Para ele, não falta exemplo, nem apoio. O problema do nosso têniscompetitivo está na base e é isso o que precisa ser trabalhado se quisermosum dia voltar a ter tenistas de destaque no cenário internacional
FALTA EXEMPLO PARA SEGUIR? Não. Tivemos o número um do mundo. Falta apoio? Também não. Jovens talentosos têm a estrutura que precisam em diversos centros atualmente. Então por que o tênis brasileiro está estagnado? Para José Salibi Neto, CKO (Chief Knowledge Officer, algo como diretor de conhecimento) da HSM - a principal empresa no mundo em programas de educação executiva -, o que falta é trabalho de base para que esse "talento" surja realmente.
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Antes de ser um empresário de sucesso, Salibi é um grande idealista. Tenista juvenil de destaque no fim dos anos 70 e começo de 80 - da mesma geração de Cássio Motta ("Se quiser colocar na entrelinha, ele era meu freguês", garante), Celso Sacomandi, Hugo Scott -, ele deixou de lado o tênis profissional para se formar nos Estados Unidos. Com a experiência que adquiriu na universidade e também no esporte, não só montou um negócio inovador, como resolveu dar de volta ao tênis um pouco do que o tênis havia lhe proporcionado.
Foi através de sua habilidade com a raquete e a bolinha que ele ganhou bolsa para cursar a faculdade nos Estados Unidos. Depois, dando clínicas, juntou dinheiro para o mestrado lá fora também. Com os contatos obtidos no tênis, arrumou o primeiro apoiador da HSM. Por tudo isso, Salibi tenta retribuir ajudando jovens a conseguir bolsas no exterior, arrumando patrocinadores para tenistas promissores e, principalmente, sempre buscando soluções para o esporte aqui.
Sempre cercado das principais cabeças pensantes do mundo dos negócios, o CKO da HSM acredita que o problema do tênis competitivo brasileiro atual está na falta de um verdadeiro e eficiente programa de base. Para ele, nossas crianças estão completamente desamparadas quando começam a jogar e aprendem de modo errado. Para consertar isso, é preciso que profissionais competentes assumam essa responsabilidade e os clubes são o melhor lugar para trabalhar a formação.
Este é o estandarte que Salibi - reconhecido no meio como um admirável mecenas do tênis nacional - sustenta agora: a volta do tênis aos clubes. Há anos, ele colabora como pode, seja atraindo investidores como Jorge Paulo Lemann - um dos maiores empresários do mundo -, seja ajudando a criar centros de excelência como o CT Amil no Rio de Janeiro - o maior da América Latina -, seja aconselhando os jovens dentro e fora da quadra, pois, mesmo com o joelho ruim (tem uma lesão crônica), ele gosta de soltar uns drills para seus protegidos. Salibi faz a sua parte e cobra atitude de todos os envolvidos no processo, especialmente seus colegas extenistas. A história e as idéias dele, você confere a seguir.
" Todo mundo falava que faltava patrocínio. Não, dinheiro tem para todo mundo, falta talento. Diziam que faltava um top 10, tivemos um número um do mundo,
e quando ele saiu, deixou o tênis pior do que quando entrou."
Como foi o primeiro contato com o tênis?
Minha mãe queria que eu jogasse vôlei, porque, há 60 anos, ela foi da Seleção Brasileira de vôlei. Tanto que cheguei à Seleção Paulista infantil. Nos meus 11, 12 anos, meu vizinho me levou para o clube Alto de Pinheiros, me deu uma raquete e saí jogando no primeiro dia. Aí, fiquei alucinado pelo esporte. Sempre fui meio obcecado por tudo o que fazia e resolvi treinar forte. Meus pais não podiam pagar professor, então tive que me auto-ensinar. Ia para aula dos outros, ficava vendo o professor ensinando, ia para o paredão e tentava fazer igual. A primeira vez entrei com um professor na quadra foi com 18 anos, com o Mário Perez, no Harmonia. Foi minha primeira aula formal.
Mas como você treinava?
Ia para o clube e pegava gente para jogar. Batia paredão. Aliás, um grande amigo meu era o paredão. E procurava aperfeiçoar. Teve época que não saía do clube sem ter jogado nove sets pelo menos. Então, evolui muito rápido, mas, meio na marra, sem muita técnica.
Qual era sua expectativa com o tênis?
Meu desejo era ser o melhor do mundo. Você tem que ter ambição. Mas, naquela época, o tênis profissional estava começando a engatar, não tinha tantos Futures, essas coisas. Então, era arriscado demais, porque vim de uma família simples de classe média. Patrocínio era uma coisa que nem se falava. Então, meu sonho era estudar nos Estados Unidos e jogar. Porque via que a quantidade de tenistas profissionais que saíam de universidades americanas era muito grande.
Como foi o seu processo para ir estudar nos Estados Unidos?
No braço. Não tive muita orientação. Só uma pessoa, o Alcides Procópio Junior escreveu uma carta para o técnico da Universidade Estadual da Flórida, me recomendando. Eu era número dois juvenil do Brasil de simples e um de duplas, mas fui para lá sem falar inglês, sem dinheiro. Fui com uma raquetinha, boa vontade e persistência. Sofri muito. O primeiro teste que fiz no Toefl foi talvez o score mais baixo que já teve na história. E tive três meses para aprender inglês para passar no próximo. Se não passasse, tinha que voltar para o Brasil. Dormi no chão do dormitório de um dos garotos do time, escondido. Com o único dinheiro que tinha (US$ 250) comprei, por 50 dólares, um livro de gramática enorme e fui estudando sozinho. Fui fazer a prova e passei por dois pontos. Aí mudou muito minha vida, porque ganhei a bolsa. Mas fui sem total orientação. Tanto que depois falei: "Um dia vou montar um esquema para que jovens que queiram ir não precisem passar pelo que passei".
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E como foi depois da universidade?
Acabei a faculdade e tentei jogar um pouco de tênis. Mas ainda bem que meu joelho foi para o beleléu. E meu pai faleceu naquela época. Então, aconteceram duas grandes coisas que me abalaram muito. Falei: "Bom, preciso encurtar o caminho e uma maneira de dar um loop na minha carreira é fazendo mestrado". Fui dar aula de tênis no Centro Paulista. Durante um ano e meio, dei 14 horas de aula por dia, inclusive sábado, para juntar dinheiro e pagar o mestrado em administração internacional na Universidade da Carolina do Sul, o segundo melhor do mundo.
E como surgiu a HSM?
Logo depois do mestrado, eu e o Harry Ufer (amigo da época da faculdade), decidimos usar os princípios daquela obsessão do tênis para alguma outra coisa. E a gente aplicou o que aprendeu, de forma mais madura, em um negócio. Aí começou a HSM. A idéia foi trazer o melhor da informação gerencial do mundo através de seminários para o Brasil, para empresários.
" Enquanto não profissionalizar a gestão, fica muito mais difícil. Na USTA (federação norte-americana) ninguém trabalha de graça. Só aqui o
pessoal acha que tem que trabalhar de graça."
Como o tênis ajudou a HSM?
No começo, a gente não tinha dinheiro. Então, dávamos clínicas para executivos, com palestras de analogia do tênis com o mundo dos negócios e cobrávamos caro. Além disso, dava aula à noite na quadra do pai do Fernando Gentil. Ele me recomendou para várias pessoas da alta sociedade. Acabei virando professor das celebridades, que me dava um dinheiro bom e eu botava na empresa. Fora que, através do tênis, tivemos contato com nossos primeiros patrocinadores. Fui o primeiro Head Pro da clínica do Carlos Goffi, um dos grandes técnicos americanos, que descobriu McEnroe. Trabalhava durante 3, 4 semanas, juntava dinheiro e saía viajando pelos Estados Unidos para contatar os palestrantes. No começo, ninguém queria fazer palestra, porque via um garoto de 26 anos, sem dinheiro, sem nada. Aí, fui convidado para passar o fim de semana na casa de um aluno, o Pierre Loeb. Lá estava o Ronald Winston, um dos maiores joalheiros do mundo. Não sabia quem ele era. O Loeb me botou na quadra com ele e, em uma aula, fiz o cara jogar tênis. Ele disse: "Isso é impressionante, você devia usar esse talento em algum negócio". Falei: "Eu tenho um negócio". Apresentei e ele foi o primeiro patrocinador.
E de onde veio seu plano atual para ajudar o tênis brasileiro?
Quando jogava, as pessoas falavam que o tênis brasileiro não ia para frente porque não tinha patrocínio. Aí, a HSM começou a crescer, comecei a ter contatos mais interessantes e falei: "Vou ajudar a trazer dinheiro para o tênis". O Meligeni conseguiu, através dos contatos, um patrocínio. E, através de uma iniciativa minha, começou o negócio da Amil que hoje é o maior centro de tênis da América Latina. Ajudei o Jorge Paulo a se interessar em desenvolver o tênis, que acabou virando o Instituto Tênis, onde outras empresas também ajudam. O ponto é que tive um papel importante nessa concepção de trazer dinheiro. Então, hoje, se o cara joga bem, ele tem dinheiro. Para talento, não falta dinheiro. Enfim, procurei sempre ajudar a trazer dinheiro, mas não adiantou.
Qual era o problema então?
Aí, falavam que não tinha jogador bom porque faltava um top 10. O que aconteceu? O Guga é um caso para doutorado, porque ele está deixando o tênis pior do que quando entrou. Quando entrou tinha Mattar, Meligeni entre os 100 do mundo. Guga saiu e não tem ninguém. Veja a Argentina. Eles têm oito homens entre os 100 e mais oito entre os 200. A Rússia tem 12 mulheres entre as 100. E cinco homens entre os 100. A diferença não é simplesmente o fato de estar entre os 100 do mundo, mas o fato de como eles jogam tênis. O jeito de eles jogarem é muito superior ao nosso. Os nossos tenistas são esforçados, mas, se pegar a bola e comparar, é outro peso. Onde está o grande diferencial? Lá embaixo. Eles aprendem a jogar direito, têm uma escolinha de tênis muito poderosa. O pessoal que ensina é da maior qualidade. Para produzir bons jogadores, precisa ter uma escola séria. Essa falta de foco na base, na escolinha, nos clubes, é o que está permanentemente matando o tênis brasileiro. Não conheço hoje um lugar no Brasil em que se possa dizer que temos uma escolinha de primeira qualidade. Aqui cada um joga de um jeito. Os argentinos têm um padrão. Os espanhóis também. Os nossos não, porque atrás não fizemos o que tínhamos que fazer.
As crianças estão aprendendo errado?
Se você não aprende direito, o máximo que consegue é aperfeiçoar o que estava errado, que é o que acontece no tênis brasileiro hoje. Em nenhum lugar estão fazendo um trabalho sério com base. Agora começou. Harmonia, Pinheiros e Alphaville Tênis Clube estão finalmente entendendo. Mas vão começar ainda. Até dar resultado, vai demorar. Chamei a atenção para isso faz muitos anos e ninguém quis fazer, porque dar aulinha para criança de seis anos não é uma coisa que atrai muito os técnicos. Mas, por outro lado, se você não fizer, não vai ter jogador. Então, você tem falta de tenista? Não. Tem milhares de garotos hoje aprendendo a jogar errado.
Falta envolvimento dos ex-tenistas?
Totalmente. Vamos tentar explicar o Guga. Todo mundo falava que faltava patrocínio. Não, dinheiro tem para todo mundo, falta talento. Diziam que faltava um top 10, tivemos um número um do mundo, e quando ele saiu, deixou o tênis pior do que quando entrou. Não adianta culpar a CBT. O Guga vem de uma base poderosa e isso ninguém entende. Todo mundo associa Guga e Larri. Mas antes de Larri teve um trabalho de nove anos feito pelo Carlos Alves, que é o cara que mais entende de formação básica de jogador no Brasil. Os golpes do Guga foram feitos lá trás. Aí, dos 15 até os 19, o Larri treinou o Guga de graça. Então, não olharam esse processo. Nos primeiros nove anos ele ficou num clube jogando futebol, nadando, virando atleta. Não apareceu do nada. Quando ele virou número um, apareceu a famosa ganância brasileira: todo técnico queria ter um Guga também. Só que ninguém entendeu que teve 14 anos de ralação para fazer o Guga. Os caras não vêem isso. Então, o trabalho de base, o clube, de onde vieram os tenistas, foi abandonado. Todo mundo abriu academia, porque a demanda foi muito grande. O clube ficou deteriorado, as academias ficaram entupidas de gente, só que treinando pouco. Essa ganância e o abandono do pouco que a gente tinha nos clubes acabaram com o nosso tênis.
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E como se recupera isso?
Primeiro entendendo o que aconteceu, que nossa base foi abandonada e que você tem que voltar para os clubes, porque lá se formam atletas. Guga é uma coisa feita lá embaixo, lapidada com carinho, sacrifício e ideologia. Isso é outra coisa que nossos técnicos perderam completamente. Se você pegar os 100 melhores do mundo, boa parte deles veio de classe média baixa. Ou seja, não pode pagar o professor de tênis. Então, quem tem que estar por trás de um cara desses? Alguém com muita ideologia.
Recortes de jornal da época em que Salibi era destaque no tênis |
Mas como sistematizar um processo baseado em ideologia?
Primeiro tem que vir da pessoa. Acho que a ganância é um problema muito sério entre as pessoas envolvidas no tênis. Se você pegar os técnicos dos tenistas argentinos, todos são ex-tenistas. Pergunto: "Onde estão nossos ex-tenistas?" Tem muita gente no tênis, mas não no desenvolvimento do tênis. Todo mundo está vendo a situação, mas ninguém se doa um pouco. O mínimo que se podia fazer, na situação catastrófica que estamos hoje, é adotar um talento, não no sentido de pagar, mas de passar um conhecimento.
A diminuição do número de academias por causa da especulação imobiliária ajuda este plano?
Vamos dizer que isso vai ser bom para o tênis, porque ele está começando a voltar para os clubes, porque lá é o lugar de se fazer jogador de tênis. Pelo menos a base. É muito difícil que depois, com 14 anos, o clube seja o lugar. O tenista vai estar muito bem formado e aí ele vai para as academias, para onde quiser.
Mas o clube não é um ambiente hermético demais?
Pois, teoricamente não é de lá que vão sair talentos sem capacidade financeira... Alguns clubes estão voltando a ter mecanismos de militantes, em busca de talentos entre gente mais simples. Mas você tem inúmeros clubes na periferia que poderiam fazer um trabalho com as crianças de lá, o interior também.
Isso é um trabalho para quantos anos?
Com um trabalho forte, dentro de 6, 7 anos a gente vai começar a ver bons garotos jogando. Mas tem que ser uma coisa nacional, reativar os clubes. É preciso de gente que faça esse trabalho.
A inveja dos técnicos mata o nosso tênis?
O que mata é a ruindade em qualquer coisa, que provoca mediocridade. Quando você tem um tênis ruim, a mediocridade começa lá dentro também.
Quais os fatores positivos hoje para que esse plano siga em frente?
A consciência de que a base é o grande problema, já está disseminada. Os clubes também estão começando a melhorar. E dinheiro também não falta, o que falta é talento. E para ter talento você tem que formar. Tem a mídia. Nesse ano vamos ter 30 Futures no Brasil. Temos quadras que não acabam mais. Temos tudo para passar países como Argentina e Rússia. Temos muita coisa boa.
Qual o papel da CBT nisso?
É um motivador, catalisador de iniciativas. A CBT tem que captar dinheiro, ajudar os jogadores. E está fazendo, dentro das possibilidades. Mas tem um limite do que uma confederação pode fazer. Vamos dizer que, tendo uma confederação (forte), é ótimo. Tem que ter, mas não deve ser imprescindível. Tem que aprender a viver com e sem ela. A federação argentina de tênis sempre foi fraca e mesmo assim surgem talentos o tempo todo. Na Rússia, a mesma coisa.
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Se a CBT tivesse um patrocínio estatal, como no vôlei, ajudaria?
Acho ótimo, desde que seja aplicado no desenvolvimento do tênis. Não com fins políticos. Mas, mais importante que a CBT são as federações, porque as questões são resolvidas no local. Elas têm que estar alinhadas com a CBT. Agora a gente pode entrar em outra questão: para ter uma estrutura competente, você tem que profissionalizar. Nenhum cargo de diretor pode não ser remunerado. Enquanto não profissionalizar a gestão, fica muito mais difícil. Nas universidades norte-americanas todo mundo é pago. Na USTA (federação norte-americana) ninguém trabalha de graça. Só aqui o pessoal acha que tem que trabalhar de graça.
JOSÉ SALIBI NETO Nascimento Família |
Publicado em 7 de Maio de 2008 às 10:34