Instrução Técnica
Postura pessoal influencia diretamente no desempenho dentro das quadras
Foto: Ben Solomon/Tennis Australia
Quando muito se fala em crise na educação, no mínimo precisamos aceitar que estamos em meio a uma das mais radicais fases de transição no ensino, na educação e, é claro, no sistema de tratamento e condução disciplinar de jovens e crianças. No esporte, essas mudanças podem até não gerar preocupação, mas, ao menos, despertam muita atenção.
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Como obter resultados em alta performance com jovens tão cheios de opções de lazer, com tantos interesses diversos, com tantos apelos para a ociosidade e na fase mais multidisciplinar, questionadora e volúvel da humanidade?
Quanto podemos cobrar em termos de aplicação, disciplina, dedicação e comprometimento? Quanto podemos nos basear no que possa ter dado certo até hoje em todos os métodos de ensino e treinamento?
Bernardinho, técnico do vôlei medalha de ouro na Olimpíada do Rio 2016, mencionou a diferença de tratamento necessária para se obter resultados com os atletas do Rio em relação aos medalhistas de Atenas em 2004.
A disciplina, a obstinação, o comprometimento etc., já foram temas de grandes obras, literárias, de TV e cinema, como, por exemplo, em clássicos como Rocky, Kung Fu, Karatê Kid (recentemente refilmado) e Menina de Ouro, entre outros que contam histórias de alunos e seus mestres, de um comprometimento e do desejo puro e verdadeiro de se ensinar e aprender. Sempre alicerçados em regras, principalmente de disciplina e confiança.
Em um momento em que a tecnologia de “Guerra nas Estrelas” é “apenas atual” e os avanços dos Jetsons (desenho animado dos anos 1980), com suas esteiras rolantes e portas automáticas, são coisas de um passado já distante, certamente a disciplina mostrada em Kung Fu ou Karatê Kid estão para as novas gerações tão fora de moda quanto os velhos filmes de faroeste foram para nós.
Como seriam os atletas protótipos do futuro? Isso seria algo muito mais ousado de se descrever. Estamos diante de uma geração que faz alongamentos em frente ao smartphone, seguindo aplicativos específicos de exercícios, que controla a qualidade do sono com gadgets, que tem chipe nas raquetes para avaliar a qualidade das batidas, quantidade de efeito e até movimentos. Que de uma forma absolutamente caseira, dentro da quadra de tênis em tempo real, obtém uma qualidade quase profissional em emparelhar vídeos de suas próprias batidas com a dos seus ídolos e conseguem comparar e autoavaliar sua própria técnica. Como treiná-los? Como convencê-los de que há fatores tão importantes quanto a técnica e que necessitam de auxílio externo e de experiências?
Há quase 40 anos, os jovens avaliavam se encarariam a tradição “Kung Fu” de se identificar para sempre, com marcas tatuadas com ferro incandescente para receber os ensinamentos do templo Shaolin. Hoje, provavelmente não se submeteriam à espera da vaga no sol e chuva e nem ao ritual de chá, que demonstrava educação e importância ao respeito hierárquico.
Na primeira versão de Karatê Kid, o jovem discípulo Daniel Larusso passa dias encerando o chão da casa do mestre, depois pinta os muros e lava e lustra uma coleção inteira de carros antigos como exercício. Algo inconcebível hoje. Já na versão mais atual, colocar e tirar o casaco de um prego são o limite para demonstrar a disciplina e a vontade de aprender do aluno. Talvez um peso a mais ou uma tarefa mais difícil do que levantar e abaixar seu próprio casaco e o filme estaria fora da realidade para os dias atuais.
Foto: Ben Solomon/Tennis Australia
Assim, temos de ser cuidadosos com as intensidades, convincentes nas explicações sobre as atividades diárias e estar preparados para todo o tipo de questionamento, mesmo que alguns não façam sentido, e respondê-los com educação, precisão, inteligência e conhecimento de causa.
E o que seria tudo isso? O final dos atletas, dos astros do esporte ou uma fase de adaptação dos técnicos e treinadores a um novo ser humano e seus novos recursos?
Como seria o treinamento de um atleta profissional ou juvenil de alto nível nos dias de hoje, quais as qualidades a serem aproveitadas e impedientes a serem driblados?
Quanto mais nos aprofundamos, mais sabemos que o ser humano coloca suas vontades acima da própria inteligência, negligenciando sua própria saúde ou segurança. Lembrando que somos seres altamente sedentários e que enfrentamos uma concorrência pesada com a tecnologia moderna, temos que dar um passo à frente e readaptar nossos sistemas de trabalho e ensino e, quem sabe, de cultura, incluindo a esportiva.
Temos diante de nós um ser humano melhor, maior, mais inteligente, mais rápido, mas que, por outro lado, não gosta de ir e muito menos testar seus limites. Impregnado da lei do menor esforço, que tem médios feitos ignorados e um medo profundo de não atingir os feitos grandiosos a ponto de não tentar.
Em um discurso recente, um dos maiores pensadores brasileiros da atualidade, Leandro Karnal, colocou como fundamento para o trabalho e o sucesso, a ética. Ele aponta que, cada vez mais, o sucesso é creditado à sorte e às habilidades naturais e, lamentavelmente, não ao esforço, à dedicação e ao sacrifício. Ele usou como exemplo os pés de uma bailarina: o direito com sua linda e graciosa sapatilha de cetim e o esquerdo descalço com as unhas destruídas pelo esforço da prática, de horas e horas de sacrifício. Especificou que, no Brasil, as pessoas de sucesso são olhadas sem levar em conta o que custou esse sucesso. Ele declara que aprendeu e tem dito repetidamente que: “Jeito ou sorte, é o nome que todo vagabundo dá ao esforço dos outros...”. Concluindo, diz que, o esforço e o trabalho têm de ser retomados aos valores para que a ética brasileira volte a ser uma prática e não apenas uma preocupação.
E é exatamente isso que sentimos nas crianças e, mais ainda, nos pais também. O trabalho e esforço não são valorizados, mais do que nunca, os resultados já nem são o objetivo, e sim a condição. Talvez influenciados pelas crenças dos parapsicólogos nas “Crianças Indigo” (pessoas geralmente classificadas como possuidoras de habilidades sociais mais refinadas, maior sensibilidade, desenvolvimento profundo de questões ético-morais e que portariam personalidades peculiares que possibilitariam facilmente sua identificação relativamente a outras), a crença em uma capacidade criou um comodismo, como se tudo isso fosse acontecer naturalmente, quando, na verdade, pode ser absoluta realidade se interpretada como potencial de trabalho.
Já sabemos que os jovens, cada vez mais precocemente, acrescentam tarefas prioritárias a suas agendas de “adultos”, como os idiomas, terapias, programas sociais, aulas de reforço para as escolas cada vez mais difíceis e exigentes, deixando importantes aspectos como a educação propriamente dita, hábitos saudáveis e práticas esportivas em terceiro plano, buscamos entender e aprender a lidar com o ser humano do presente, sejam os atletas ou seus pais.
Na internet, podemos encontrar uma descrição de um outro grupo, chamado de “slacker generation”, ou geração preguiça. São descritos da seguinte forma: “Slacker generation” é uma expressão em inglês que significa geração da preguiça ou relaxada, uma variação do termo Geração X, muito usado na década de 1990, que denominava uma geração marcada pela apatia. Além de ser um termo usado para se referir a uma pessoa que não gosta de trabalho ou tenta escapar de serviços militares.
Seguindo os padrões comportamentais dessa geração, os slackers podem ter passado por problemas difíceis durante a infância, como separações familiares. Eventualmente, podem desenvolver depressão clínica. Costumam ser identificados como pessoas tímidas que são antimaterialistas, desastradas ou despretensiosas e podem se excluir socialmente de forma deliberada. Muitos também praticam uma procrastinação (hábito de deixar tudo para depois) excessiva.
Foto: USTA/Garrett Ellwood
Academicamente, podem ser considerados estudantes brilhantes, porém não se esforçam ou não conseguem evoluir com estudos ou responsabilidades excessivas. Alguns também não se preocupam muito com a aparência ou higiene, vivem desempregados e raramente têm relações amorosas duradouras, devido à dificuldade de engatar nos relacionamentos pela sua falta de “noção de espaço”.
Reconhecem essa “pessoa”? Se a educação se preocupa com essas diferenças, imaginem os esportes. E qual seria o protótipo do tenista/atleta de um futuro próximo?
Já identificamos que a altura ideal para os homens seria 1,88 m e, para as mulheres, 1,80 m. Que ser canhoto é uma grande vantagem para sacar. Temos informações até para escolher as fibras musculares e o tipo sanguíneo dos atletas que apresentam uma tendência maior a uma determinada preferência alimentar. Enfim, milhares de critérios de exclusão ou, se preferir, de inclusão à lista dos que, por razões A, B e C, não irão conseguir ser “fenômenos”.
A realidade brasileira aponta sempre para a mesma direção, que tem como quadro principal um processo de seleção muito mais circunstancial do que qualitativo, de forma que o atleta que o treinador gostaria de ver chegando às quadras de tênis dos clubes ou adentrando uma academia seria mais dotado de qualidades subjetivas do que de adjetivos. Quais qualidades?
Não de uma forma vaga, mas 100% sensível desde o primeiro contato, a educação, o respeito e as formalidades, sem nunca esquecer as hierarquias, são qualidades vitais para um bom relacionamento em médio e longo prazo, que ainda são os que produzem os melhores resultados, indiscutivelmente.
Foto: Ben Solomon/Tennis Australia
Uma educação livre de focos específicos, como as “autoridades” apenas, mas distribuídas em todos os níveis, abrem portões de clubes, da academia de ginástica, motivam os arrumadores de quadras, os pegadores de bolas, fazem a comida chegar quente à mesa, atraem para as mãos dos organizadores dos torneios as melhores bolas de treino para lhe entregar, aguçam seus ouvidos para solicitações de quadras, horários e até mesmo de dias de jogo, entre todos os aspectos do dia a dia, desencadeando boas reações nas pessoas que estarão próximas também.
Palavras e frases como: “Bom dia!”, “Boa tarde!”, “Boa noite!”, “Com licença”, “Por favor”, “Muito obrigado”, “Às ordens” etc., deveriam ser exercitadas diariamente à exaustão, assim como o preparo físico.
Com o excesso de facilidades e de opções, tudo parece muito normal para as crianças, e mais ainda para os adultos. Raras são as demonstrações de euforia e entusiasmo.
Como parte da educação, as crianças, jovens ou atletas deveriam lembrar-se que sua imagem atrairá um determinado nível e qualidade de energia, aplicação, dedicação e credibilidade dos que o cercam. Que mesmo aqueles que podem pagar bem por sessões de treino, podem comprar os serviços, mas não podem comprar o comprometimento e o desejo real dos melhores resultados.
Entusiasmo gera entusiasmo ou repele aqueles que não o tem. Novamente, disposição gera disposição ou, ao menos, seleciona grupos pela energia. Todos preferem bons grupos de trabalho, mas precisam fazer parte deles para merecer integrá-los.
É algo como uma escolha seleta, pensada e bem definida de uma atividade em um momento. Com a facilidade de não nos desligarmos de atividade alguma, é muito comum que estejamos todos ligados a várias ao mesmo tempo, direta e indiretamente. Focados em várias atividades e também dispersos para todas ao mesmo tempo.
Foto: Ben Solomon/Tennis Australia
Receber um atleta, como “antigamente”, uniformizado, com tênis adequado, material apropriado e devidamente atento à atividade que será realizada no atual momento, que chegue com uma antecedência mínima e que não precise sair voando ou muitas vezes antes do final completo da prática ou treino, é algo raro hoje. Seria o suprassumo do atleta, se for ainda alguém que não deixe os olhos escaparem para o smartphone entre uma pausa e outra do treinamento.
Novamente, a demonstração de respeito e comprometimento irão atrair respeito e comprometimento. A aplicação de atenção plena ou foco pode dobrar a capacidade de aprendizado e treinamento.
Este é hoje um dos calcanhares de Aquiles dos atletas. Com tantas atividades, tantas distrações, tantas opções e tantos compromissos, as falhas na organização ocorrem com facilidade. Um dos hábitos mais presentes na atualidade é o de acumular compromissos, ir a mais de uma festa na mesma noite, marcar mais de uma reunião na mesma tarde, treinar pensando no compromisso seguinte e, por outro lado, abandonar a atividade para correr para a outra, viver vagamente vários momentos desconectados no mesmo dia.
Um atleta que consiga se organizar, conseguirá treinar melhor do que os outros, estará sempre com seu material em ordem, terá bons parceiros de treino, poderá viajar e jogar, e ainda ter vários finais de semana livres para descanso e atividades sociais. Com muito pouco ou nenhum choque nos momentos realmente importantes que precisem de uma opção entre um e outro, ou uma escolha difícil de fazer.
A perversa frase “para ser atleta, tem que abrir mão de muita coisa” é falsa e, com certeza, foi inventada por um grande desorganizado - e, mesmo assim, torna-se base de paradigmas.
Seria a capacidade ou habilidade de cuidar de si mesmo, de seus pertences e responder literalmente por seus atos. Arcar com consequências de acertos e erros, respeitar regras, especialmente de segurança.
Um dos primeiros aspectos para a independência é o indivíduo entender que regras são feitas para serem cumpridas. Não viver no falso mundo particular que julga as regras e avalia quais seguir e quais burlar. Aceitar que o melhor é não viver sozinho e que para isso, a base serão regras e mais regras, ao menos de convivência.
Uma pessoa, e principalmente um atleta, deve entender que regras preestabelecidas servem ou têm a intenção de proteger A e B, do contrário não seriam regras ou leis, e não há erros no que está preestabelecido.
Quanto mais cedo um jovem atleta consegue se desvincular dos pais para julgar o cumprimento ou não de regras, mais cedo ele passa a viver melhor com a coletividade. Especialmente as crianças, que têm em seus pais a visão da razão e da verdade suprema (e lamentavelmente é assim que a maioria deseja), são extremamente dependentes, pois é neles que conseguem se apoiar para não cumprirem regras. Esses pais, por sua vez, veem-se no direito de julgar regras pré-estabelecidas como certas ou erradas.
No caso do tênis, que muitas vezes é jogado sem a presença de um árbitro, deve ser considerado um esporte para cumpridores de regras. A independência serve para que o ser humano possa ser tratado como indivíduo ou individual, como pessoa, que possa conviver por si só com outras pessoas e em diversos ambientes. Cuidar de si, dos seus pertences, dos seus espaços e dos limites deles também.
Este é um dos maiores objetivos da sociedade moderna, o equilíbrio entre os excessos e as abstinências, entre a explosão e a apatia. Base para a resiliência, o poder de trabalho e a capacidade de controlar suas vontades com as circunstâncias. O autocontrole é a essência da ponderação, do raciocínio lógico, o “botão” que liga e desliga o sucesso e o desastre.
Poderia ser relacionada à capacidade de resistir às próprias vontades e tentações. Conseguir manter rotinas bem definidas e bem pensadas. Respeitar horários, procurar manter uma alimentação adequada, hidratação, aplicação no aprendizado de novas técnicas e recursos.
Atletas disciplinados seguem mais facilmente planejamentos estratégicos e táticos e, com isso, colecionam muito mais facilmente grandes vitorias ou boas experiências.
No esporte, a disciplina deveria ter uma definição como: a inteligência em estar bem preparado, ser bem organizado e tirar o melhor proveito de cada momento sem prejudicar o outro.
O melhor atleta para ser trabalhado é aquele que escolhe seu médico, sua escola, seu treinador etc., com inteligência suficiente para confiar e buscar absorver o máximo dos seus ensinamentos e cuidados. Mais uma vez, entre tantas outras na história, a tese de que ter vários treinadores pode ser uma vantagem cai por terra. Indiscutivelmente, a fórmula do sucesso é o comprometimento, a confiança e o trabalho a longo prazo sem interferências.
Foto: Ben Solomon/Tennis Australia
Talvez seja querer demais trabalhar um atleta que ainda tenha uma boa cultura esportiva. Claro que isso está, na maioria das vezes, vinculado à família, mas principalmente os atletas adultos deveriam conseguir melhorar esse aspecto, pois será sempre a base de boas conversas ou duras discussões.
A base para uma boa cultura esportiva seria a valorização do esforço e da aplicação, e não do resultado. A inteligência em conseguir avaliar e valorizar a evolução pessoal de cada atleta em relação a si mesmo e não em comparação com outros.
Uma boa cultura esportiva proporciona uma visão mais clara e realista dos méritos nas vitórias e derrotas, da qualidade e aplicação na preparação, no reconhecimento de pressões e influências internas e externas. A boa cultura esportiva oferece mais tempo de preparação antes das cobranças e possibilita trabalhos de longo prazo de forma mais efetiva e prazerosa
Foto: Ben Solomon/Tennis Australia
Esta é, sem dúvida, uma qualidade subjetiva que merece um artigo inteiro devido à sua importância, assim como a questão da confiança, mas poderíamos fazer uma menção a alguns aspectos que podem contribuir muito com o processo. Forte é o atleta que possui em sua família uma torcida fiel e respeitosa, que não se projeta e nem busca satisfazer frustrações ou mesmo desejos baseados em seus resultados. Um grupo de pessoas em que ele possa trafegar livremente, sem máscaras e com expectativas realistas e, ao mesmo tempo, otimistas.
Publicado em 14 de Fevereiro de 2019 às 09:30