Um novo Feijão

Saiba como João Souza se transformou no tenista número 1 do Brasil


Dieta de Novak Djokovic, acompanhamento psicológico, evolução técnica? As explicações para a súbita elevação do nível de jogo de João Souza, o Feijão, podem estar em alguns desses pontos, no entanto, segundo seu treinador, Ricardo Acioly, nenhum fator isolado é capaz de solucionar essa equação.

Antes de tentar explicar, porém, é interessante lembrar um pouco da trajetória desse jovem de 26 anos que, há pelo menos 10, já vinha sendo apontado como um dos mais promissores de sua geração no Brasil.

Aos 15 anos, ele deixou a casa dos pais em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, e veio para a capital treinar na academia de Jaime Oncins, onde chegou a improvisar um alojamento. Anos depois, seguiu para o Rio de Janeiro, com patrocínio da Amil, para treinar com Acioly. Alto (1,92 m) e com golpes potentes, sempre foi visto como uma pedra que precisava apenas ser lapidada para mostrar todo o seu potencial.

No entanto, para quem acompanhou o jovem desde cedo, sempre houve a impressão de que sua evolução estava tardando um pouco demais para aparecer. Alguns dos primeiros lampejos do que se esperava dele ocorreram em 2010. Logo no começo do ano, ele passou o qualifying e chegou à semifinal do ATP de Santiago, torneio que seria vencido por Thomaz Bellucci (apenas um ano mais velho do que Feijão). O bom momento, porém, não se manteve e só foi se repetir no final do ano seguinte, no ATP de Kitzbuhel, na Áustria, com nova semifinal depois de passar pelo quali. No mesmo ano, enfim Souza ingressou no top 100 pela primeira vez.

As oscilações, no entanto, continuaram em seguida, e, durante mais dois anos, ele alternou bons resultados com séries de derrotas. A impressão era de que a promessa de um dia se tornar um jogador de elite nunca se concretizaria.

Isso, todavia, começou a mudar no ano passado. Ao longo da temporada, Feijão venceu apenas um título de Challenger, mas fez três finais e outras sete semifinais. Não à toa, voltou ao top 100. Seria apenas mais uma de suas passagens temporárias?

Feijão adotou a dieta sem glúten e passou a trabalhar mais diretamente com seu psicólogo

Rompante?

Depois dos primeiros cinco torneios do ano, a resposta parecia ser sim. Neles, Feijão perdeu jogos em que tinha certo controle da partida. Não era um bom sinal. No entanto, quando chegou o Brasil Open, tudo mudou. Ele foi à semifinal jogando um tênis exuberante, como sempre foi o seu estilo, mas, melhor do que isso, atuando de forma extremamente consciente em todas as partidas.

Na semana seguinte, no Rio Open, novas atuações brilhantes, mesclando muita garra com muita visão estratégica. Parou nas quartas e só não foi mais longe porque, em alguns momentos, ainda não escolheu as melhores jogadas. Contudo, foi durante a Copa Davis que sua mudança de postura e de nível pareceu, enfim, sacramentar-se.

No primeiro dia, suportou quase cinco horas de jogo debaixo de sol e conquistou uma grande vitória sobre Carlos Berlocq. Dois dias depois, esteve muito próximo de vencer Leonardo Mayer na mais longa partida de Copa Davis da história. Mesmo derrotado, provou seu valor.

Logo depois dessas campanhas, todos então passaram a buscar explicações para a súbita mudança no jogo de Feijão. Entre as teorias, uma das razões seria a adoção da “dieta de Djokovic”. Depois de passar mal em julho de 2014 durante o Challenger de Poznan, na Polônia, Souza suspeitou que fosse algo relacionado à comida e ligou para a nutricionista pedindo conselhos. Ela lhe recomendou tirar o glúten e laticínios, receita usada pelo atual número 1 do mundo e que tem influenciado atletas de todas as modalidades.

Com isso, o brasileiro perdeu peso, diminuiu o percentual de gordura do corpo e diz estar se sentindo bem melhor. “Meu sono melhorou, consegui baixar o peso e me recupero muito mais rápido entre um jogo e outro. Estou me sentindo muito mais ágil em quadra, com uma movimentação e coordenação muito melhores”, afirmou.

Mas, se a dieta não explica tudo, outro ponto importante teria sido o fato de Feijão passar a contar com um psicólogo ao seu lado em alguns torneios desde o ano passado. “Antes não me dedicava tanto a isso quanto ao treino de quadra, à dieta. Nunca dei muito valor ao mental. Não sei se é porque era mais novo, achava que isso jamais faria diferença. Quando me abri, ele conseguiu fazer o trabalho dele 100%. Ele me fez acreditar muito mais em mim, ser mais corajoso dentro de quadra. Isso me deixou mais forte de cabeça e o resultado está na quadra”, contou.

Não se pode negar que a maior experiência também conta nessa hora. Já se vão mais de 10 anos quando o garoto de Mogi das Cruzes disputou seus primeiros torneios profissionais. “Acho que o tempo no circuito ensina muito, estou mais experiente, vejo as coisas de um modo diferente de antes”, afirmou Souza.

Tudo somado

Mas, enfim, qual seria a explicação para o bom momento? “É um conjunto de várias coisas. Se tornar um bom jogador é um processo de médio e longo prazo. Não acontece de uma hora para a outra. Quem olha de fora fica naquele imediatismo. Não sabe que os processos demoram para se realizar”, garante Acioly.

Pardal, como é conhecido, diz que tirar o glúten ajudou, mas lembra que Feijão vem trabalhando em todos os aspectos, parte física, tática, técnica, psicológica, e acrescentando ao seu arsenal várias pequenas coisas no último ano. “A parte técnica tem espaço para melhorar? Sim, voleio, devolução, mas tudo está muito bem estabelecido. A parte tática agora ele já tem bem mais clara, a forma como tem que jogar. A parte física também tem como melhorar”, aponta. O que então tem feito a diferença?

Para o treinador a resposta é clara: “A parte mental está fazendo a junção para que tudo isso faça sentido. O mental é o que limita a parte técnica e tática. No final das contas, ela faz com que você faça melhores escolhas dentro de quadra, tenha mais equilíbrio, perca menos para si mesmo”.

Segundo Pardal, o lado mental do pupilo está dando vazão para todo o potencial dele como jogador. “O tênis é resolvido de dentro para fora. O tenista precisa estar bem internamente para, no lado externo, poder resolver as coisas. Não adianta ter o melhor técnico, psicólogo, quadra, nutricionista etc se internamente não tem as coisas resolvidas. Muitas vezes, as pessoas dão muita atenção para o entorno, mas o interior, na verdade, faz a grande diferença”, garante.

O mental é o que limita a parte técnica e tática. No final das contas, ela faz com que você faça melhores escolhas dentro de quadra, tenha mais equilíbrio, perca menos para si mesmo

Esse tomada de consciência, esse amadurecimento, teria ocorrido logo depois da gira pela Austrália. “Depois que acabou, analisamos as vitórias e as derrotas. Ele ganhou do Malek Jaziri. Perdeu para o Andreas Seppi. Mesmo sacando para o set, o jogo escapou. Na semana seguinte, perdeu para o Ivan Dodig. Acabou se embananando. O Jaziri fez terceira rodada no Australian Open. O Seppi ganhou do Federer. Eu disse: ‘Você não perdeu para esses caras porque eles são muito melhores, perdeu por detalhes de jogo, de escolha’. No fim das contas, ele percebeu: ‘É mesmo, estou precisando melhorar um pouco a minha percepção interna. Não devo nada para esses caras. Perdi para mim mesmo esses jogos’. Foi muito legal ver ele percebendo isso. É um processo que ele fez: ‘melhorando meu interno, tenho uma chance muito melhor de ganhar’”, contou Acioly.

O treinador, no entanto, ressalta que, apesar de os resultados acontecerem de uma hora para outra, a realidade não é bem assim. “O Feijão vem trabalhando várias áreas durante muito tempo. O que faz isso tudo se juntar e se tornar sólido, é o lado interno, mental. De uma hora para a outra, as coisas acontecem, mas isso não é de uma hora para a outra que deve ser trabalhado. É uma busca. Quando o jogador percebe certas coisas, ele faz tudo ficar muito rápido se estiver preparado. Cada um tem um relógio interno, que vai batendo de acordo com a sua capacidade. Alguns conseguem solucionar coisas mais rápido”, alerta. Para ele, um bom exemplo disso é Gustavo Kuerten. “Como ele deu um salto de um tenista que nunca havia ganho um ATP para um que ganhou um Grand Slam? Porque ele já vinha trabalhando em várias coisas que lhe davam condição de realizar aquilo. De repente, naquela semana, as coisas se encaixaram e ele conseguiu dar vazão para tudo o que estava trabalhando”.

“É um quebra-cabeça que, de fora, parece muito fácil fazer, mas, lá dentro da quadra, é duro. Não adianta ter um entourage de melhor do mundo se internamente não se está bem resolvido. Senão, ser o melhor jogador do mundo seria muito simples”, lembra Pardal.

Agora, por tudo isso, Feijão está dando vazão a todo o seu potencial. Todo? “Ainda vejo mais espaço para evoluir. Na minha visão, o Feijão está começando agora a ter os melhores quatro ou cinco anos de sua carreira. Está com 26 anos e são poucos os tenistas que, antes disso, estão estabelecidos entre os 100 do mundo. O circuito está muito mais competitivo e a carreira média do jogador está mais longa”, garante o treinador.

Por Arnaldo Grizzo

Publicado em 30 de Março de 2015 às 00:00


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Artigo publicado nesta revista

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