Tática

O conceito de estratégia

Quando se é jovem, pernas e coração quase sempre falam mais alto em quadra. Mas quão importante é a tática na hora de vencer um jogo?


"ENTRAR EM QUADRA SEM UM PLANO de jogo é como começar uma viagem sem destino certo". Nenhuma jogada no tênis, um esporte de sintonia fina, é escolhida por acaso. Um atleta executa um determinado plano baseado no que tem de melhor, mas nem sempre o rival lhe dá pontos de graça. E diante de uma resistência vinda do outro lado da rede, o jeito, muitas vezes, é partir para outra opção que não coloque em risco a partida.

Assim, a estratégia se torna fundamental, pois um simples ponto pode decidir um título ou até ser responsável por uma decepção que ficará na memória do tenista para sempre. "Pensar em uma partida sem saber qual será seu objetivo é como jogar de olhos fechados", emenda o técnico Carlos Omaki, também autor da declaração que abre esta matéria. Afinal, se é tão importante, por que muitos juvenis (e até profissionais) parecem ainda não entender muito de tática? A partir de que idade o tenista deve compreender as estratégias do jogo? Bem mais cedo do que se imagina.

CONHECER A SI MESMO

Não adianta, há rivais que parecem nascer com o jogo perfeito para anular o estilo de adversários específicos. Gustavo Kuerten sempre teve problemas quando se deparava com a regularidade de Lleyton Hewitt na época em que ambos disputavam a ponta do ranking. Andy Roddick, que se aposentou no ano passado, deve ter calafrios com Federer, responsável por 21 derrotas na carreira (em 24 duelos). Então, isso não é algo que se limita à imaturidade da idade, mas quanto mais cedo o jogador compreender a importância do plano tático, mais facilmente vai poder desenvolver uma leitura de jogo.

Não é à toa que muitos técnicos ficaram famosos nos últimos anos por estipular metas e objetivos pré-jogo apenas na observação à beira da quadra, como os norte-americanos Nick Bollettieri e Brad Gilbert. Eduardo Frick, treinador no Instituto Gaúcho de Tênis (IGT), acredita que o tênis ficou por muito tempo preso a preocupações ligadas majoritariamente ao plano técnico. Pensava-se que quem ganha é quem bate mais forte ou quem passa mais tempo em quadra. No entanto, o ex-capitão brasileiro da Fed Cup lembra que o estudo prévio de jogo e a noção de tática devem ser trabalhados concomitantemente com a parte técnica, principalmente por o juvenil estar passando por uma fase de formação.

"O jogador precisa entender primeiramente como funciona o jogo, como ele tem que jogar tênis. Há um tempo, ensinávamos a eles como bater na bola. É importante, mas a parte tática é muito mais importante no sentido de o jovem entender o porquê de bater uma bola naquele lugar, como ganhar espaço dentro de quadra. Essa mentalidade, que começa bem cedo, na faixa dos 12, 13 anos, auxilia o jogador a trabalhar de acordo com a maneira que ele joga para que quando tiver 16, 17 anos tenha uma clara noção de como atuar e que siga seu processo de evolução", explica o gaúcho.

O processo de autoconhecimento da criança, que está iniciando seus passos no tênis, é primordial para que ela venha a perceber o que faz de melhor dentro da partida e trabalhe na base para que o seu jogo flua através dos benefícios de uma boa direita ou de um saque potente, por exemplo.

Para Omaki, há duas maneiras de o jogador entrar em quadra: ele pode entrar querendo jogar bem ou procurando jogar de maneira certa. E essa diferença, que é mais clara para os adultos, pode passar despercebida no âmbito juvenil. Só que as consequências podem ser indesejáveis para atleta e mentor. "Na visão das crianças, o jogar bem é entrar em quadra e sempre executar seus melhores golpes. Na verdade, o jogar certo é usar o que ele tem de melhor, mas também baseado na situação que ele está enfrentando. Se você não souber qual o objetivo para um determinado ponto, o que você quer tentar naquele ponto, o que você deseja realizar vira uma coisa totalmente vaga e abstrata", conta o treinador do clube Paulistano, em São Paulo.

Marcelo Ruschel/Poapress

LEITURA DE JOGO EFICIENTE

Mas não é de uma hora para outra que o jogador, principalmente o mais novo, vai colocar na cabeça que tática é mais uma arma nas mãos e que os resultados vão aparecer rapidamente. Estabelecer um padrão de jogo estratégico demanda tempo de convivência e cumplicidade do atleta com o treinador para que se torne um apetrecho natural de seu estilo.

O ex-tenista Marcos Daniel afirma que já vem trabalhando exercícios particulares para que seus comandados não sintam tantas dificuldades para seguir um plano de jogo nos torneios pelo Brasil afora, quando, muitas vezes, não poderá estar na arquibancada para um contato visual. "Treinamos esse aspecto tático simulando situações de jogo e pré-determinando reações. Como, por exemplo, meu jogador bate uma direita cruzada e, na segunda bola, ele já vai para a paralela, abrindo o ponto. Esse processo de desenvolvimento serve para que o cérebro dele já fique acostumado a fazer essa bola naturalmente", comenta o técnico do Itamirim Clube de Campo, em Itajaí.

Trabalhar várias jogadas e estipular uma série de planos são táticas também defendidas por outro gaúcho, Marcos Hocevar, que exige tais artimanhas dos seus jovens para quaisquer circunstâncias da partida. "Atualmente, mudouse muito o tênis. Os jogadores têm que ter várias estratégias, a tática de acordo com a quadra, com o momento, com a situação que está vivendo. De repente, ele está jogando na grama e vai ter uma tática mais agressiva para anular o golpe do outro. Para jogar em Roland Garros, numa quadra mais lenta, a tática tem que ser outra, diferente de quem joga na altura. E isso tem que ser trabalhado cedo com o atleta para que ele venha se adaptar buscando ter planos específicos para tais situações", opina o também técnico do IGT.

DEVER DE QUEM SABE

Ex-número 44 do ranking da ATP e um dos brasileiros mais promissores do juvenil, chegou a ser 12º do mundo da modalidade, Flávio Saretta teve a experiência de trabalhar como treinador no Palmeiras entre 2009 e 2011. Ele revela que foram raros os meninos que conheciam seu próprio jogo e identificavam maneiras para aproveitar os pontos fracos do adversário.

"Pouquíssimos meninos compreendem se têm uma direita melhor do que a esquerda, percebem como o adversário joga, o que gosta de fazer. Quase nenhum jogador sabe chamar o jogo para o melhor golpe. Esse lado é pouquíssimo treinado com a molecada, acho que é uma grande falha do tênis brasileiro. Essa é a função do treinador. É obrigação dele saber como o adversário joga para que você possa bolar um plano de jogo", diz o paulista de Americana.

Frick corrobora a opinião de Saretta e declara que se cobra bastante para passar aos seus atletas os macetes táticos em relação aos adversários. "É importante ensinar o atleta o porquê das coisas até pelo conhecimento tenístico muito mais aprofundado em relação ao juvenil. O atleta está na fase de aprendizado, então ele tem que entender por que está colocando a bola lá, o que ocasiona a ele jogando a bola naquele lugar. Daí ele vai começar a compreender que o jogo não é tão difícil e vai poder ficar muito mais consistente", aponta.

QUEBRANDO PARADIGMAS

Entender a importância da estratégia é um passo importante para o atleta, porque cria formas de anular a eficiência do rival e, por consequência, abre caminhos para batê-lo aproveitando os seus pontos fracos. Mas, e quando o próximo oponente em um grande torneio é alguém que seu pupilo nunca enfrentou? Entrar em pânico não vai adiantar.

O primeiro passo é compreender o seu próprio estilo de jogo e as condições do local - altura, piso, clima - em que está atuando, algo que Elson Longo indica como "conhecer o terreno". Hocevar concorda com o parceiro de profissão e diz que o papel do técnico é usar primeiramente as qualidades do seu comandado para dar início a uma estratégia de jogo. "Você tem que buscar os pontos fortes do seu atleta para poder utilizar da melhor forma possível no jogo. A partir daí, ele vai se adaptando e determinando seu jogo para mirar as falhas dos adversários. Se ele tem uma boa direita, o técnico busca um plano que direcione as bolas para o jogador trabalhar o ponto com sua direita", exemplifica.

Atualmente, uma forma de pesquisar dados sobre seu adversário é fuçar na internet, onde se tem acesso a resultados de torneios, retrospectos e, dependendo do site, consegue decifrar qual é o melhor golpe do oponente sem sequer vê-lo jogar. No entanto, Marcos Daniel desconfia da eficácia dessa forma de estudo pelo fato do uso das redes sociais implicar em distrações e na falta de profissionalismo da garotada. "Na nossa época, não tínhamos muito para fazer, a gente passava o dia inteiro no clube andando de bicicleta, jogando futebol ou tênis. Não ficávamos jogando videogame, ou passando o dia inteiro na Internet, Facebook. Às vezes, toda essa tecnologia que temos hoje pode se tornar prejudicial. Se a gente usasse isso para buscar informações, principalmente dos jogadores mais novos, seria muito bom, mas sabemos que isso não ocorre. Hoje, o guri fica muito mais tempo à frente de um computador ou de um celular", lembra "Marquito".

Outra forma, mais à moda antiga, é simplesmente sentar na arquibancada e acompanhar os jogos dos possíveis rivais na chave. Se estiver disputando a partida, essa tarefa pode cair muito bem ao técnico, que já pode enxergar pontos e analisar o perfil daquele tipo de jogador. Saretta é a favor desse tipo de estratégia. "Em um jogo de segunda ou terceira rodada, se não acontecer no mesmo horário do seu, vá lá, procure ver um pouco, pesquisar, perguntar para outros jogadores que já o enfrentaram, como ele se comporta em determinada ocasião. Se viajar com um treinador, ele pode ajudar nessa parte. Ficávamos no clube jogando baralho e, hoje em dia, é computador, celular o dia inteiro e acabam se esquecendo dessa parte. Quando éramos moleques, a gente via os jogos, ficava na quadra o dia inteiro e isso facilitava para a gente", conta.

Mas até no momento em que entra na quadra para jogar com aquele "desconhecido", ainda há maneiras de identificar novas minúcias. No próprio aquecimento, o atleta já consegue sentir, mesmo que não seja uma regra, o estilo do adversário. Para Frick, é essencial que seu jogador teste as habilidades do oponente no bate-bola e que se concentre em fazê-lo jogar ao máximo nos primeiros games para ter uma real ideia do que deve imprimir logo em seguida. "Falo para meu jogador ir testando coisas no adversário, jogar uma bola mais baixa para ver como ele bate um slice, jogar uma bola mais alta para ver como reage. Na hora do voleio, sentir como o adversário voleia, se ele se sente confortável ali. Logo em seguida, nos três primeiros games, o ideal é que o teu jogador comece firme, pondo a bola na quadra para conhecer o adversário, trabalhar mais os pontos e ver como ele reage depois desses games para traçar um melhor plano de jogo", indica.

SAÍDAS DE EMERGÊNCIA

Marcelo Ruschel/Poapress

Mas nem sempre o estudo prévio é capaz de frear o início frenético do rival. Por isso que Daniel traça várias estratégias junto com os seus juvenis para que, ao se depararem com algum jogador "naqueles dias", possam saber por onde contornar a situação. Só que, até para profissionais, a fórmula de variar o cardápio é difícil de ser bem executada. Thomaz Bellucci, número 1 do Brasil em simples, é um exemplo de atleta que sofre para lidar com a pressão de um mau dia e não ter poder de reação imediato. "Alguns jogadores têm facilidade nessa leitura, mas outros não. O Bellucci tem certa dificuldade nesse plano tático, principalmente quando o jogador varia o parâmetro do jogo. Apesar de ele ter muita habilidade, ele tem dificuldade nesse ponto. Isso serve para ilustrar como é difícil fazer com que o jogador entenda o plano tático, conseguir uma mudança a partir do jogo do adversário para se manter na partida", mostra o ex-top 60 do ranking.

Elson Longo já avisa que é necessário ao jovem atleta entrar convicto em quadra de que o chamado "Plano A" pode vir a falhar e não há escolha senão apelar para outras maneiras de solucionar os buracos em seu jogo ou mesmo desestabilizar o rival. "Um plano tático vai evoluindo durante a partida. Toda tática tem prazo de validade e é natural que, em algum momento, ela deixe de funcionar. Cabe ao jogador ficar atento, perceber e mudar a forma de jogar. O elemento surpresa é o fator mais impactante em uma partida de tênis. E ele só existe quando se faz coisas diferentes. Por isso, devemos preparar nossos jogadores para realizar mudanças logo que sintam que o rival absorveu nossa iniciativa tática. Seria incompleto enviar um jogador à quadra com apenas um movimento do tabuleiro", orienta o técnico que trabalha em São Carlos.

ANÁLISE MESMO NA DERROTA

Mesmo que o revés venha, é essencial que o jovem atleta se abra com o treinador após o jogo, sobre os pontos vulneráveis da estratégia pré-definida e que discutam sobre o que deve ser aprimorado ou acrescentado para as novas metas. "É o jogador que irá conversar com seu técnico explicando o que aconteceu no jogo, desta forma os dois já estarão aproveitando o momento para continuar trabalhando a leitura e a capacidade de analisar a partida. De acordo com as observações passadas pelo jogador, o técnico fará suas avaliações e colocará os pontos positivos e nos quais devem melhorar para o próximo confronto", crê Luiz Peniza, treinador que acompanha os juvenis no IGT.

PREPARAÇÃO TÁTICA PARA VOCÊ!

O técnico Luiz Peniza, do IGT, explica como aprimorar o aspecto tático no pré-jogo com sete exercícios específicos:

  • Definir confrontos para o dia seguinte, em que os jogadores devem realizar o plano de jogo e mostrar para o técnico antes de entrar na quadra;
  • Criar confrontos estipulando o estilo de jogo no qual o atleta deverá atuar;
  • Definir confrontos para o dia seguinte, em que os atletas devem realizar o plano de jogo e mostrar para o técnico, porém, no momento de entrar em quadra, realiza-se uma troca de adversários;
  • Observar partidas e definir um padrão de jogo dos atletas com pontos positivos e negativos e de que maneira, a partir do seu estilo, ele pode atingir este jogador;
  • Fazer exercícios com jogadas utilizadas de acordo com o adversário, nas quais organizam-se de forma progressiva com exercícios fechados, semiabertos e abertos;
  • Realizar jogos durante o treino, utilizar os períodos de descanso para estimular a análise tática do jogador naquele momento;
  • Usar planilhas de autoavaliação tática depois de cada jogo em períodos competitivos.
Da redação

Publicado em 24 de Abril de 2013 às 08:20


Instrução - Tática

Artigo publicado nesta revista