À procura de um esporte que represente ideal da casa, São José do Rio Preto, no noroeste paulista, se apóia no tênis como divisor de águas após direito de receber Copa Davis. Com maior projeto social da modalidade em mãos, Harmonia Tênis Clube sonha gr...
"A CEREJA QUE FALTAVA NO BOLO". Foi com essas palavras que o treinador Edvaldo Oliveira viu a real possibilidade de São José do Rio Preto receber pela primeira vez uma edição da Copa Davis. Cidade de quase meio milhão de habitantes no noroeste paulista, Rio Preto já viu de perto grandes ídolos como Pelé, na época em que o imbatível Santos enfrentava o América nas décadas de 60 e 70, sediou a final de Campeonato Brasileiro (em 2004, o Santos conquistou o torneio no estádio Benedito Teixeira, o Teixeirão), foi palco de um amistoso da Seleção Brasileira (em 1996, contra Gana) e até o craque do futebol de salão, Falcão, já mostrou as caras na última temporada.
No entanto, os mais fervorosos sentem falta de algo que represente a identidade da população. Nem mais o futebol pode ser considerado o carro-chefe da cidade hoje em dia - América e Rio Preto estão na segunda divisão do estadual, endividados, postos contra a parede. Vôlei, judô, basquete e o futebol feminino são modalidades que buscam seu lugar nos olhos dos cidadãos, mas ainda em passos curtos. Nesse panorama, um clube, voltado para uma modalidade que há 15 anos - exatamente o mesmo período em que Oliveira começou a por em prática sua filosofia de trabalho - não era muito difundida no País, tentava colher os frutos de uma aposta arriscada. Afinal, tênis é um bom investimento? A resposta, a longo prazo, foi comprovada no último dia 24 de fevereiro, data que confirmou o Harmonia Tênis Clube como sede do confronto entre Brasil x Colômbia pelo torneio entre nações.
Com uma "harmoniosa" referência já levada ao pé da letra no nome, é difícil acreditar que o Harmonia nasceu de uma dissidência de outra agremiação. Na década de 70, sócios do Automóvel Clube, o mais elegante da época, idealizavam um espaço para a realização de atividades lúdicas, ainda embrionárias no que se referia ao lazer. Dessa maneira, ele foi pensado como um local para jogos de cartas, bingos e doações, com o pensamento de um clube inteiramente voltado ao social. No entanto, ao lado das regalias extravagantes, foram construídas duas quadras de tênis, o que floresceu a ideia de um lugar direcionado ao esporte, mesmo que a maioria dos frequentadores estivesse na faixa de 50 a 65 anos.
Em 1975, um expressivo grupo colocou em prática o plano de uma agremiação com concepções que ultrapassavam as de um clube comum e social. Nasceu ali o Harmonia Tênis Clube, a fim de difundir uma cultura tenística que ainda não existia na cidade. Com a expansão dos ideais, ele também sofreu um crescimento considerável, aumentando o número de quadras e, consequentemente, a área do terreno.
Localizado em uma das áreas mais nobres da cidade, a agremiação possui 11 quadras de tênis (10 de saibro e uma rápida), além de três piscinas, vestiários, academia, quiosques, sala de jogos, restaurante e um salão social, que é cenário de eventos grandiosos. Ao longo dos anos, o Harmonia ganhou associados e chegou a sair um pouco do foco que é seguido à risca nos dias de hoje.
O homem que permitiu ao clube a permanência de sua filosofia original foi Edvaldo Oliveira. O ex-tenista ministrou uma clínica em Rio Preto no final da década de 80, quando teve o primeiro contato com o ainda garoto Thiago Alves, com quem iniciaria uma relação de pai-filho posteriormente. "Depois daquela clínica, fui vê-lo novamente quando tinha 15 anos. Eu tinha parado de jogar, fiquei na Alemanha por cinco anos. Voltei e o pessoal do Harmonia me convidou para trabalhar. Havia acabado de chegar da Alemanha, em 1997, não tinha lugar definido e o Thiago estava despontando. Comecei em dezembro daquele ano, trabalhamos juntos, viajei com ele para um Cosat na Colômbia e, dessa forma, começou o vínculo. Na sequência, ele ganhou o Banana Bowl, nos 16 anos", lembra Oliveira, sem se esquecer da mentalidade competitiva que ajudou a erguer no clube no final dos anos 2000.
Estrutura conta com 11 quadras de tênis, academia, três piscinas etc
Entre idas e vindas, o treinador firmou ligação permanente com o Harmonia e está à frente do Centro de Treinamento desde 2008, onde orienta, além de Alves, grandes talentos da nova safra brasileira como Augusto Laranja, Ídio Escobar, Bruno Semenzato (que preferiu seguir o caminho do tênis universitário no início de 2012), entre outros. Para Alves, o relacionamento com o mentor ultrapassa os limites do profissional. "O Edvaldo não é só um treinador, é um conselheiro, ele faz parte da minha educação. Eu saí de casa com ele aos 16 anos, então ele teve um papel de pai, ajudou na minha formação como ser humano. É claro que nesse período tiveram momentos em que ele não estava disponível, tinha outros planos e eu precisava de mudanças. Sempre fomos abertos um com o outro, é como se fosse um casamento", conta o tenista, que chegou a ser número 88 do ranking. Oliveira, por sua vez, minimiza o comando frente aos mais jovens e menciona o próprio Alves, já experiente nos seus 29 anos, como uma espécie de líder para os atletas que atravessam a íngreme fase de transição para o profissional. "O Thiago gosta de ajudar as pessoas", diz. "Ele vê as pessoas se esforçando e procura ajudar, passar essa experiência aos meninos, porque quer vê-los jogar bem. O Thiago tem o tênis no coração, correndo nas veias. Até digo que, às vezes, isso acaba atrapalhando, porque ele tira o foco do treino. Mas encaro isso com bons olhos, é tudo um aprendizado. A partir do momento que ele ensina, ele está aprendendo, está se policiando. É poder entender uma instrução, uma mensagem de correção para que venha assimilar também de maneira melhor", completa o técnico, que tem a companhia de Emerson Lima e Carlos Oliveira, além de professores auxiliares na equipe.
Para Laranja, de 19 anos e que começa a seguir carreira no adulto, a presença de Thiago Alves é uma forma de passar todo o conhecimento e orientação necessários, que antes não eram acessíveis. Nada melhor do que ficar ao lado de alguém que já dividiu a rede da maior quadra do mundo (Arthur Ashe Stadium, no US Open/2008) com o melhor de todos, Roger Federer. "É muito bom estar perto de alguém que já chegou onde queremos chegar, no top 100. O Thiago ajuda demais. Quando estamos em quadra, ele tenta nos auxiliar, passa dicas, ajuda a montar o calendário, orienta quando enfrentamos um adversário que não conhecemos. Não apenas eu, mas todos os meninos só têm a crescer ao lado dele", opina.
TEM LUGAR ATÉ PARA RUSSO!Entre tantos jovens promissores, que também incluem Marcelo Zormann (atual campeão do Banana Bowl de 16 anos), Heitor Garcia, Luís Brito, Renan Espricigo e Vinicius Ono, há espaço para as pancadas retas de um dos integrantes da terra gelada do Kremlin. Petr Arkhipov é o "russo" que todos já ouviram falar nas dependências do clube. Com jeito marrento e rebelde, o jovem de 17 anos é outra aposta de Oliveira, que o convidou para treinar em Rio Preto quando estava na Alemanha, em 2008. Filho de ex-jogador de futebol que competiu nos dois melhores times da Rússia (Spartak e o Dínamo de Moscou), "Petcha" (como é conhecido pelos companheiros) já se acostumou ao clima tropical e nem mais aparenta problemas com o idioma, que assimilou apenas pela conversa dos colegas. "Quando cheguei, só sabia falar inglês. Daí comecei a aprender o português apenas escutando as pessoas. Nunca fui a aulas e não achei tão difícil. É claro que ainda erro algumas palavras", comenta o russo. Esbanjando bom humor, Arkhipov admitiu que prefere treinar no Brasil do que retornar ao país de origem. "A Rússia é um país muito caro. Aqui eu treino com caras de alto nível, tenho um treinador muito bom, que é o Edvaldo, desde os meus 14 anos, que me orienta certinho. Gosto muito mais daqui do que de lá", relata o atleta, que, mesmo assim, descartou qualquer possibilidade de defender o Brasil no futuro. "Não tenho problema de ser o 'russo' aqui no Brasil. Não tenho interesse em me naturalizar brasileiro. Jogo pela Rússia mesmo", finaliza o tenista que torce pelo Spartak na Rússia, mas que é adepto do Corinthians desde sua chegada ao país do futebol. |
Em quase quatro décadas, o Harmonia consolidou-se como um dos clubes de maior referência no tênis de Rio Preto. Foi sede de vários campeonatos da Federação Paulista, da Confederação Brasileira de Tênis e já havia realizado Futures, com premiação de US$ 10 mil. No entanto, 2011 reservava algo a mais à cidade - em outubro, foi realizada a primeira edição do Challenger de Rio Preto, competição muito elogiada pela ATP. Segundo Aimar Matarazzo Ribeiro, presidente da agremiação, um relatório da entidade confirmou o evento como um dos mais impecáveis da temporada. "A garra e vontade de fazer um Challenger foi nosso ponto forte.
O experiente Thiago Alves faz parte da equipe comandada por Edvaldo Oliveira | |
A capacidade de fazer um torneio, já no primeiro ano, e fazer tanto sucesso", comenta o dirigente, citando o reconhecimento concedido pelo júri do Prêmio TÊNIS 2011 (realizado pela Revista TÊNIS), que elegeu o torneio como o melhor da categoria no Brasil. "Demos a cara para bater. Ganhamos respeito, porque mostramos que temos estrutura para realizar um evento como esse", acrescenta Samir El Assal, diretor esportivo do clube. Dessa forma, a credibilidade, aliada ao apoio da prefeitura e a questão estratégica da altitude (cerca de 500 metros acima do nível do mar), foi o carro-chefe para que a cidade recebesse o status de ideal para a Copa Davis em abril, diante da Colômbia, de Alejandro Falla e Santiago Giraldo. "Conseguimos unir em Rio Preto o poder público e a iniciativa privada, além do fator técnico e a qualidade de estrutura. A ITF (Federação Internacional de Tênis) ficou tranquila com o local devido à qualidade do Challenger que foi sediado no Harmonia. Isso serviu como uma garantia antecipada das condições da sede para abrigar a Copa Davis", afirma o presidente da CBT, Jorge Lacerda.
"Além do reconhecimento que temos em mão com o sucesso do Challenger, Rio Preto tem outras qualidades. A prefeitura (com quem o Harmonia firmou parceria em abril de 2011) não poupou esforços para receber o evento. A estrutura para os atletas treinarem, a organização. Outro fator é a distância de voo, no caso de São Paulo a Rio Preto. Hoje temos cerca de 14 voos diários, somos uma cidade bem localizada. Teremos mais de 20 horas de transmissão ao vivo e um impacto econômico de R$ 8 a 10 milhões na economia local", acrescenta o presidente do clube.
Aceitar o desafio de sediar uma etapa da Copa Davis está longe de ser o ápice das ambições do Harmonia. Mais do que uma agremiação, o local quer se estabilizar como patrimônio municipal para que venha a recuperar o orgulho de uma cidade que, no momento, vive o dilema de não ter um esporte para torcer. "O nosso sonho é fazer Rio Preto uma referência no tênis em nível nacional", declarou Aimar Matarazzo Ribeiro. "No interior de São Paulo, quando se fala em basquete masculino, lembra-se de Franca. De vôlei? Araçatuba! Basquete feminino? Ourinhos e Catanduva. O Harmonia é inteiramente voltado ao tênis de competição e estamos tentando fazer de Rio Preto uma referência para um CT de nível brasileiro, até sul-americano, como acontece com o do Larri [Passos] em Balneário Camboriú", completou.
A base é prioridade para a agremiação, que já planeja grandes conquistas no juvenil para um futuro próximo, em prol da cidade como um todo. "A Davis é apenas uma das várias coisas que temos em mente. Esse ano, já queremos ter o Challenger com uma premiação maior, trazer mais jogadores gabaritados. O Banana Bowl, nas categorias 14 e 16 anos, será aqui em 2013, podendo até receber a categoria de 18 anos", revela El Assal. Considerado um dos maiores eventos na modalidade, com peso de um Grand Slam, o Banana Bowl, além de vir para Rio Preto a partir do próximo ano, mostrou a força do tênis da cidade em suas últimas edições - a rio-pretense Júlia Gomide se sagrou campeã nas categorias 12 e 14 anos, além de abocanhar a Copa Gerdau (RS) e representar o país por duas vezes em torneios sul-americanos. Em 2012, contudo, foi a vez do jovem Marcelo Zormann, de 15 anos, líder do ranking até 16 anos da CBT e treinado no clube, ficar com o título do Banana Bowl de 16 anos em simples e duplas.
Com a filosofia de florescer o nível competitivo desde o início da carreira nos atletas, o Harmonia comemorou a aprovação do projeto de formação de atletas pelo Ministério do Esporte em 2011. Amparado na Lei de Incentivo ao Esporte no valor superior a R$ 1,6 milhão, a iniciativa se credencia como a maior do país em âmbito do tênis e beneficiará 100 jogadores - 50 de alto nível e 50 no projeto social.
"Esses 50 de 4 a 5 mil da rede pública, o Thiago, o Carlinho (Carlos Oliveira), o Edvaldo e o Emerson vão escolher junto com os professores de educação física. Caso não dê certo de vingar no esporte, já são 50 crianças que você tira das ruas, da realidade de violência. Quantas pessoas humildes você vê que o esporte mudou?", enfatiza Ribeiro. "As 50 crianças de rendimento serão divididas em dois grupos, as que jogam mais torneios brasileiros e as que jogam internacionais. Esse projeto já existe em alguns clubes, como o Minas [Tênis Clube], o Pinheiros, clubes que têm a parte tenística bem encaminhada. Acho que, no futuro, esse projeto vai realmente nos colocar como grandes formadores de atletas, teremos uma base acertada de treinamento. Estamos subindo degraus e quem ganha não é apenas São José do Rio Preto, mas também a região e o tênis", conclui Edvaldo Oliveira.
RAIO-X |
Publicado em 30 de Março de 2012 às 08:38