0000001, ou seja 10-7: um décimo de milionésimo. Em porcentagens, apenas 0,00001%, um centésimo de milésimo por cento do que a bola voou foi responsável pela definição do sistema: vitória para jogador A ou jogador B. Uma ínfima quantidade, uma grande alteração - não há dúvidas de que seja um sistema caótico!

Um milímetro pode definir um ponto, um game, uma partida, uma vida

No entanto, esta foi apenas uma das estimativas que podem ser feitas. além da trajetória da bola, podemos incluir a delicada região do sweetspot, e compará-la com o número de golpes num jogo; os ângulos de torção da raquete e do ponto de contato (em que qualquer ínfima variação leva a trajetórias completamente diferentes); agentes externos (como ventos, variações térmicas). Enfim, levando em conta todas essas outras variáveis, os números obtidos serão trilhões de vezes menores que os valores citados anteriormente. Contudo, essas diminutas grandezas continuarão com o poder de decidir os rumos do sistema, revelando a presença do Caos.

UM PONTO VALE UMA VIDA

Mas se um ponto pode definir um jogo, o quanto que um jogo pode alterar uma carreira? Infelizmente, não temos como mensurar, mas é simples de ver que um resultado bom mudou a carreira de muitos jogadores. Isso tem comprovação fortalecida pelo sistema utilizado para fazer chaves e ranking. Um grande resultado leva a um melhor ranking. Esta melhora coloca o tenista em uma posição privilegiada nas chaves (o jogador passa a sair de cabeça-de-chave). Isso aumenta as probabilidades de outros novos bons avanços em outras competições, que eleva ainda mais o ranking, que melhora a posição do jogador em chaves de torneios maiores e assim por diante, em um ciclo interligado. Como cada evento está conectado ao outro na carreira de um jogador, um jogo pode alterar toda uma trajetória, conferindo aspectos caóticos na vida esportiva dos tenistas. alguém imaginou que Guga ganharia aquele roland Garros em 97? ou, ao ouvir a notícia da aposentadoria de Kim Clijsters em 2007, apostaria em sua vitória no Us open de 2009? os sistemas caóticos, que originalmente foram considerados exceções, hoje são regras aos olhos da ciência. a cada dia novas descobertas são feitas, encontrando o Caos em novos sistemas. a própria flecha temporal do nosso universo, que confere sua característica de irreversibilidade no tempo, é hoje atribuída ao Caos.

Mostrando esta característica surpreendente do universo, que confere enormes poderes a pequeníssimas quantidades, a teoria de Caos nos faz entender que apenas uma pessoa pode fazer a diferença entre bilhões, que uma borboleta pode definir o clima, ou que num pequeno asteróide repousa o equilíbrio de uma enorme galáxia. Milímetros decidem partidas, partidas mudam carreiras. Qual será o peso nestes sistemas de mais um dia de treino, ou de se tentar em mais uma temporada atingir seus objetivos? o que se pode dizer é apenas que, neste universo, grãos são montanhas e assim tudo é valido e possível. se o Caos permeia tantas coisas, seria ingenuidade pensar que ele não estaria presente nas arquibancadas dos jogos mais disputados.

Elson Longo

Publicado em 27 de Janeiro de 2010 às 08:47


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