A doce Caroline

Não deixe que o sorriso vitorioso de Caroline Wozniacki lhe engane. Esta ferrenha competidora está determinada a ser a melhor


A TEMPORADA 2010 DE CAROLINE Wozniacki deixou muita gente falando a respeito de coisas que ela não era: um prodígio, uma jogadora temida, uma revolucionária, uma campeã. Ela não tem um golpe característico, ou um estilo que pode reescrever os livros de técnicas de tênis. Steffi Graf deu ao tênis um novo forehand. Monica Seles aperfeiçoou o ataque de duas mãos. Serena Williams refinou a potência dos golpes. Wozniacki não fará nenhuma dessas coisas.

Para aqueles que não gostaram do que viram nela em 2010, é hora de reconsiderar. Esqueça, por um minuto, o que ela não é, e considere o que ela é. Decidida. Inteligente. Determinada. Valente. Ah, e mais uma coisa: o futuro.

fotos: Ron C. Angle/TPL
Wozniacki já ganhou um Grand Slam. Não se lembra? Foi em Wimbledon 2006. Como juvenil...

O tênis feminino tem tido uma recente série de tenistas top bem abaixo de serem espetaculares, portadoras de uma falsa esperança, como Jelena Jankovic e Dinara Safina. Wozniacki, aos 20 anos e melhorando rapidamente, pode quebrar este ciclo - e ficar no topo por muitos anos. Ela não é outra "falsa" número um. Quanto mais de perto olhamos para ela, mais potencial vemos.

"Ela é muito sólida mentalmente, e esse é o ponto em que as outras que alcançaram o topo não foram capazes de manter as expectativas. Acho que ela será capaz de manter esse nível por um longo período", diz Tracy Austin.

Austin assistiu ao amadurecimento de Wozniacki de perto. Isso ocorreu no verão passado em Montreal, quando a chuva fez com que ela jogasse a semifinal e a final no mesmo dia. Austin ficou impressionada com a garota vencendo as duas partidas e ganhando o primeiro título de alto nível de sua carreira. Mas ela ficou mais impressionada pela maneira como Wozniacki fez isso.

Ela sacou mais forte. Ela usou ângulos mais agudos. Ela se arriscou mais, e ainda assim manteve os erros num patamar mínimo. Wozniacki é vista como alguém que joga com segurança, até mesmo uma "empurradora de bolas". Ainda assim, as pessoas não querem reconhecer que jogar seguro é ser inteligente - e que agressividade pode ser aprendida.

"Ela não tem grandes golpes como Kim Clijsters, mas pode desenvolvê-los. Ela tem uma força natural. Quando ela começar a martelar o saque, creio que isso mudará muito", diz Mary Carillo.

O espírito de Wozniacki, contudo, é seu principal ponto. Sven Groeneveld, o técnico da equipe Adidas que geralmente aconselha a dinamarquesa, tomou conhecimento disso em 2006, quando a marca lhe pediu para observar a jovem. Naquele verão, ela tinha vencido o torneio juvenil de Wimbledon e era favorita a repetir o feito no US Open. Em vez disso, ela foi desqualificada por ter dito um obscenidade em quadra durante a primeira partida. Wozniacki ainda lembra daquele dia. "Estava louca da vida comigo mesma, então disse algo para o juiz de linha como: 'Tire seus óculos, pois você não é capaz de ver'.

Acho que isso foi grosseiro demais para eles terem me tirado da quadra. Sei que não foi dito de uma forma educada, mas não achei que era suficiente para me tirar da quadra. Sou uma competidora e gosto de me comportar bem. Fiquei muito desapontada com a situação toda e comigo mesma", afirma a tenista.

Groeneveld teve uma reação diferente. Aqui está uma atleta soberba, com golpes sólidos e sem fama de ter comportamento inadequado - e agora ela está mostrando que tem coração. "Ela ainda tem muito dentro dela. Você precisa amar este jogo; precisa amar o que faz. Tem que querer melhorar. Ela tinha isso. Ela não é uma montanharussa de emoções", conta o treinador. Ele ainda aponta esse último detalhe: "Aqui é o ponto em que o pai dela teve um grande papel".

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ORGULHO DA DINAMARCA
Dinamarca, população de 5,5 milhões, dificilmente é o paraíso do tênis. Kenneth Carlsen, melhor tenista da história do país, possui uma distinção dúbia: jogou 46 Grand Slams na carreira e perdeu na estreia 30 vezes. Apesar da boa infraestrutura, programas e clubes de tênis, a Dinamarca nunca produziu um campeão - até Piotr Wozniacki se mudar da Polônia para lá.

fotos: Ron C. Angle/TPL

Piotr e sua esposa, Anna, foram atletas profissionais. Anna jogou vôlei; Piotr foi uma estrela do futebol que assinou com um clube em Odense nos anos de 1980. Eles têm duas crianças, Caroline e seu irmão mais velho, Patrick, que joga futebol profissionalmente em um clube da Dinamarca.

A história de Piotr é comum no tênis. Ele não era um jogador forte. Ele não sabia nada de técnicas. A seu modo, ele não era diferente de Karolj Seles, ou Richard Williams, ou Stefano Capriati, ou Yuri Sharapov. Piotr tinha uma vantagem: ele conhecia as pressões de ser um atleta profissional. No tênis, a técnica é muito superestimada. Ninguém consideraria sensato jogar como Monica Seles. Ela não ganhava com sua técnica, mas com tática e vontade. Desde o início, Piotr estabeleceu que sua filha se tornasse, primeiramente, uma competidora, e, em segundo lugar, uma tenista. Caroline estava ansiosa por aprender.

"Quando tinha oito anos, treinava todo dia por três ou quatro horas no paredão, pois queria ficar melhor". Meus pais e meu irmão estavam jogando nas quadras e não queriam jogar comigo, pois eu não era boa o suficiente", diz Wozniacki. Um ano depois, seus pais já não eram páreo para ela. No ano seguinte, ela também derrotou seu irmão, então com 14 anos. "Ele quebrou as raquetes e nunca mais jogou tênis. Não foi legal para ele ter 14 anos e perder para a irmã de 10", conta ela, rindo. Outros garotos na Dinamarca logo tiveram o mesmo sentimento. Aos 14, Wozniacki venceu o campeonato nacional feminino dinamarquês, aberto para mulheres de todas as idades. Daquele ponto em diante, ela geralmente jogou contra garotos ou técnicos de primeiro nível.

Ao invés de mandar sua filha para uma academia de tênis, Piotr colhia pequenos conselhos dos treinadores locais. Um deles era Morten Christensen, um ex-tenista que, em 2002, era o principal técnico do país e trabalhava no centro tenístico dinamarquês. Wozniacki era um talento como Christensen nunca tinha visto antes.

"Ela quase era melhor do que as meninas de 16 e 18 quando ainda tinha 11", lembra o treinador. A família da jovem estava desejando se mudar para perto de Copenhague, cidade que tinha os melhores jogadores e o centro de tênis. Mas Christensen tinha que "burlar" algumas regras para passar tanto tempo quanto gostaria ao lado da garota. Naquela época, os treinadores do centro nacional não podiam treinar crianças menores de 15 anos, pois o centro era apoiado, em parte, pelo comitê olímpico nacional. Assim, Christensen usou Wozniacki como convidada - uma convidada que nunca ia embora.

Especialistas acreditam que Wozniacki ainda tem muito a evoluir em seu jogo

"Era uma regra ridícula", diz ele, acrescentando que isso já foi mudado. "Quando penso na forma como ela ingressou no esporte quando tinha 11 anos, ainda não vejo ninguém com 16 ou 17 com a intensidade que ela tinha".

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Posteriormente, Christensen viajou com Wozniacki para torneios. Sua última viagem com ela foi em Wimbledon 2006, quando ganhou o título juvenil. Ele sempre ficou feliz em ajudar, mas sabia que o pai da jovem continuaria mantendo as rédeas. "Acho que o pai dela fez um bom trabalho, mesmo sendo pai e treinador. Eles faziam sua parte de trabalho, mas havia os momentos mais tranquilos também", afirma.

Seles, Hingis e Kournikova inspiraram Wozniacki quando criança

Quando perguntada sobre seu relacionamento com o pai, Wozniacki diz que a ligação é tão forte que ela não é capaz de aprender com ninguém mais. Sim, eles ocasionalmente brigam - "como todo mundo", diz - e, não, eles nem sempre concordam com o que ela deve fazer dentro e fora da quadra. Eles não tiveram nenhum desentendimento até agora e não precisaram passar por cima de nada.

"Meu pai me conhece melhor. Crescemos juntos no tênis. Ele não sabe muito sobre técnica, mas ele sabe muitas coisas sobre tática, como sou como pessoa, o que posso fazer. Ele me diz as coisas de uma maneira que consigo entendê-las", afirma a tenista.

RICA, MAS UMA CAMPEÃ?
No final de 2010, Wozniacki era a mulher mais rica do tênis a nunca ter vencido um Grand Slam. Ela ganhou cerca de US$ 9 milhões em premiação e patrocínios. Ela adicionou as marcas Turkish Airlines, Proactiv e Motive Pure ao seu portfólio no começo de 2011 e trocou a Babolat pela Yonex (em um contrato de quatro anos). Ela pode levar para casa algo entre US$ 11 e 12 milhões neste ano.

O dinheiro faz com que Wozniacki seja atacada por alguns dos críticos do tênis feminino, que veem o esporte mais como marketing do que como conquistas, e que veem o ranking como uma fraude. Mary Carillo diz que a jovem merece coisa melhor.

fotos: Ron C. Angle/TPL

"Ela pareceu mais em forma na segunda metade do ano, e ela está claramente seguindo os passos para ganhar um Major. E o fato de ela apoiar a turnê mais do que qualquer outra é jogado contra ela? Isso não está certo", afirma Carillo.

Wozniacki não parece se preocupar com as críticas. Ela diz que não sente pressão como número um pela simples razão de que ela chegou lá muito antes do que ela mesma imaginava. "O tênis representa uma grande parte da minha vida, com certeza, mas não é tudo. Treinei para alcançar essa meta, e alcancei-a, e é importante desfrutar disso. Se eu estiver muito desapontada depois de uma derrota, meu pai me pergunta: 'Ok, o que aconteceu hoje? Você só perdeu um jogo, ninguém morreu, você ainda tem amanhã, há um novo torneio na próxima semana. Se ganhasse de todo mundo, isso seria chato e você não teria motivação para treinar", diz ela.

"Tenho só 20 anos. Ainda posso fazer mais"

Quando criança, Wozniacki teve três ídolos no tênis: Martina Hingis, Monica Seles e Anna Kournikova. Aos 20, Seles estava fora do tênis depois de ser apunhalada nas costas. Ela já tinha oito Grand Slams, mas venceria apenas mais um. Hingis tinha quatro Majors, mas não pôde mais suportar a potência das irmãs Williams e Lindsay Davenport. Três temporadas depois, ela se aposentou. Kournikova, semifinalista de Wimbledon aos 16, jogou seis jogos de Grand Slam antes dos 20 anos. Perdeu cinco deles.

Alguém pode ver traços de todas essas tenistas em Wozniacki. A constituição atlética de Seles e sua determinação. A cabeça de Hingis para achar ângulos e jogar com tática. A boa aparência de Kournikova, mas também sua (sempre esquecida) obsessão pelo jogo, antes de as lesões atrapalharem sua carreira. O que todos querem saber sobre Wozniacki é: com qual desses modelos ela é mais parecida? E quando teremos certeza da semelhança? O tênis feminino está em compasso de espera - as irmãs Williams estão fora de cena e ninguém parece pronta a assumir seus lugares - e os fãs de tênis querem saber quem será a próxima. Wozniacki acredita que ela vai crescer nesse papel. Ela apenas pede um pouco de paciência. "Tenho só 20 anos. Ainda posso fazer mais", diz a jovem.

From Tennis Magazine. Copyright 2011 by Miller Sports Group LLC. Distributed by Tribune Services

Tom Perrotta

Publicado em 21 de Março de 2011 às 08:56


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Artigo publicado nesta revista