Coluna Fisioterapia e Reabilitação
Recentemente, o número 1 do mundo revelou que jogou o Australian Open com uma lesão abdominal
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A lesão que vem incomodando o número 1 do mundo é um estiramento muscular abdominal. Mas essa lesão não foi exclusiva de Novak Djokovic. Vários outros atletas apresentaram sintomas dessa lesão durante o primeiro Grand Slam de 2021.
Johanna Konta, Karolina Muchova, Ekaterina Alexandrova, Sloane Stephens e Venus Williams, no feminino, e no masculino, Alexander Zverev, Casper Ruud, Matteo Berrettini, Pablo Carreno-Busta, Grigor Dimitrov e Dominic Thiem, são alguns dos atletas que também se queixaram de estiramento muscular abdominal.
A quarentena rigorosa que alguns destes atletas enfrentaram, pode sim ser apontada como um fator de risco muito importante para as lesões musculares ocorridas no Australian Open. No entanto, o caso de Djokovic chamou mais a atenção em virtude de o sérvio ter continuado a sua participação no Grand Slam australiano e ter sido o campeão.
Apesar de muitos considerarem Novak um “herói”, um verdadeiro apaixonado pela sua profissão, por ter jogado nessas condições, não é demais lembrar que Djokovic estava em circunstâncias “para lá” de especiais:
Disputa de um grande prêmio em dinheiro.
Disputa de mais um título de Grand Slam.
Futura quebra de recorde de títulos de Grand Slam e semanas como #1 do ranking mundial
Ter um fisioterapeuta 24 horas/dia à sua disposição.
Estas circunstâncias justificam o esforço e o sacrifício realizados pelo sérvio.
Em uma tendência de seguir Djokovic, muitos tenistas amadores podem cometer o erro de continuar a competir. Mas, é pouco provável que um tenista amador esteja em circunstâncias semelhantes à de Djokovic.
Por isso, não se engane! Continuar a treinar e a competir com um estiramento muscular abdominal pode te custar um bom tempo de afastamento das quadras.
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O estiramento muscular abdominal é um estiramento (com ou sem ruptura parcial) das fibras musculares do abdômen, muito frequente em tenistas de todos os níveis.
Essa lesão ocorre, geralmente, no músculo reto abdominal no lado não-dominante, ou seja, no lado oposto ao braço que se usa para sacar ou golpear em forehand, quando este é alongado com força além de seus limites. Outros músculos abdominais, como os oblíquos interno e externo, também podem ser acometidos.
Com esta informação já é possível ter uma noção de que o saque é o golpe que envolve o maior risco de gerar um estiramento abdominal, visto que esse golpe expõe toda a cadeia muscular abdominal à elevados níveis de tensão por estiramento (fase de lançamento), com subsequente, contração brusca (fase de aceleração).
Uma base aberta (open stance) durante um forehand também pode gerar um estiramento abdominal devido à alta potência de rotação do tronco envolvida neste golpe. No entanto, esta possibilidade é menor em comparação com o saque.
Em ambos os golpes, saque e forehand em open stance, é no momento de transição entre as fases de aceleração e transição que grande maioria dos estiramentos abdominais ocorrem, pois os músculos se estiram e se contraem (contração excêntrica-concêntrica) subitamente, gerando um risco para os músculos abdominais.
Essa lesão é classificada de acordo com a deformação produzida nas fibras musculares:
Nas lesões de grau 1, o atleta pode relatar uma sensação de câimbra, pressão compressiva, e uma leve sensação de dor sempre que o músculo é alongado ou contraído. A sensação de “pontada” também é, por vezes, relatada. Esses sintomas só são sentidos após a realização de alguma atividade física.
Já nos estiramentos de grau 2, o tenista relata uma dor imediata e a musculatura abdominal fica extremamente sensível à palpação. Os sintomas são exacerbados durante o alongamento e contração da musculatura abdominal.
E, finalmente, quando o estiramento é classificado em grau 3, os sintomas são em forma de queimação imediata ou pontadas dolorosas. O atleta não consegue se movimentar sem dor. A musculatura apresenta ruptura completa e é possível notar uma protuberância de tecido mole, formada pela camada do músculo rompido.
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É preciso ter em mente que tratamentos fisioterapêuticos não são iguais para todas as pessoas. No entanto, a nossa experiência no circuito profissional de tênis tem nos mostrado que as primeiras recomendações para este tipo de lesão em tenistas deve ser baseado em: repouso (ou modificação importante dos treinos no caso de tenistas profissionais), controle da dor e da hemorragia.
Apesar de ignorado por muitas pessoas, o repouso é imprescindível para o processo de recuperação muscular.
Enquanto lesões de grau 1 requerem um repouso de pelo menos 3 semanas, lesões de grau 2 e 3 requerem, geralmente, de 4 a 6 semanas. Caso haja ruptura completa das fibras musculares, uma cirurgia poderá ser recomendada. Nesses casos, o processo de reabilitação levará, no mínimo, 3 meses. É importante ressaltar que estes são estimativas e, portanto, o tempo em repouso pode variar de caso-a-caso.
O não respeito ao repouso pode resultar em agravamento da lesão. Vale à pena lembrar que, segundo o relato de Djokovic, a sua lesão aumentou de 1.7cm para 2.5cm. Não há dúvidas de que esse agravamento é resultado da continuidade das atividades esportivas.
Enquanto atletas amadores devem evitar de jogar tênis, jogadores profissionais, que em alguns momentos não podem se dar ao luxo de abandonar uma competição, devem mudar os treinos de forma a evitar o saque ou forehand em open stance.
O resfriamento local é um ótimo analgésico, além de ser utilizado para controlar a hemorragia muscular. Para tenistas, a crioterapia local pode ser aplicada a cada 2 horas, em 3 séries de 8 minutos, com 1 minuto de intervalo entre cada série.
Assim que a intensidade da dor diminui, deve-se iniciar um programa de exercícios reabilitativos. Buscar assistência fisioterapêutica é crucial nestes casos e pode influenciar o período que você ficará afastado do tênis.
Tenha como objetivo primário a recuperação da sua movimentação normal, sem dor.
Alongamentos suaves dos músculos abdominais e contrações abdominais isométricas podem ajudar no processo de recuperação natural da função da musculatura. No entanto, tenha em mente que exceder o seu limite de dor pode comprometer o processo de recuperação. Portanto, qualquer movimento que cause dor deve ser evitado!
Volte a treinar em quadra apenas quando não houver qualquer dor ou desconforto durante a realização de alongamentos e exercícios abdominais. Este é o momento ideal para começar a fortalecer a musculatura abdominal com exercícios abdominais básicos e cruzados. A corrida, com progressão gradual, também é uma excelente atividade a ser realizada neste período que antecede o retorno aos treinos em quadra. Aliás, antes de voltar a treinar em quadra, é altamente recomendável que o tenista amador comece com treinos bem simples, e até mesmo com o famoso “paredão”.
Somente na ausência de dor ou qualquer incômodo nos golpes executados durante todas as atividades mencionadas acima, principalmente o saque e o forehand em open stance, o tenista amador poderá tentar jogar uma partida completa em quadra. Lembrando que ao mínimo sinal de dor, as atividades devem ser imediatamente interrompidas e um fisioterapeuta deve ser consultado.
Mesmo após retornar aos jogos em quadra sem dor, recomenda-se que os tenistas continuem a realizar os exercícios de alongamentos suaves e fortalecimento abdominal por algum tempo.
No próximo artigo, vamos apresentar dicas para prevenir esse tipo de lesão!
Dr. Fábio Carlos Lucas de Oliveira
Fisioterapeuta na ATP Tour • PhD em Reabilitação
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Publicado em 2 de Março de 2021 às 15:44