Convidado toma conta da festa

Guillermo Cañas recebeu um wild card para o Brasil Open e, sem protocolo, roubou a cena


"ACHO QUE JÁ SUPEREI", foi a afirmação do argentino Guillermo Cañas à pergunta: "Você disse que pretende voltar ao top 20 neste ano, acredita que já alcançou o nível de jogo dos 20 primeiros?". E a questão não foi levantada após um triunfo marcante, mas, sim, após uma vitória corriqueira na primeira rodada do Brasil Open 2007, diante de Marcos Daniel. No entanto, a resposta pouca modesta do portenho foi comprovada durante o torneio.

Quando pôde voltar a jogar, em setembro de 2006, após quinze meses de suspensão por doping, Cañas recebeu um convite da organização do Challenger de Belém. Jogou e ganhou. Nos últimos três meses do ano, disputou mais seis Challengers, venceu três, foi finalista em um, semi em outro e encerrou a temporada entre os 150 melhores do mundo. Em janeiro, voltou ao Brasil, desta vez veio à São Paulo e, sem dar chance a ninguém, faturou o Challenger no Parque Villa-Lobos.

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Por tudo isso, o argentino acabou agraciado com um convite para o Brasil Open, na Costa do Sauípe. A presença de Cañas significava um melhor nível de tênis e, para muitos, um campeão antecipado. E esta previsão se confirmou. Mesmo cansado após defender a Argentina na Copa Davis contra a Áustria e com pouco tempo de adaptação ao saibro e ao calor extremo do litoral baiano, ele não perdeu um set sequer.

Mesmo atuando "em casa", Juan Carlos Ferrero não superou Guillermo Cañas na final

Brasil Open em números
Para funcionar, torneio requer estrutura equivalente a de uma cidade

SE VOCÊ NUNCA foi a um evento internacional de tênis como o Brasil Open, não faz idéia da estrutura necessária para organizar um torneio de grande porte. O público, os jogadores, a imprensa, o pessoal da organização, da manutenção, os prestadores de serviço etc, enfim, todas as pessoas que compõem o espetáculo durante uma semana poderiam corresponder à estrutura de uma cidade.

Em 2007, cerca de dois mil espectadores freqüentaram diariamente o complexo de tênis da Costa do Sauípe. Para que essa população tivesse todo o conforto necessário, foram utilizados 13 geradores que poderiam iluminar uma cidade de 30 mil habitantes. Além disso, os cabos elétricos usados pela estrutura do evento alimentariam uma subestação capaz de gerar energia para 100 mil pessoas. Os cinco hotéis e as seis pousadas do resort, que representam 1.588 quartos, ficaram lotados e o canal Sportv transmitiu 10 horas diárias, em média, de tênis ao vivo.

Para corresponder às necessidades dos jogadores, foram utilizadas duas toneladas de saibro, 5.040 bolas, dois mil metros de cordas para raquetes, três mil copos de água, mil garrafas de isotônicos e 600 toalhas. Oito vans fizeram diariamente o trajeto Sauípe-Salvador-Sauípe e rodaram aproximadamente dois mil quilômetros. Por tudo isso, foram gerados 1.500 empregos diretos e indiretos durante a semana.

Flávio Saretta

NÚMEROS DO BRASIL OPEN:
Média de público: 2.097
Premiação: US$ 456 mil
Capacidade da arena: 4.200
Bolas: 5.040
Saibro utilizado: 2 toneladas
Copos de água: 3 mil
Cordas de raquete: 2 quilômetros
Toalhas: 600
Isotônicos: 1.000
Número de fotografias tiradas: 24 mil
Empregos gerados: 1.500
Terminais de computador: 54
Boleiros: 33
Juízes: 40
Manutenção de quadra: 18
Coordenação de quadra: 11

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DEFESA
O argentino já havia conseguido passar ileso no Challenger de São Paulo e, por pouco, também não alcançou a façanha em Belém (perdeu um set na final). Na capital paulista, viu-se nitidamente a diferença de nível entre ele e os outros. Mas, a grande surpresa foi perceber isso também no Brasil Open. Em seis meses, este foi o terceiro título (quarto, se considerarmos o Masters da Copa Petrobras) de Cañas no País. Aí cabe a pergunta, parodiando o apelido dado a Luiz Mattar, que teve grande parte de seus triunfos no Brasil: Seria um novo Mr. Brazil?

Gustavo Kuerten

Alguns detalhes da campanha de Cañas na Costa do Sauípe são impressionantes. Após a estréia tranqüila contra Daniel, "Willy" chegou a estar perdendo por 4/2 para o espanhol Albert Portas nas oitavas. O jogo foi interrompido pela chuva e, na volta, Cañas fez dez games seguidos. A partir das quartas, o argentino mostrou que seu preparo físico estava muito à frente dos concorrentes. Seus compatriotas Agustin Calleri e Juan Ignacio Chela e o espanhol Juan Carlos Ferrero endureceram no primeiro set (todos decididos no tiebreak), mas "morreram" no segundo.

Após a semifinal contra Chela - talvez a melhor partida, ou, pode-se dizer, talvez o melhor primeiro set de uma partida no torneio -, Cañas afirmou que não há bola perdida: "Elas não existem, até o fim da carreira vou correr atrás de todas." Neste jogo, o portenho protagonizou lances espetaculares, defendendo lobes, smashes e deixadinhas em um só ponto. Após a final, chegou a afirmar que se sentia o melhor do mundo defensivamente e que não saberia dizer se havia algum tenista mais rápido que ele na atualidade. O título do Brasil Open foi o sétimo de Cañas em torneios ATP e o primeiro desde 2004. Os 175 pontos obtidos pela conquista o levaram ao 63º lugar no ranking. Se depender da modéstia, o top 20 está mais perto do que nunca.

BRASIL DOS BRASILEIROS
O torneio baiano, no entanto, não foi importante somente para o novo Mr. Brazil, mas para os brasileiros. Pela primeira vez, nenhum tenista do País figurava entre os 100 primeiros ao início da competição. Mesmo assim, a chave aceitou dois: Thiago Alves e Flávio Saretta, que entrou de última hora, após a desistência do campeão de 2006, o chileno Nicolas Massú. Além deles, dois convites foram para brasileiros. O primeiro, para Guga, obviamente. O segundo, para a promessa Rogério Dutra Silva.

Thiago Alves

Para completar o quadro, o gaúcho Marcos Daniel conseguiu passar o qualifying - algo notável se considerarmos que, em sete anos, apenas quatro brasileiros tiveram êxito no classificatório. Antes de Daniel, somente Júlio Silva, em 2003, e, em 2001, Ricardo Mello e Chico Costa - atual capitão da Copa Davis, que esteve lá observando de perto os possíveis comandados.

Considerando a fase por que passavam os brasileiros, o panorama era aterrador. Alves não vencia há seis jogos. Guga, idem (porém, desde 2005). Saretta, há quatro. Rogerinho ainda é uma jovem esperança. Daniel vem de altos e baixos. Para piorar, Alves enfrentaria o espanhol Carlos Moyá, quarto cabeça-de-chave. Guga jogaria contra o italiano Filippo Volandri, sétimo. Daniel, ainda mais azarado, caiu contra Cañas. Somente Rogério e Saretta teriam jogos, teoricamente, mais fáceis, contra o francês Nicolas Devilder e o italiano Alessio Di Mauro, respectivamente.

O primeiro a estrear foi Rogerinho. Após ter feito quartas-de-final no Challenger de Florianópolis na semana anterior, o garoto entrou em quadra logo na segunda-feira, 12, às 15h30. Cansado, não suportou o sol, errou demais e deu a vitória para Devilder. Seria o prenúncio de um dia terrível para os brasileiros, já que à noite Alves, em completa má fase, iria enfrentar Moyá? Ledo engano. Com arquibancada quase lotada, o tenista de Rio Preto desbancou o espanhol (veja matéria na página 42). E, como em sua primeira vez no Brasil Open, em 2004, o tenista de Mallorca caia na estréia. Novamente diante de um brasileiro.

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Tênis: instrumento de inclusão social
Brasil Open 2007 reuniu quatro projetos sociais importantes

QUATRO INICIATIVAS de inclusão social através do tênis estavam representadas este ano na Costa do Sauípe. Em primeiro lugar, o Programa Berimbau, apoiado pela Fundação Banco do Brasil, que, segundo o presidente da Sauípe S.A., Alexandre Zubaran, "desenvolve uma série de atividades com o foco de reforço ao sociativismo, melhoria da qualidade de vida e o desenvolvimento de algum ciclo econômico sustentado, de onde a comunidade possa ter riqueza". O objetivo é apoiar a comunidade local a desenvolver seus potenciais. O Berimbau possui vários núcleos, que envolvem desde o aprendizado de informática, corte e costura, educação ambiental à música e artesanato.

Os outros três programas estão estabelecidos na capital paulista. Um dos pegadores de bola do torneio, o pernambucano de 16 anos, Wellington de Brito Silva, faz parte do projeto Escola de Fábrica. Este programa acontece dentro da Unisys Arena e é coordenado pelo ex-tenista Otavio Della. Nele, adolescentes de 14 a 18 anos são iniciados na prática do tênis, recebem aulas de informática, acompanhamento odontológico, psicológico e assessoria vocacional. A idéia é iniciar a capacitação deles para o começo de uma vida profissional, que pode acontecer no esporte ou no segmento empresarial.

Juan Ignacio Chela

Outra iniciativa para contribuir com o futuro de crianças e adolescentes está sediada no Parque Villa-Lobos. O "Bola Dentro", coordenado pelo professor Agostinho Carvalho, é voltado a crianças de 7 a 14 anos e tem como objetivo promover a auto-estima e inclusão através do esporte. Por fim, há o projeto Espaço Esportivo e Cultural Bovespa, que fica na favela Paraisópolis e atende 760 crianças. O programa, criado há cinco anos, foi idealizado pelo empresário Wilton Carvalho, que foi pegador de bola e, através do tênis, conseguiu uma vida melhor.

GUGA VENCE!
Na terça-feira, era a vez de Guga estrear. Numa tarde nublada, que predizia o mau tempo que estaria por vir nos dias seguintes, a partida entre o catarinense e Volandri começou morna. Desde o início, era notório que havia algo de errado com o italiano e, aos poucos, Kuerten passou a dominar o jogo. Após a derrota, Volandri admitiu ter uma lesão no ombro direito. Mas isto pouco importou para a torcida e até mesmo para Guga, que voltou a sorrir.

Terminada a partida, a chuva caiu e adiou o restante da rodada. No dia seguinte, porém, de forma incontestável, Saretta passou por Di Mauro e garantiu o confronto contra Kuerten nas oitavas. Ao que tudo indicava, agora sim o catarinense teria um bom teste.

Nicolas Almagro

O jogo ocorreu na quinta-feira, 15. Saretta começou bem e fechou o primeiro set com tranqüilidade. Contudo, instável, o paulista viu Guga crescer, vencer a segunda parcial e a torcida ser cada vez mais hostil. "Me senti como um argentino", confessou, decepcionado, na coletiva. O terceiro set foi equilibrado. Saretta continuava nervoso, mas Guga ainda sofria com suas deficiências. A chuva paralisou o jogo por cerca de 40 minutos e, na volta, o paulista, mais agressivo, contou com erros do ex-número um para vencer.

"Ele me surpreendeu", afirmou Saretta ao comentar o nível de jogo do oponente. Já Guga, visivelmente chateado, disse gostaria de melhorar em 30%. Perguntado sobre sua agenda, brincou: "Tenho programado 18 buracos de golfe para amanhã". Mas, a campanha no Sauípe, aliada ao seu grande prestígio, lhe valeram três convites: Las Vegas, Indian Wells e Miami.

ARGENTINA E ESPANHA
Na parte debaixo da chave, Daniel já havia sido derrotado por Cañas na estréia e Alves não manteve o ritmo e perdeu para o argentino Juan Monaco nas oitavas. Com isso, quatro argentinos (Cañas, Calleri, Chela e Monaco) estavam nas quartas e garantiram um hermano na final. Na parte de cima, tudo indicava uma semifinal espanhola.

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O espanhol Juan Carlos Ferrero, cabeça- de-chave número um, precisou virar sobre o italiano Potito Starace nas quartas. Starace havia derrotado o decadente argentino Gaston Gaudio na estréia. A outra partida valendo vaga na semifinal era entre Saretta e o espanhol Nicolas Almagro.

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O europeu havia vencido o brasileiro nas oitavas em 2006 e, logo que a partida começou, deu a impressão de que ganharia novamente ao abrir 3/0 com rapidez. No entanto, Saretta começou a colocar bolas na quadra e Almagro, incomodado com o público, passou a errar tudo, perdendo o controle. Assim, o Brasil voltou a ter um representante na semifinal do torneio. No ano passado, nenhum passou das oitavas e, nos anos anteriores, sempre alguém chegou, pelo menos, à penúltima rodada da competição.

Em 2006, a partida de estréia entre Saretta e Ferrero foi emocionante e de altíssimo nível e o brasileiro venceu dando show. Desta vez, porém, o espanhol cadenciou o jogo e Saretta sucumbiu, mesmo com o forte apoio da torcida que o insultou contra Guga. Melhor para Ferrero, que teve mais uma chance de vencer um ATP após três anos e oito meses sem títulos.

O campeão de Roland Garros 2003 estava animado para a decisão contra Cañas, pois jogaria "em casa" (ele possui uma casa de veraneio na praia de Guarajuba, a 40 km de Sauípe) e "não era argentino". O espanhol teve a maioria dos torcedores - sempre contrários aos hermanos - ao seu lado, mas, a cada jogada espetacular de Cañas, a platéia percebia que, desta vez (a primeira em sete anos de Brasil Open), o título ficaria mesmo com um argentino. Um convidado "chato" que roubou a festa.

Arnaldo Grizzo

Publicado em 13 de Março de 2007 às 07:25


Torneio

Artigo publicado nesta revista