Líder do ranking, a melhor e mais completa tenista da atualidade, no auge da forma, de repente, Justine Henin decidiu que não quer mais competir e vai ser feliz também fora da quadra. O tênis, porém, fica triste sem ela
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Há um ano, a vida de Justine Henin mudava. O terceiro título em Roland Garros era importante para alegrar a vida da belga, mas não era só o sucesso dentro da quadra que a deixava alegre. Nove anos após ter saído de casa para morar com o namorado, ela havia se reconciliado com a família. Seu divórcio de Pierre-Yves Hardenne (com quem casou em novembro de 2002) e um grave acidente de carro com o irmão mais velho, David, fizeram com que a reaproximação fosse possível. Henin, que sempre fora extremamente reservada e focada no tênis, esboçava, enfim, um sorriso.
Mais tarde, durante o US Open, a belga se mostrava cada vez mais à vontade com os fãs e com a imprensa, demonstrando uma simpatia fora do comum. A campanha do bicampeonato no Grand Slam norte-americano foi marcada pelo bom humor de Henin, que se dizia feliz como nunca. No fim do ano, ela ainda venceu o Masters feminino para se garantir como número um do mundo.
Tudo parecia ir extremamente bem até maio deste ano. Apesar da derrota para Maria Sharapova nas quartas do Australian Open, os títulos em Sydney e Antuérpia a mantiveram no topo do ranking. No início da temporada de saibro, ela perdeu para Dinara Safina no torneio de Berlim, uma surpresa até certo ponto, mas não do tamanho da que viria dois dias depois. Em 14 de maio, a número um do mundo convoca uma entrevista coletiva em Limelette, na Bélgica, e anuncia a aposentadoria aos 25 anos (ela completaria 26 em 1º de junho).
Por quê? “Não preciso de uma competição para ser feliz. Não tenho mais necessidade de jogar diante de milhões de pessoas. Não preciso disso para ser verdadeiramente feliz. Só tenho necessidade de ser eu mesma”, revelou Henin. “É preciso coragem. Foi uma decisão corajosa. Não é fácil se aposentar quando se é número um, quando se ganhou tanto. Não tenho nenhum arrependimento na minha carreira. Deixo o tênis com um grande sorriso, com muita alegria, porque o tênis me deu muito. Talvez dentro de seis meses eu tenha algum arrependimento. Em todo caso, para mim, é um bom momento de partir”, avaliou.
Número um
Anunciada a decisão, Henin pediu para que seu nome fosse retirado do ranking. “Não quero mais ver meu nome na lista”, afirmou a belga, que agora pretende se dedicar ao que ela chamou de “vida após o tênis”. Justine possui uma fundação de ajuda a crianças com câncer, a “20 Coers” (Vinte Corações – que, em francês, forma um parônimo como a palavra vainqueurs, que significa vencedores), um clube e uma academia de tênis em Limelette. Ela e, especialmente, seu treinador, o argentino Carlos Rodriguez, pretendem se dedicar a formação de novos tenistas. Tanto que uma nova sede da academia está prevista para ser aberta em Orlando, nos Estados Unidos, em setembro.
Perto de seu 26º aniversário, Henin voltou a conceder uma coletiva, desta vez em Roland Garros, onde reiterou sua decisão. Ao contrário de Guga, ela não fez questão de jogar uma última partida na quadra central do Aberto francês, nem mesmo de treinar ou o que seja. Para ela, as boas memórias dos anos anteriores já bastavam. A trajetória da menina que nasceu em 1 de junho de 1982, na pequena cidade belga de Liege, estava completa.
Filha de José e Françoise, a menina se mudou, aos dois anos, com a família para Rochefort, a poucos metros do tênis clube local. Com isso, aos cinco, a garotinha já passava as férias de verão dentro da quadra. Além do tênis, a jovem também praticava futebol. Aos 10 anos, Françoise levou a filha a Paris para assistir Roland Garros. Justine viu a alemã Steffi Graf, o modelo que ela seguiria, ser derrotada por Monica Seles na final, em uma partida história, decidida em 10/8 no terceiro set. Foi quando a pequena virou para sua mãe e disse: “Um dia vou jogar aqui e vou vencer”.
Dois anos depois, entretanto, a mãe de Henin morreu de câncer. “Pensei que o tênis tivesse acabado. Não estava encontrando mais razão para jogar. Durante dois ou três anos, não me sentia feliz e nem via razão em competir. Então pensei que minha mãe não gostaria de me ver daquele jeito. Mesmo agora, penso nela constantemente. Daria todos os meus troféus e meu dinheiro para ter minha mãe na minha vida agora”, lamentaria a belga tempos depois.
Por volta dos 14 anos, a jovem encontrou o argentino Carlos Rodriguez, que se tornaria o seu treinador e, mais do que isso, um grande amigo – um segundo pai –, até o fim. Ele esteve ao lado de Justine quando as desavenças entre ela e o pai tornaram-se insuportáveis e a belga resolveu sair de casa para morar com o namorado Pierre (o relacionamento era mal visto pelos familiares), aos 17 anos, em 1999. Segundo Henin, a família estava tomando as decisões que deveriam ser somente dela e a pressão em casa era enorme. E era apenas o começo de sua carreira profissional.
Nesta época, a garota já era uma grande promessa, pois, dois anos antes, enquanto o mundo reverenciava o primeiro título de Gustavo Kuerten na França, Henin também vencia o torneio juvenil de Roland Garros. Ao final de 1998, a belga já tinha cinco títulos em eventos profissionais e estava dentro top 300. Em 1999, há duas semanas de seu 17º aniversário, ganhou convite para a chave principal do WTA de Antuérpia e não decepcionou. Venceu quatro top 100 para ficar com seu primeiro título de WTA. Duas semanas depois, Justine furou o qualifying de Roland Garros. Na chave principal, foi até a segunda rodada, quando caiu diante da norte-americana Lindsay Davenport. O resultado a colocou pela primeira vez no grupo das 100 melhores.
A vez das belgas
Apaixonada em 2003, Henin se separou em 2007 |
No entanto, a ascensão da belga começou mesmo em 2001. Logo nas duas primeiras semanas do ano, dois troféus: Gold Coast e Canberra. Em Roland Garros, foi à semifinal, só parando em Kim Clijsters, que também deixaria o tênis precocemente. Apesar de compatriotas, as duas não nutriam grande amizade e chegaram até mesmo a ter algumas rixas. Apesar de se respeitarem, suas personalidades opostas impediram uma maior união entre elas fora das quadras. Dentro, Henin levou a melhor com 12 a 10 no retrospecto geral. E, mais importante, venceu cinco dos sete duelos em Grand Slams. Mesmo com a derrota para Clijsters em Paris, Justine entrou pela primeira vez no top 10. Poucas semanas depois, a pequena belga ficaria com o vice em Wimbledon ao perder para Venus Williams.
Depois de uma temporada boa em 2002, com cinco títulos, Henin estava pronta para estourar. Em 2003, conquistou Roland Garros, derrotando Cljisters na final. Foi o primeiro título de Grand Slam para a Bélgica. No US Open, veio o segundo, e de novo diante da compatriota. O ápice veio em 20 de outubro. Depois de vencer o torneio de Zurique, Henin apareceu pela primeira vez como a número um.
No ano seguinte, ela começou com tudo. Venceu o Australian Open, novamente derrotando Clijsters na decisão. Porém, teve altos e baixos na seqüência devido ao cytomegalovirus, que causa a mononucleose. Com isso, perdeu grande parte da temporada de saibro e Wimbledon. Sem jogar desde maio, mas ainda na liderança do ranking, voltou para as Olimpíadas, em Atenas, e ganhou o ouro. Tentou o US Open, mas perdeu para Nadia Petrova nas oitavas e deu adeus ao topo da lista (ela não retomaria a ponta até novembro de 2006).
Enquanto se preparava para a temporada de 2005, fraturou a rótula do joelho e só voltou a jogar em março, quando completou seis meses longe das quadras. Mesmo assim, chegou forte a Roland Garros, pois havia conquistado os títulos de Charleston, Varsóvia e Berlim antes de Paris. Como a 10ª cabeça-dechave, passou por Svetlana Kuznetsova, Maria Sharapova e Nadia Petrova antes de atropelar a francesa Mary Pierce na decisão, por duplo 6/1. Ao todo, foram 25 vitórias no saibro e nenhuma derrota. Mas, logo em seguida, mais uma vez voltou a sofrer com contusões e pouco jogou no segundo semestre.
No início da temporada 2006, os problemas de Henin pareciam ter sumido. Ela venceu o torneio de Sydney e após derrotar Sharapova na semi do Aberto da Austrália, disse que estava no auge de sua forma física e jogando o melhor tênis da carreira. No entanto, abandonou a final contra Mauresmo após perder o primeiro set, com dores no estômago. Era a primeira mulher a desistir de uma final de Grand Slam na Era Aberta. Com isso, as questões sobre a fragilidade da saúde da belga ressurgiram.
A incerteza, porém, foi dissipada em Roland Garros. Sem perder sets, Henin conseguiu o tri em Paris. Em Wimbledon, a belga chegou perto de conquistar o título. Venceu o primeiro set da decisão contra Mauresmo, mas a adversária estava inspirada e destruiu seu sonho. O resultado se repetiu no US Open, quando levou duplo 6/4 de Sharapova na decisão. Mesmo assim, ela se tornou a primeira mulher em 10 anos a alcançar as finais de todos os Grand Slams em uma temporada. Por fim, o troco contra Mauresmo e Sharapova veio no Masters. Derrotou a russa na semi, a francesa na decisão e garantiu o número um ao final do ano.
Feliz de novo
Entretanto, após uma temporada maravilhosa, Henin começou 2007 desistindo do Australian Open. Alegou razões pessoais. Muitos jornais belgas afirmaram que ela estava se divorciando, o que foi confirmado semanas depois. Mas, o que poderia ser um problema, não foi e, de 14 torneios que disputou na temporada, ela ficou com 10 títulos. Solteira novamente, Henin encontrou apoio na família. Depois que seu irmão mais velho quase morreu em um acidente de carro, a belga voltou a entrar contato com seus familiares. Tanto que os irmãos (David e Thomaz) e sua irmã (Sarah) acompanharam a belga pela primeira vez em sua carreira durante seu quarto título em Paris.
Em Wimbledon, perdeu mais uma vez a chance de completar seu “Grand Slam” ao ser derrotada de maneira surpreendente pela francesa Marion Bartoli na semi, depois de superar Serena Williams nas quartas. Porém, meses depois, uma sorridente Henin viria a Nova York para ficar com seu sétimo e último título de Major na carreira. Lá, ela enfim mostrava que podia desfrutar do circuito e revelou que se sentia muito mais aberta e próxima dos fãs. No fim do ano, com o troféu do Masters, a belga se tornou a primeira mulher a conquistar mais de US$ 5 milhões em uma temporada, passando a marca de US$ 19 milhões, e assumindo o quinto posto entre as tenistas mais ricas da história.
Neste ano, tudo parecia que ia seguir a mesma trilha na vida de Henin. No entanto, logo no início da temporada de saibro, ela decidiu parar. A decisão surpreendeu a todos, inclusive o suíço Roger Federer – com quem ela foi muitas vezes comparada –, que fez questão de elogiar a belga: “Henin era especial. Jogava bem em todos os pisos e era ainda mais notável por ter baixa estatura em um esporte em que ser mais alto ajuda”. Quem concorda com ele é Billie Jean King: “Justine foi a melhor de sua época. Acredito que a decisão não foi fácil e desejo que ela tenha sucesso. Ela foi uma extraordinária jogadora, uma ótima pessoa e uma verdadeira campeã no tênis e na vida”. E quando pediram a Serena Williams para descrever a carreira de Henin, ela mostrou respeito e admiração: “O que a gente pode falar sobre uma grande campeã? Acredito que não temos tempo suficiente”.
Justine Henin nunca foi a mais bonita, nem a mais forte ou a mais simpática, mas sempre garantiu um show de técnica e habilidade em quadra. Ela sabia jogar no ataque e na defesa. Ao contrário das suas colegas, conhecia o slice, batia o backhand com apenas uma mão – seu golpe mais belo e eficiente – e subia à rede para definir os pontos. Henin era única no circuito feminino. Em uma época em que a moda é bater cada vez mais forte na bola, ela era a exceção. A sutileza, o toque, a plástica eram o seu diferencial. Mesmo diminuta e franzina (1,67m e 57kg), a “pequena notável” também era capaz de disparar golpes potentes, jogando de igual para igual contra qualquer uma das grandalhonas. Dentro de quadra as adversárias não lhe assustavam, fora ela pretende encarar novos desafios, não como tenista, mas como mulher.
Justine Henin Altura e peso: 1,67m e 57kg Empunhadura: destra, com esquerda de uma mão Carreira: entre janeiro de 1999 e maio de 2008 493 vitórias e 107 derrotas Ranking: 1º (por 117 semanas) Títulos: 41 de simples e 2 em duplas Premiação: US$ 19,461,375 Grand Slams: Roland Garros em 2003, 2005, 2006 e 2007; o US Open de 2003 e 2007 e o Aberto da Austrália de 2004 |
Publicado em 2 de Julho de 2008 às 13:52