Muitos acreditam que tática e estratégia são a mesma coisa. Ledo engano. Entenda as diferenças para poder usá-las adequadamente
"As palavras 'estratégia' e 'tática' são rotineiramente intercambiáveis, um desperdício de muitas diferenças valiosas", Garry Kasparov, campeão mundial de xadrez por mais de 15 anos
O alerta de um dos maiores enxadristas do planeta não deve passar despercebido por todo tenista que pretende alcançar vitórias e títulos utilizando um pouco mais do que apenas força bruta. Entender a tática e a estratégia do tênis não só otimiza o potencial de qualquer jogador, como permite jogar o jogo em sua completude. No entanto, é comum perceber que estes conceitos são confundidos e até interpretados como sinônimos. Compreender corretamente os limites e desígnios da tática e da estratégia, bem como suas aplicações práticas em cenário competitivo, pode elevar o nível de um jogador ainda que mantenha as mesmas características técnicas e físicas.
É fácil entender que estes conceitos vieram do universo militar. Etimologicamente, "estratégia" tanto do grego quanto do romano, referia-se a um general ou pretor da guerra responsável pelo comando das tropas (stratego). Portanto, o termo "estratégia" relaciona-se com comando, liderança, coordenar ações. "Tática", derivada do radical latino "tact", relaciona-se com tocar, tatu, manusear. Do grego, "taktikus", significa pôr em ordem, organizar. Tanto num radical quanto no outro, o conceito engloba ação prática, medidas. Dessas definições primárias percebemos que a estratégia comanda ações; e a tática revela-se como as ações em si. Há uma hierarquia entre estes dois conceitos: a tática trabalha a serviço da estratégia ou, por outro ângulo, a estratégia é composta por ações táticas.
Estratégia e tática no tênis
Numa partida de tênis a estratégia começa bem antes do jogo. "Conheça teu inimigo, o terreno e a ti mesmo e vencerá a guerra" - são as palavras de Sun Tzu, general chinês que escreveu o primeiro tratado sobre táticas e estratégias militares ("A Arte da Guerra") de que se tem conhecimento, 500 anos a.C. A análise sistemática do nosso oponente (suas características, padrão de jogo, fraquezas e pontos fortes etc), das condições externas (superfície, bolas, altura, o torneio em questão, mídia etc) e de nós mesmos (o que sabemos e podemos fazer, nosso momento físico e psicológico etc) são as bases para estabelecer um plano de jogo.
Tanto um jogador competitivo como um aficionado que se encaminha para uma partida sem um plano, provavelmente farão apenas atividade física reagindo instintivamente durante a partida, alheio aos bastidores pensantes que permeiam um jogo de tênis. Ao realizar seu plano de jogo, o tenista recorre às opções táticas que melhor se configuram com suas análises. Estas opções nada mais são que as jogadas que ele pode executar com maior êxito sobre esse tipo específico de adversário, e as jogadas que deve evitar que seu oponente realize.
Cada jogada é uma combinação de golpes específica. Além disso, existem outras táticas que não se relacionam diretamente com os golpes e englobam fatores psicológicos que também devem ser incorporadas. Que ritmo usar entre os pontos, se fará pausas, como se portará no cenário da partida, como será seu gestual corporal etc? Depois de dispostas todas suas opções, é tarefa de seu raciocínio estratégico selecionar a ordem em que elas serão utilizadas e em que momento.
Esta é mais uma das nuances entre tática e estratégia: a tática é materializada pelo "o que" se pode fazer, a estratégia "quando" se deve fazer. Exemplificando, um jogador pode concluir em seu plano de jogo que usará como tática apoiar seus golpes sobre o revés de seu oponente e jogadas de subida à rede. Ele dispõe de duas táticas, mas elas isoladas não compõem uma estratégia. Será uma estratégia quando ele definir que jogará os pontos sobre a esquerda do oponente, subindo à rede nos momentos críticos para surpreender.
Com o ensino moderno orientado ao jogo, os tenistas atuais são treinados desde cedo para obterem amplo repertório de jogadas efetivas que irão caracterizar seu estilo ou padrão de jogo. A tática é automatizada no treinamento. Para cada situação de jogo, ou zona da quadra, o jogador já possui respostas claras.
Assistindo a um jogo na televisão e ouvindo o comentarista é simples ver quais táticas estão sendo usadas: domínio com determinado golpe, saque abrindo a quadra, variações de altura, emprego de paralelas, jogadas de atração, enfim, uma infinidade de alternativas, cada uma delas trazendo combinações organizadas e impecavelmente treinadas dos golpes dos jogadores.
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Garry Kasparov |
Previsível x imprevisível
A sutileza escondida está em perceber em que momento cada jogador dispõe de determinada tática. Sabemos que os pontos têm valores "diferentes" no tênis e é obra da estratégia reservar as melhores opções táticas para estes pontos sagrados. É comum a crença que jogadores vitoriosos "sabem" ganhar os pontos importantes, como se isso fosse obra de um talento divino. O que muitas vezes não se leva em questão é que este jogador sabe escolher a melhor tática para empregar nos pontos decisivos. Em outras palavras, seu talento reside em sua capacidade estratégica.
"A arte da guerra é a arte do logro", disse Sun Tzu. O tênis é uma modalidade aberta, caracterizada por nosso cérebro trabalhar respeitando as etapas: percebo-decido- executo-analiso. Este ciclo se repete a cada bola que vem ao nosso encontro (percebemos se ela é funda, curta, rápida etc), nossa decisão de como vamos rebatê- la (de acordo com a situação tática), a execução material do golpe e, por fim, a análise da bola que enviamos.
Neste contexto, nada mais perigoso do que ser previsível, e nada mais contundente para nossos adversários de ser imprevisível. Os tempos de vôo da bola são muito pequenos e dar ou tirar frações de segundo na primeira etapa de percepção é fundamental para o sucesso ou fracasso. Nesse momento entra a estratégia. De maneira ardilosa e envolvente, o jogador estrategista alimenta um padrão tático sucessivo, criando um condicionamento, para usar uma combinação inesperada nos momentos que realmente são relevantes para a vitória.
Uma boa tática, por mais que funcione, tem prazo de validade. Os jogadores são adaptáveis. Após sucessivos eventos, o adversário já estará condicionado àquela situação e começará a ter aproveitamentos melhores. Tornamo-nos previsíveis e ele acabará virando o jogo. Podemos nos consolar atribuindo-lhe mérito, mas somos os maiores patrocinadores de seu rendimento. Uma tática isolada priva qualquer medida estratégica.
Assim, devemos sempre ter, pelo menos, duas formas de atuar para criarmos uma expectativa. Podemos estar obstinados a atacar o débil revés de nosso companheiro de jogo, mas nada será tão contundente para ele quanto ser atacado inesperadamente no setor direito em uma certo momento do jogo. A essência da estratégia é a surpresa e o logro, e isso deve ser incorporado.
Exemplo de Aníbal
Aníbal desafiou os romanos, o maior e mais respeitado exército do mundo, imprimindo-lhes sucessivas derrotas sempre com menor número de homens. Não se limitou às batalhas nas províncias e marchou pelo oeste rumo a Roma. Algo impensável na época. Roma enviou duas legiões para interceptá-lo, compondo um exército quatro vezes maior que o dele. Prevendo a arrogância dos generais romanos, Aníbal escolheu um planalto à beira de um lago para montar sua armadilha. Durante a noite, ascendeu poucas tochas, levando os romanos a subestimarem o tamanho de suas tropas e crerem que Aníbal queria aproveitar as vantagens de um terreno mais alto para suprir seu pequeno número.
Como era de costume, os romanos decidiram atacar o planalto pela manhã. Deveriam passar por um estreito caminho à margem do lago, ao lado de uma encosta onde havia um denso bosque. Quando as tropas romanas encontravam-se dispostas em uma linha tênue na estreita passagem foram surpreendidas no flanco direito pelo exército de Aníbal que aguardava magistralmente escondido na densa floresta.
Foi a maior derrota que os romanos sofreram na história. Os que não sucumbiram ao ataque morreram afogados no lago com o peso das próprias armaduras. Esta história mostra a habilidade estratégica de um lado e o descuido do outro. Aníbal criou uma ilusão e os generais romanos moveram suas tropas em caminhos estreitos, uma manobra amplamente condenada por Sun Tzu. No tênis, a surpresa e a imprevisibilidade é a maior de todas as forças, dando a vitória a jogadores com menores recursos técnicos. Portanto, é no berço da estratégia que tenistas devem buscar a aplicação de suas jogadas, maximizando seus efeitos.
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Desenvolva habilidades estratégicas
A estratégia deve ser treinada e desenvolvida, a tática apenas automatizada. As decisões estratégicas são tomadas entre pontos e games, já a tática age durante os pontos de forma condicionada. Independentemente do nível de jogo de um tenista, muito se pode fazer em relação às suas habilidades estratégicas. Vejamos:
1 Se um jogador faz bem certa tática, deve treinar uma variação para evitar que ela se torne previsível e possa, assim, ser maximizada. Exemplos: Se você tem uma boa paralela, deve ser capaz de trocá-la por algumas bolas anguladas, deixando seu oponente sempre apreensivo; se tem um bom saque quique no revés de seu oponente, deve treinar este mesmo saque na direita, assim poderá mesclá-lo em algumas situações evitando que o devolvedor se acomode; se você realiza bons winners, deve associar uma deixada camuflada para surpreender aquele oponente que se deslocou para o fundo da quadra;
2 Nunca permita que seu rival se acostume a qualquer tipo de ritmo, tanto de golpes como de tempo de jogo. Desenvolva seu jogo sobre pelo menos duas táticas básicas e guarde preciosas variações para os momentos chave da partida;
3 Não mude a tática quando for óbvio que deveria fazê-lo, surpreenda sendo "previsível". Sempre mude padrões táticos que não possuem bom aproveitamento e esteja pronto para abandonar os que sempre funcionam em um dado momento da partida.
4 Analise e faça estatísticas próprias para ter claro o que não funciona, o que funciona às vezes e o que sempre funciona. O que não funciona deve ser feito em pontos de nenhum valor, em games perdidos e sets condenados; o que às vezes funciona devemos utilizar nos pontos iniciais do game; e o que sempre funciona devemos guardar para os pontos decisivos do game.
5 Se estiver cansado, mostre-se disposto. Se estiver disposto, esconda sua empolgação. Se estiver irritado, mostre-se calmo. Se calmo, mostre-se irritado. Fale muito com aqueles que gostam do silêncio e seja calado com os que gostam de falar (obviamente respeitando as regras e o código de conduta do esporte). Vibre muito quando joga com alguém que se inibe. Nunca vibre com aqueles que crescem quando o conflito se torna acirrado. Se provocado, demonstre indiferença se sentir-se afetado e demonstre emoções caso esteja indiferente.
6 Ataque com todas suas forças aqueles que vivem momentos felizes de séries ótimas de aproveitamento de pontos consecutivos. Mas faça jogar aqueles que erram sequências repetidas de pontos. Seja cauteloso quando estiver ganhando, as forças que são geradas no limite da derrota são poderosas e ninguém está mais vulnerável que aquele que está vencendo. Sun Tzu disse: "Nunca persiga um pequeno grupo em fuga, um homem à beira da morte lutará como um exército."
7 Treine como se joga. Nos exercícios táticos com contagem de pontos agregue variações à tática executada com maior valor de pontuação. Isso estimula o raciocínio estratégico. Exemplo: o clássico exercício de cruzadas com troca na paralela pode ser formatado para premiar com um ponto duplo quem der uma deixada, ou subir à rede (elementos surpresas). Outro exemplo: em jogadas que comecem com saque aberto, valerá dois pontos sempre que alguém saca fechado.
8 Saiba sacar o primeiro saque com menor peso e o segundo com velocidade de primeiro saque. Mude as posições em que o sacador o vê quando está por sacar. Se estiver pressionando muito na rede, golpeie e fique no fundo algumas vezes. Se nunca estiver subindo à rede, faça-o de vez em quando. Use todo o cenário da quadra.
9 Confeccione seu plano estratégico cuidadosamente antes do jogo. Deve levar em conta o rival, as condições externas e suas próprias. Tenha claro as táticas a serem empregadas, uma estimativa de seu grau de eficiência e as situações de contagem em que elas deverão ser empregadas.
10 Durante a partida, uma enorme quantidade de dados aparecem e deverão ser incorporados pela estratégia para ir continuamente melhorando a qualidade das escolhas táticas.
Chave para a vitória
"Todos os homens podem ver as táticas pelas quais eu conquisto, mas o que ninguém consegue ver é a estratégia a partir da qual grandes vitórias são obtidas". Esta citação de Sun Tzu revela o invisível por trás das grandes vitórias. Campeões não vencem apenas por suas qualidades, e, sim, por suas escolhas e decisões apropriadas. Ganhar muitas vezes está além de forças ou habilidades, mas em emprego correto e imprevisível das suas competências.
Aprenda a reconhecer os momentos cruciais da contagem. É sobre essa diferença de valoração dos pontos que o raciocínio estratégico está apoiado. Dê flexibilidade às suas combinações e também às suas decisões. Aquele que é inflexível é previsível e, portanto, não faz reluzir suas qualidades. Napoleão e Hitler pecaram pela falta de maleabilidade em retroceder e este foi um fator determinante na queda de seus domínios. Use a criatividade. Alimente seu jogo com variações e perspicácia. Como dizia Charles Chaplin: "Perca com classe, mas vença com ousadia".
E nas palavras de Tartakover, um dos mais respeitados gênios do xadrez: "Tática é saber o que fazer quando há o que fazer; estratégia é saber o que fazer quando não há nada a fazer." Mais direto impossível.
Publicado em 23 de Fevereiro de 2010 às 06:54