Instrução mental
Sair à frente no placar de um game (no saque ou na devolução) traz alguma vantagem?
Se você joga tênis, certamente já ouviu de seu professor ou de qualquer outra pessoa que o primeiro ponto de um game é muito importante. É senso comum que vencer o primeiro ponto lhe dá uma vantagem emocional, além da vantagem no placar obviamente, que faz com que você tenha maiores chances de conquistar aquela parcial. Mas será que isso é verdade mesmo?
Diversos sites têm feito levantamentos de dados sobre essa questão e os números, muitas vezes, divergem do que acreditamos ser verdade. Durante o torneio de Wimbledon do ano passado, por exemplo, estatísticos computaram dados de saque e devolução de Novak Djokovic, Roger Federer, Andy Murray e Stan Wawrinka até as quartas de final. Todos eles venceram, pelo menos, 98% dos games quando ganharam o primeiro ponto em seus saques. Quando começaram com 0/15, porém, as percentagens mudam bastante. Djoko venceu 84% dos games, Federer 100%, Wawrinka 94% e Murray “só” 60%.
Em um primeiro momento, analisando essas percentagens separadamente, podemos chegar à conclusão de que, sim, ganhar o primeiro ponto em um game é muito melhor. Mas, se pararmos para pensar um pouco e colocamos as percentagens lado a lado, vemos que a importância do primeiro ponto é bem menor do que imaginamos.
O cálculo é simples. Peguemos Wawrinka como exemplo. Quando ele venceu o primeiro ponto, ganhou 98% dos games em Wimbledon 2015, porém, quando perdeu, ganhou 94%, uma diferença de apenas 4%. Ou seja, para o suíço, sair com 15/0 ou 0/15 faz pouquíssima diferença. Já para Djokovic, esse “gap” é um pouco maior, com 14%. Mas foi Murray quem realmente provou que há relevância em ganhar o primeiro ponto do game quando saca, pois a margem foi de 38%.
O Australian Open 2016 também resolveu levantar os dados dos quadrifinalistas do torneio e revelou dados interessantes. No Major australiano, David Ferrer foi o tenista para quem ganhar o primeiro ponto de um game mais importou. A diferença entre os games ganhos após sair com 15/0 ou 0/15 foi de 32%, sendo que a média, para os outros, foi de menos de 20%. Para o campeão Djokovic, por exemplo, foi de apenas 13%.
O pessoal da Austrália, no entanto, foi além na análise dos números e tentou enquadrar na equação a questão do momentum – ou seja, a inércia que leva o tenista a vencer um game depois de vencer o primeiro ponto. Para isso, eles calcularam a percentagem com que os tenistas venciam seus saques “normalmente” e subtraíram das percentagens após ganharem o primeiro ponto. Ou seja, se Djokovic tinha vencido 90% de seus games de serviço no torneio, esse valor era retirado da percentagem computada após ele sair com 15/0 nos games. Esse cálculo mostrou que, para o sérvio, por exemplo, ganhar ou não o primeiro ponto não mudava em nada o percentual de games vencidos. Mas não só para ele. Murray e Kei Nishikori também tinham 0% de vantagem ganhando ou não o primeiro ponto de seus games de saque. Já para Ferrer, Federer e Milos Raonic, essa diferença foi notória. O espanhol ganhou 29% mais os games em que saiu com vantagem de 15/0 no placar. O suíço computou 23% e o canadense 25%.
Uma análise do estatístico Jeff Sackmann para o site “The TennisAbstract” revela ainda que as principais vantagens entre vencer ou não o primeiro ponto no saque dão-se em momentos específicos da partida. Avaliando números de mais de 20 mil jogos da ATP e da WTA, ele percebeu que, quando o sacador tem duas quebras na frente em um set, ele tem 7% mais chances de vencer o game quando sai com 15/0. E, mesmo quando sai com 0/15, ele ainda tem 13% mais chances de ganhar o game do que se o placar fosse mais apertado. Qual a explicação? Talvez a falta de esforço por parte do devolvedor (que já não vê muitas chances de recuperar o set)?
Sackmann, por sinal, criou um modelo matemático interessante para calcular essas probabilidades. Segundo seu modelo, um sacador que tipicamente vence 60% dos pontos no saque vai manter o serviço 84% das vezes em que anotar 15/0 e 58% quando sair perdendo por 0/15.
No entanto, ao analisar os números pelo lado dos devolvedores de saque, parece que ganhar o primeiro ponto é muito mais relevante para o recebedor do que para o sacador. Voltando ao caso de Wimbledon 2015, vemos que Djokovic venceu 40% dos games de devolução em que saiu na frente e apenas 23% dos que começou perdendo. Para Federer, as percentagens são de 45% e 24%. Para Murray, 50% e 16%. Já Wawrinka contabiliza 38% e apenas 6% quando saiu perdendo o game de devolução. Ou seja, Nole venceu 17% mais ao sair na frente, Federer 21%, o britânico 34% e Wawrinka 32%.
No Australian Open 2016, essa diferença mostrou-se na casa dos 30% entre todos os quadrifinalistas e, novamente quem mais se deu bem quando assumiu a liderança no game de devolução foi Murray, com 33%. E, mesmo fazendo a conta excluindo o percentual “normal” de games vencidos na devolução, o britânico ainda contabilizou 15%. Quem mais se beneficiou, porém, foi Raonic, com 26%. Já Federer teve apenas 5%, enquanto Djoko, 9%.
Quando olhamos para os números das tenistas que fizeram quartas de final na Austrália, a conjuntura parece ser a mesma observada entre os homens, com média de 20% entre games vencidos após 15/0 e os com 0/15 no saque. Na devolução, assim como entre os homens, a média de diferença na percentagem entre os games em que elas saem na frente ou atrás também foi de 30%. No entanto, ao tirarmos o momentum da equação feminina, vemos que 15/0 ou 0/15 fazem ainda menos diferença para elas.
Vamos lembrar que as estatísticas citadas são relativas a jogos profissionais de alto nível. Não estamos falando aqui de torneios amadores, sequer Futures. Ou seja, os dados mostram apenas que, para tenistas profissionais, ganhar ou não o primeiro ponto de um game não muda tanto assim o resultado desse game específico. Ainda assim, as percentagens mostram que, em alguns casos, há sim uma pequena vantagem para quem sai na frente. Ou seja, não dá para negar que há um fator emocional nisso. Portanto, vemos que os profissionais são bastante capazes de controlar esse fator, influenciando-se pouco com a perda do primeiro ponto do game. A pergunta, porém, é: você (ou seu adversário) é capaz de se controlar da mesma forma e “ignorar” uma desvantagem?
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Publicado em 18 de Julho de 2016 às 11:57