Perfil Teliana

Desbravadora

Nos últimos anos, o tênis feminino brasileiro viu diversas meninas promissoras surgirem, mas até então nenhuma tinha conseguido realizar a proeza de Teliana: entrar no top100 e encarar a elite da WTA. Mesmo sem ser a mais talentosa, como ela conseguiu?


Teliana Pereira

“Teliana tem um lado mental muito forte e se mostra muito profissional. Ela ficou dois anos parada sem encostar numa raquete. Qualquer menina teria largado de vez o tênis”, lembra Renato Pereira

Teliana Pereira

HÁ UM ANO, Teliana Pereira começou sua caminhada no WTA de Bogotá desde o qualifying. Sem alarde, ela foi vencendo um jogo de cada vez até entrar na chave principal. “Apenas” por se classificar, a pernambucana quebrou o primeiro de vários tabus que estavam por vir – foi a primeira brasileira a disputar a chave de um torneio de primeira linha em sete anos. Cada passo, a partir dali, foi acompanhado com muita curiosidade, já que fazia muito tempo que uma jogadora com a sigla “BRA” não seguia tão longe.

Primeira vitória na chave da Colômbia, mais uma marca derrubada. A segunda, em que Teliana derrotou a francesa Alize Cornet, 36a do mundo na época, impressionou ainda mais: foi a primeira brasileira entre as oito finalistas de um torneio WTA em 13 anos. E tinha mais.

Ao avançar nova rodada, Teliana, que disputava apenas seu primeiro torneio WTA da carreira, igualou-se a Luciana Corsato, que em 1990 chegou à penúltima rodada de um torneio em São Paulo. E o ciclo de marcas não parava por aí.

Em julho, Teliana entrou no top 100, façanha que nenhuma jogadora brasileira ousou a realizar desde Andréa “Dadá” Vieira, há longínquos 23 anos. Seis meses depois, a jogadora de 25 anos voltou a dar as caras com a antecessora em novo obstáculo ultrapassado – ao disputar o Australian Open de 2014, Teliana se tornou a primeira brasileira na chave de um Grand Slam desde 1993, quando Dadá chegou à segunda rodada do US Open.

No espaço de um ano, Teliana Pereira se acostumou a ser vista como a “salvadora da pátria”. Mas ao contrário do que se temia, a pernambucana não deixou a peteca cair e continua firme no pelotão de elite da WTA. Há algumas semanas no Rio de Janeiro, chegou pela segunda vez na carreira a uma semifinal de torneio grande e mostra que está preparada para levantar o seu primeiro troféu.

O que faz com que essa moça, natural de Santana do Ipanema, consiga chegar aonde outras – bem mais talentosas – sequer passaram perto? Em duas décadas, diversas meninas promissoras despontaram no cenário do tênis feminino nacional, porém nenhuma até então havia conseguido se estabelecer perto da elite do esporte. Então, por que Teliana?

Sem medo das batalhas

Teliana Pereira

Irmão e técnico de Teliana desde 2010, Renato Pereira estava com a sua atual comandada nos momentos mais complicados da carreira, que esteve próxima do fim logo cedo. Em 2009, a irmã sofreu contusão séria no joelho e precisou ficar afastada das quadras por quase dois anos. Ali, Renato enxerga que o profissionalismo da jogadora falou mais alto diante das dificuldades. “Teliana tem um lado mental muito forte e se mostra muito profissional. Ela ficou dois anos parada sem encostar numa raquete. Qualquer menina teria largado de vez o tênis”, lembra. A irmã concorda: “Tenho muita perseverança. Eu nunca desisto dos meus objetivos e sou assim também fora da quadra. Quando quero algo, luto até não aguentar mais. A história da minha família já tem tudo a ver com isso, já que cresci vendo os meus pais lutando para nos dar uma vida melhor, e acabei herdando tudo isso.”

A história de superação parece alimentar a garra e o desejo de Teliana em alcançar suas conquistas. A brasileira mostra em quadra toda a experiência acumulada em anos de aprendizado com a vida, e isso revela ser um diferencial para conseguir ser bem-sucedida em um circuito recheado de obstáculos.

Após o longo período de recuperação, Teliana voltou praticamente à estaca zero. E sem muitas opções de torneios em casa, a pernambucana rumou à Europa para buscar ritmo e a confiança em uma série de torneios. Eduardo Frick, treinador no Instituto Gaúcho de Tênis (IGT), aprova a experiência de Teliana como um bônus para sua bagagem e que a diferenciou das demais compatriotas, que costumam levar mais tempo para viajar ao exterior. “Ela fez um calendário em que jogou muitos torneios fora do Brasil, e assim pode melhorar muito o seu nível”, afirma.

Para o jornalista José Nilton Dalcim, essa característica também permitiu um amadurecimento mais rápido de Teliana em relação às demais jogadoras sul-americanas, já que os torneios menores no Velho Mundo são recheados de jogadoras de várias escolas tradicionais do tênis. “Lá os torneios são bem mais fortes. Nas chaves, você enfrenta meninas italianas, espanholas, alemãs, do Leste Europeu que se matam para vencer um jogo. E isso foi muito bom para a Teliana, porque ela encarou essa realidade diferente e agora vê que não é novidade. Tudo isso ajuda a ela acreditar que pode jogar no mesmo nível das melhores”, aponta o editor do site TenisBrasil.

Teliana Pereira

Teliana pretende melhorar o saque e também os voleios, dois diferenciais no tênis feminino

Força e jeito

A campanha de Teliana até a semifinal do Rio Open comprova que ela vem atuando no mesmo patamar de várias jogadoras à sua frente no ranking. Capitã brasileira na Fed Cup, Carla Tiene afirma que a número 1 do País tem talento para brigar por muitos lugares acima do que vem ocupando na lista da WTA. “Ela acreditou que poderia conseguir voltar [depois da cirurgia no joelho], investiu quando ninguém mais acreditava nela e vem jogando um tênis de boa qualidade. E mesmo nessa fase, ela tem ainda muito por melhorar para alcançar voos maiores. Não vejo uma diferença dela tão grande para as 50 primeiras”.

Dalcim compartilha da visão de Carla Tiene e enxerga na pernambucana outra qualidade importante para ter sucesso nos maiores torneios – o comportamento em quadra. “Teliana tem uma postura muito positiva. Não é só ser aguerrida, porque é obrigação do jogador entrar em quadra e dar o seu melhor. Mas ela tem coragem. Quando o jogo aperta, ela não se esconde e vai para a definição dos pontos. Num break-point do 4/3, num tiebreak, ela vai para a bola e isso faz a diferença nesse nível em que ela está jogando”, aponta o jornalista.

Ao chegar à sua segunda semifinal da carreira, Teliana encara o fato não mais como surpresa, mas como parte de um trabalho que vem rendendo bons frutos nos últimos 12 meses. A pernambucana quer continuar jogando com as melhores do mundo nos principais torneios para que venha a lidar com esse tipo de situação de forma cada vez mais natural.

Assim como analisa a capitã Carla Tiene, a tenista crê que pode chegar mais longe e aponta suas qualidades e também as fraquezas a melhorar para realizar o plano: “Hoje estou mais firme dentro de quadra, consigo aguentar bem as trocas de bola, mas ainda preciso melhorar o saque, um golpe que a maioria das meninas não tendem a evoluir, e também poucas sabem variar. A maioria sente dificuldade de se movimentar para frente, porque não é a mesma situação quando se mexem lateralmente”, lembra Teliana.

O técnico Renato Pereira faz questão de lembrar que a variação das jogadas e as diferentes opções no arsenal de Teliana são todas trabalhadas nos treinos desde o começo da carreira da pernambucana. O objetivo é fazer da irmã uma jogadora mais forte em todos os fundamentos na quadra, e não somente da linha de base. “Para jogar um nível mais alto, ela precisa melhorar em tudo e saber onde deve colocar cada bola. Estamos trabalhando bastante o saque, e ela sabe que também deve jogar um pouco mais na rede, porque são diferenciais no feminino. Você vê que a maioria peca no saque, poucas sabem volear. Quando surgir uma que tiver essa variação será a tenista perfeita. Por isso sei que ela tem potencial para voleios e saques bem melhores”, analisa o treinador.

Satisfeito com a versatilidade da número 1 do Brasil, Dalcim dá o aval para a dupla Pereira em trabalhar algo raramente visto entre a maioria das atletas acostumadas a apostar unicamente na força. Para o jornalista, ter gama maior de golpes auxiliará a pernambucana em busca de alvos mais ousados. “Tecnicamente, Teliana não deixa a desejar para nenhuma dessas do top 50, inclusive tem mais recursos do que muitas. Ela levanta a bola, dá um slice, faz uma curtinha de surpresa, vai para a rede, tem mais opções de variação do que muitas dessas, como a [Klara] Zakopalova (algoz de Teliana na semifinal do Rio Open), que tem uma bola pesada, mas mal sabe dar um slice”, enfatiza.

Vitrine

Os resultados da nossa top 100, além de deixar novamente o Brasil em evidência no tênis mundial, também servem como parâmetro para as demais conterrâneas, que podem se espelhar em Teliana para trilhar seus caminhos no circuito.

Por enquanto, é somente ela – a única brasileira no top 200 – quem briga para derrubar ainda os últimos tabus, como o primeiro título de WTA, algo que Niege Dias alcançou pela última vez em Barcelona, em 1988. Nos próximos meses, Teliana terá a oportunidade de jogar uma sequência de eventos de grande porte e provará a cada dia o seu potencial de uma sólida top 100. Teliana vai desbravando o caminho, agora é aguardar que as outras sigam-na.

Por Matheus Martins Fontes

Publicado em 17 de Março de 2014 às 00:00


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Artigo publicado nesta revista