Agassi

Amor e ódio

Depois da polêmica autobiografia - em que diz que odiava o tênis -, Agassi declara seu amor ao esporte após ingressar no Hall da Fama


Ron C. Angle/TPL

MIKE AGASSI ESTÁ SUSSURRANDO... ou algo parecido com isso. Seu braço está apoiado no ombro de um repórter que ele conhece há duas décadas. O mais velho dos Agassi, pai daquele de 41 anos que, horas mais cedo, foi introduzido no Hall da Fama do tênis - a maior honraria do esporte -, inclina-se e fala um pouco alto demais: "Ele deveria tê-lo ensinado a volear; Bollettieri nunca o ensinou a volear. Ele deveria usar as duas mãos no voleio".

É uma noite bucólica, um pós-festa em Newport na mansão magnífica à beira mar chamada Rosecliff, com dinheiro por todo lado (em um discurso de agradecimento mais tarde durante a noite, um relaxado Andre Agassi faria uma observação sarcástica: "Vocês ricos sabem como viver"). Porém Mike Agassi, claramente orgulhoso do brilhantismo do filho, mas, como sempre, incapaz de demonstrar isso, ignorava a multidão que surgia no vasto gramado. Ele, em vez disso, falava de dicas de tênis e de coisas que poderiam ter acontecido no passado com o mesmo deleite com que uma vez lançava aquelas bolas amarelas para seu filho no jardim de sua casa em Las Vegas. A boa notícia é que, nessa noite, Andre está fora de alcance, já indo para a mesa do jantar, sempre um passo à frente.

Mais cedo, durante o discurso de entronização no gramado santificado do museu do Hall da Fama, Agassi fez um tributo ao seu pai - com quem ele teve um relacionamento particularmente controverso durante a carreira - contando uma fábula encantadora. Ele disse ter feito um discurso em Las Vegas não muito tempo atrás e ter visto alguém levantar a mão na fileira da frente com uma questão: "Como você sabe quando tem que parar de dizer aos seus filhos o que eles devem fazer?". A pessoa que perguntava, obviamente, era Mike Agassi. E apesar de Andre ter tido dificuldade com a resposta naquela noite, agora ele estava seguro.

"Pai, quando eu tinha cinco anos, você me disse para ganhar Wimbledon; quando eu tinha sete, você me disse para ganhar todos os quatro Grand Slams; e muito mais vezes do que eu consigo lembrar, você me disse para entrar no Hall da Fama. Quando eu tinha 29 anos, você disse para eu me casar com Steffi Graf (campeã do Grand Slam em 1988 e sua colega de Hall da Fama). Foi a melhor ordem que você já me deu. Então, pai, por favor, nunca pare de me dizer o que fazer".

Apesar de Agassi ter deixado a escola na nona série, através de sua exemplar Academia Preparatória Andre Agassi e das escolas licenciadas que ele está construindo país afora (a começar pela Filadélfia do Norte em 2011), Andre se tornou um dos grandes proponentes da reforma da educação no país.

Anos mais tarde, quando os troféus dos oito Grand Slams de Agassi estiverem seguramente guardados no Hall da Fama, suas 101 semanas como número um forem algo distante na memória, Agassi ainda assim terá deixado um belo legado para esses jovens cujas vidas ele mudou, não por meio de uma devolução de saque perfeita, mas simplesmente por ajudar os outros.

Você se lembra quando tinha uma pilha de refrigerantes na sua geladeira? Você se lembra de como era naquela época?
Sim, com certeza, lembro de empilhá-las na academia de Bollettieri e deixar as vazias sobre a mesa apenas para ver quantas já tinha acumulado. Mas nós crescemos e mudamos, e ainda bem que nos tornamos mais próximos a cada dia de quem queremos ser.

Há algum tenista que você gostaria de ter conhecido?
O único arrependimento que tenho é não ser velho o suficiente para apreciar totalmente Arthur Ashe quando eu o conheci. Eu gostaria de tê-lo conhecido.

O que você teria perguntado para ele?
Gostaria de saber como ele via o mundo e como ele permaneceu tão justo quando foi tratado de maneira tão injusta.

Há algum jogo que você relembre e estime mais do que qualquer outro? Seria a vitória sobre Goran Ivanisevic em Wimbledon em 1992 - que foi seu primeiro Grand Slam e que todo mundo achava que você dificilmente venceria? Ou talvez a final de Roland Garros de 1999 contra Andrei Medvedev que você venceu por 1/6, 2/6, 6/4, 6/3, 6/4?
Todos os torneios que você ganha pela primeira vez parecem ser os mais importantes, pois, sem eles, você sentiria como que um buraco em sua carreira. Porém, o que mais se destaca é Paris, pois ele é o último dos quatro. Foi quando sai do fundo do poço em minha vida (ranqueado número 141 no final de 1997). Estava tentando chegar ao topo novamente. Esse foi o primeiro torneio que deveria ter vencido. Provavelmente deveria tê-lo perdido três vezes, já que eu estava perdendo por 2 sets a 0 na final. Senti como se fosse um conto de fadas, como um microcosmos da minha vida. Assim, para sair dessa depressão, aquele foi o dia que eu sabia que não teria mais arrependimentos. Apesar de todas as suas más decisões, você se arrepende de todas, mas você deve viver com arrependimento? Depois que ganhei lá, a resposta foi não - não havia mais arrependimentos depois daquilo.

Há algum jogo que você gostaria de ter a chance de refazer?
Você quer dizer ir lá e jogar novamente? Não. Algumas derrotas são mais duras para mim do que outras. A derrota para Sampras na final do US Open 2001 (nas quartas-de-final em quatro sets definidos no tiebreak) me "tirou" da maior parte do jogo (depois do US Open, Agassi perderia quatro dos cinco jogos da temporada). Isso me desconectou da minha vida. Quero dizer, algumas derrotas foram duras, mas aprendi muito com a experiência e não as jogaria novamente.

Você gosta do tênis hoje?
Sim, amo o jogo. Eu assisto o tempo todo. Assisto mais agora do que nunca, pois não tenho que sofrer com ele.

Mas você foi o cara que disse que odiava o esporte.
Bem, eu tinha uma desconexão interna inerente e equivocadamente apontei para o tênis como a razão para minha angustia e desligamento. Cresci no tênis sendo obrigado a jogar. Fui mandado para longe de casa, me rebelei contra isso, me vi em um palco do tamanho do mundo, nunca achei que pudesse lidar com isso, sempre senti as dores disso. E não cheguei a um acordo até que dominei isso, até que me dei a permissão de desistir (em 1997). E então eu escolhi isso. E escolhi isso devido às minhas razões. E foi quando o caso de amor começou.

Estar no Hall da Fama é uma façanha incrível, mas ela é suficiente para você ou há algo mais na vida do que isso?
Não se trata disso. Quero ter todas essas experiências de vida e deixar as pessoas mais confortáveis com elas. É um momento poderoso em minha vida. Não posso negar o que isso significa para mim emocional e intelectualmente, porém, isso não se compara quando se trata de mudar a experiência de vida dos outros. Mas (estar no Hall da Fama) me dá mais oportunidade de fazer isso. Posso alavancar isso para criar mais impacto, fazer mais coisas, o que é um grande subproduto. A verdadeira alegria vem de absorver tudo isso e ajudar os outros a resolverem suas próprias vidas, dando-lhes as ferramentas. Isso é o que me impulsiona.

Se você fosse um desses garotos da sua escola e estivesse indo para a universidade, o que estudaria?
Eu teria que pensar onde poderia fazer o maior impacto, o que mais me atrai. Médicos são ótimos, eles ajudam as pessoas, mas isso não seria para mim. A minha carreira deveria ter um impacto positivo na sociedade de maneira que se conectasse comigo.

Ron C. Angle/TPL

"A verdadeira alegria vem de absorver tudo isso e ajudar os outros a resolverem suas próprias vidas, dando-lhes as ferramentas. Isso é o que me impulsiona"

Você sempre falou com paixão e respeito sobre a sua esposa. Em vez de diminuir os seus recordes perante os dela, com 22 títulos de Grand Slam incluindo cada um pelo menos quatro vezes, qual a coisa mais importante que ela já fez por você?
A coisa mais importante que ela já fez para mim é me mostrar todo dia como apreciar os valores da vida. Isso foi o que ela fez. O que vem à minha mente do que ela realmente me disse é pensar sobre qualquer problema da vida o tempo suficiente para entendê-lo. Assim, se você fala sobre ele, você está perdendo tempo. Comece a resolvê-lo, comece a fazer isso. Em outras palavras, coloque em ação. Pense nele o suficiente para entendê-lo e então comece a vivê-lo.

Você vê os seus filhos (Jaden de 9 anos e Jaz de 7) seguindo seus passos no esporte?
Meu filho ama beisebol, minha filha faz equitação e dança hip hop. Ela faz aula de tênis uma vez por semana. Eu espero que eles encontrem o esporte e o nutram mais.

Qual seu maior desejo para seus filhos?
Meu maior desejo é que eles possam encontrar um parceiro na vida como eu tenho. Meu maior desejo é que eles possam aprender a ter compaixão, que eles possam entender como ver a vida através da ótica das outras pessoas, pois acredito que essa é a receita para o sucesso. Não me importa se você está em uma mesa de negociações, não me importa se você está praticando um esporte - se você consegue se colocar na perspectiva de outra pessoa, você pode resolver problemas, você pode enfrentar qualquer caminho muito mais efetivamente.

From Tennis Magazine. Copyright 2012 by Miller Sports Group LLC. Distributed by Tribune Services

Cindy Shmerler

Publicado em 30 de Março de 2012 às 08:27


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Artigo publicado nesta revista