Na trave, de novo...

Brasil abre 2 a 0 no primeiro dia, mas toma virada espetacular dos indianos e perde mais uma chance de ouro de voltar ao Grupo Mundial



Fotos: Marcelo Ruschel / Poapress

EM 2006, FOI A SUÉCIA, em Belo Horizonte. Contra Soderling, não tivemos chances. Em 2007, foi a Áustria, em Innsbruck. Na quadra de carpete, não vimos a cor da bola. Em 2008, foi a Croácia, em Zadar. Outra vez sem chances na quadra rápida. No ano passado, o Equador, em Porto Alegre, a primeira grande oportunidade. Uma grande atuação do veterano Nicolas Lapentti e lá se vai o sonho. Neste ano, mais uma ótima chance de voltar ao Grupo Mundial da Copa Davis que se esvai inacreditavelmente.

Brasil e Índia se enfrentaram em Chennai. Tudo bem, havia os fatores calor e piso, além de uma dupla adversária quase que imbatível (não, a torcida contra definitivamente não era um problema, pois quase não havia público nos jogos, ou seja, era quase campo neutro). Até aí, de nosso lado tínhamos dois tenistas para as simples, teoricamente, muito mais preparados do que os deles. Como se sabe, a teoria, muitas vezes, não se comprova na prática e foi quase isso o que aconteceu logo no primeiro dia.

Na abertura, Thomaz Bellucci deveria ter um jogo fácil contra o indiano Rohan Bopanna, que apesar do sucesso em duplas, aos 30 anos e com uma barriguinha saliente, já não costuma mais se dedicar às simples. A partida acabou sendo um martírio para Bellucci, que não conseguiu se impor diante do adversário e precisou salvar três match-points no quinto set, diante de improváveis 5/2. Depois de quase 4 horas e meia de jogo, o brasileiro, exaurido, venceu de virada.

Em seguida, o lutador Ricardo Mello pareceu sacramentar a derrota indiana ao bater o número um deles, Somdev Devvarman – que teve sucesso no tênis universitário norte-americano e vem ganhando boas posições no ranking da ATP nas últimas temporadas. A partida também teve mais de quatro horas de duração e o brasileiro venceu em mais uma virada magistral, mostrando a superioridade do time do Brasil.

Rohan Bopanna é carregado pelos colegas de equipe após a vitória no quinto jogo, que selou a classificação da Índia para o Grupo Mundial


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De derrotada no primeiro dia, a equipe indiana se revigorou, especialmente após o abandono de Bellucci no quarto jogo. No fim, Mello não conseguiu segurar o ímpeto de Bopanna, que se tornou o herói nacional e levou a Índia ao Grupo Mundial

Mello Bopanna
Fotos: Marcelo Ruschel / Poapress
Soares e Melo Paes e Bhupathi

Sem grandes nomes para as partidas de simples, único “ponto certo” da equipe indiana era nas duplas, com os experientes Leander Paes e Mahesh Bhupathi, que confirmaram o favoritismo e venceram com facilidade

MAU PRESSÁGIO
Com 2 a 0, a volta ao Grupo Mundial em 2011 parecia mais do que certa. Já estávamos fazendo as contas e vendo os outros resultados do Play-off para ver contra quais nações poderíamos cair no próximo ano. No sábado, contudo, a dupla de Bruno Soares e Marcelo Melo, que, ao contrário de 2009 contra os irmãos Lapentti, não tinha muita pressão por vencer, quase não ofereceu resistência aos experientes Mahesh Bhupathi e Leander Paes. Até aí, tudo bem. Nada fora do previsto. Bastava uma vitória nas simples, em que éramos amplos favoritos, e tudo estava decidido.

O domingo abriu com Bellucci enfrentando Devvarman. Não era difícil perceber que a categoria do brasileiro era muito maior do que a do indiano e que, assim que quisesse, Bellucci assumiria o comando do jogo e definiria a partida. No entanto, o primeiro set se arrastou e quando parecia que o brasileiro ia finalizar, subitamente notou-se que ele já não se movia adequadamente na quadra e realizava as jogadas sem planejamento. Ainda assim ele segurou até o tiebreak. Mas, já se via que algo estava muito errado com Bellucci e ele perdeu a parcial. Na volta do segundo set, o número um do Brasil chamou atendimento médico e aí o fim do jogo pareceu questão de minutos. Isolando as bolas, Bellucci teve dois saques quebrados e desistiu da partida com 4/0.

De repente, a batata quente foi para o colo de Mello. Com ânimo revigorado após o improvável empate da Índia, Bopanna, que havia jogado as mesmas 4 horas e meia de tênis que Bellucci na sexta, entrou em quadra para trucidar o oponente. Jogando solto, disparando winners de todas as posições possíveis, quase não deu oportunidade para Mello se encontrar. No fim, amargamos mais uma derrota daquelas difíceis de engolir, das que sempre vamos buscar culpados.

Devvarman Bellucci


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Fotos: Marcelo Ruschel / Poapress

HISTÓRIA PARALELA
Por Christian Burgos

O ser humano, consciente ou inconscientemente, busca as razões de seus fracassos, e mais o faz quanto maior importância e significado estes carreguem. Se por um lado isso nos obriga a revisitar muitas vezes nossos piores momentos, por outro nos possibilita evoluir e estar mais bem preparados para o futuro. É lugar comum apontar como a Copa Davis é uma competição muito especial, uma das raras oportunidades para um tenista brasileiro defender as cores de seu país, e a única vez em que faz isso em equipe.

Certamente você já ouviu comentários de que fulano é jogador de Davis e que beltrano não é, e isso não tem a ver com vencer, mas jogar para vencer, como apontou Emilio Sánchez em Chennai: “O importante é jogar, estar comprometido e atuante, positivo e ativo na partida. A partir daí se pode ganhar ou perder”.

Este confronto Brasil e Índia proporcionou inúmeras possibilidades de análise, avaliação e oportunidades de crescimento. Nesse momento, gostaria de ser um jornalista indiano, pois contaria a façanha histórica de uma equipe que estava sepultada no primeiro dia do duelo, e que teria na partida de duplas, liderada por Leander Paes, sua única vitória previsível. Mas, no domingo, os deuses indianos fariam com que o sol derrotasse o forte adversário Bellucci, e iluminariam Bopanna para que, com sua vitória sobre Ricardo Mello, se tornasse um herói do tênis indiano.

A verdade é que, como imprensa brasileira de tênis, nos cabe ao mesmo tempo assumir que torcemos por nosso país e seus jogadores, cumprir nossa obrigação primordial de informar nossos leitores e, ao mesmo tempo, tentar contribuir para o crescimento do tênis nacional. Neste momento, é vital analisar o ponto crítico do confronto, quando nosso jogador número um, sentindo-se mal, abandona a partida e dá o segundo ponto aos indianos. E como isso poderia ser diferente...

Além de recuperar a confiança da equipe indiana, esse fato pegou de surpresa o time brasileiro, que adormecera na sexta-feira no Grupo Mundial, tamanha a impossibilidade de prever o desastre que se aproximava. Estava 4/0 no segundo set e Mello – no vestiário e desaquecido –, ainda esperava cerca de hora e meia para o fim da primeira partida, quando a direção do torneio avisou que estivesse pronto e em quadra em menos de 20 minutos para iniciar o último e agora decisivo jogo do confronto.

Isso poderia ser evitado se nosso número um tivesse uma melhor preparação mental? Se estivesse melhor fisicamente? Se não estivesse tão quente e úmido? Se não tivesse sido escalado? Ou até mesmo se tivesse sido instado a não abandonar a quadra? Podese imaginar tudo isso, mas, naquele momento, era tarde demais para tomar essas decisões. Só que não era tarde para que a estratégia de equipe fosse a base da tomada da decisão.

Um atleta tem o direito de passar mal e encontrar-se impossibilitado de vencer por não se sentir bem, mas a maneira como essa decisão é implementada poderia ser realizada de forma a minimizar seus prejuízos. Mello poderia ter sido poupado da surpresa e do despreparo por falta de aquecimento. Poderia ter sido diferente, se Bellucci, sentindo-se mal, tivesse combinado a desistência com o técnico brasileiro, João Zwetsch, e estendido seu sofrimento para ganhar tempo para a preparação de Mello.

E se essa preparação fosse feita rápida e sigilosamente, poderia tornar-se um contraponto ao ganho de confiança indiano, pois assim poderíamos ter Mello melhor preparado física e mentalmente do que Bopanna, e portanto, com mais chances de vencer o futuro herói indiano.

E por que isso não aconteceu? Pela diferença entre os confrontos da Copa Davis e os desafios do dia-a-dia dos tenistas, a diferença entre atuar sozinho e em equipe. Talvez porque seja muito difícil lutar contra um comportamento que exceto na Davis, não é uma fraqueza, mas, sim, uma força. O pensamento e a ação individual é uma poderosa arma do jogador de simples no circuito mundial. A habilidade de encerrar-se em sua própria pessoa na busca pela vitória.

Na Davis, por outro lado, deve prevalecer o espírito de equipe sobre o individualismo. E conseguir instalar esse “drive” na cabeça dos jogadores se mostra um desafio crucial. Num confronto de Davis, trabalhar com a estratégia de equipe é uma prioridade, logo atrás do espírito de luta em nome da bandeira brasileira.


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RESULTADOS
Brasil 2 x 3 Índia
Local: SDAT Tennis Stadium, Chennai, Índia
Thomaz Bellucci (BRA) v. Rohan Bopanna (IND) 6/7(2), 7/6(7), 7/5, 4/6 e 10/8
Ricardo Mello (BRA) v. Somdev Devvarman (IND) 4/6, 6/2, 6/7(3), 6/2 e 6/4
Mahesh Bhupathi/Leander Paes (IND) v. Marcelo Melo/Bruno Soares (BRA) 6/4, 7/6(5) e 6/1
Somdev Devvarman (IND) v. Thomaz Bellucci (BRA) 7/6(4), 4/0 e desistência
Rohan Bopanna (IND) v. Ricardo Mello (BRA) 6/3, 7/6(2) e 6/3
Arnaldo Grizzo E Christian Burgos

Publicado em 27 de Setembro de 2010 às 08:43


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