Bruno Soares

Contra os melhores

Quanto vale a dupla mista? Bruno Soares mostra o real valor de uma competição subestimada e se torna o quarto brasileiro a conquistar um título de Grand Slam


Ron C. Angle/TPL

MUITA GENTE PODE PERGUNTAR: "Qual o valor da dupla mista?" É um torneio que não vale pontos no ranking, que dá menos premiação em dinheiro, que quase nunca passa na televisão, que sequer existe em torneios menores. Sim, tudo isso é verdade, mas não quer dizer que não seja uma competição disputadíssima.

"Tem gente que tem aquela ideia de que dupla mista é um torneio festivo, pois não vale ponto no ranking. Mas, se você analisar a chave, é um torneio duríssimo. Juntam-se os melhores do masculino com as melhores do feminino. O corte para entrar na chave do US Open foi 54. Ou seja, um jogador 25º e um jogar 26º entraram no limite. E um tenista entre os 25 do mundo é um grande jogador. Jogamos com um seleto grupo dos melhores do mundo nesse categoria", afirmou Bruno Soares, 23º do ranking de duplas, ao ser campeão do US Open 2012 ao lado da russa Ekaterina Makarova.

Para ilustrar o que ele diz, basta ver os adversários que superou em seu caminho até a final: na primeira rodada, derrotaram Mike Bryan e Lisa Raymond, cabeças-de-chave número dois; depois passaram pelo outro irmão Bryan, Bob, e Kim Clijsters, em seguida por Jean-Julian Rojer (17º do ranking de duplas) e Anastasia Rodionova (22ª), na semifinal, por Frantisek Cermak (28º) e Lucie Hradecka (5ª) e, por fim, por Marcin Matkowski (11º) e Kveta Peschke (12ª).

Soares, aliás, quase ficou de fora dessa disputa. Ele havia se comprometido a jogar com a australiana Jarmila Gajdosova, atual 40a do ranking de duplas. No entanto, pouco antes do deadline, percebeu que estava fora. Dias antes, Makarova havia lhe perguntado se queria jogar, mas ele recusou por já estar comprometido. "Quando vi que estava fora, corri atrás dela, pois ela tem ranking melhor que a Jarmila (é 17ª). Faltavam poucos minutos para encerrar as inscrições. Pedi para meu técnico correr até a quadra do parque em que ela estava treinando. Ele me ligou faltando um minuto para encerrar dando o ok", contou o brasileiro.

PRESENTE DE SUPERAÇÃO

A história de Bruno Soares até chegar a esse título tem muito drama, mais até do que os que viveu em quadra na final depois de estar liderando o primeiro set por 5/4 e saque, e no match-tiebreak, quando tiveram uma grande vantagem e deixaram a dupla adversária encostar e virar. O mineiro de 30 anos passou dois, de julho de 2005 a julho de 2007 praticamente sem jogar devido a uma lesão grave no joelho. Quando voltou, não tinha ranking e não tinha muita perspectiva. "Vou jogar seis meses simples e duplas e ver no que vai dar", lembrou em uma entrevista à Revista TÊNIS em 2008.

fotos: Ron C. Angle/TPL

Deu que seu ranking de duplas logo estava entre os 200 do mundo e o de simples não estava tão bom no início de 2008. Em outubro daquele ano, com 26 anos, decidiu abandonar as simples. Pouco antes, tinha feito a semifinal de duplas em Roland Garros com Dusan Vemic. Tudo isso passou pela sua mente ao ganhar o Grand Slam de Nova York.

"Passa muita coisa pela cabeça. Tive um grande problema da lesão, dois anos sem jogar. Foi uma fase muito indefinida e tive a feliz escolha de optar pelas duplas. Para ser sincero, mais no final da partida, pensei no meu ano. Neste ano perdi meu pai e ontem a única coisa que eu queria era que ele estivesse aqui. Ele está fazendo muita falta. Gostaria que ele estivesse vendo esse momento. Até acho que ele está, de algum lugar diferente, mas queria que ele estivesse comigo", afirmou emocionado na coletiva pós-partida.

No entanto, a felicidade era maior do que as lembranças tristes e Soares, como um bom mineiro, sempre foi bastante tranquilo em quadra. "Não sou muito de mudar meu humor por causa de um bom ou mau jogo e também não me empolgo muito com esse tipo de coisa. Tento manter uma mesma linha para controlar a cabeça independentemente da situação", revela, mas acrescenta: "A visualização de um sonho era estar jogando uma final de Grand Slam, com o estádio grande e tudo mais, mas a grande realização seria o caneco. Uma coisa que estará comigo para o resto da vida".

fotos: Ron C. Angle/TPL

INFLUÊNCIA

Ao vencer as duplas mistas, Soares se tornou apenas o quarto tenista brasileiro (profissional) a ganhar um Grand Slam, deixando seu nome ao lado dos de Maria Esther Bueno, Thomaz Koch e Gustavo Kuerten (Tiago Fernandes ganhou como juvenil no Australian Open 2010). "É um pouco assustador [ter o nome na mesma lista que Guga, Maria Esther e Koch]. Quando tinha 12 anos, treinei com Thomaz Koch e foi quando comecei a ver quem tinha sido ele, a grandeza do que ele fez pelo esporte. Ele é uma pessoa fantástica. Foi o primeiro cara que me fez sonhar com esse tipo de coisa. Fui crescendo e tive a oportunidade de estar presente como juvenil com o Guga na época em que ele era número um. Então hoje estar sentado aqui sendo o quarto jogador a ganhar um Grand Slam e os outros três nomes serem pessoas como Maria Esther, Thomaz e Guga, é muito especial".

Para o mineiro, esse título pode ser o primeiro de uma série de coisas positivas que o tênis pode conquistar até 2016 nas Olimpíadas do Rio de Janeiro. "Com esse título, a molecada pode acreditar que nosso tênis pode estar nos lugares mais altos. Isso vem numa boa fase, de solidificação do esporte. Espero que isso possa trazer mais coisas positivas para o esporte brasileiro. Esse título serve para começar com o pé direito o ciclo olímpico", encerra.

DICAS PARA JOGAR BEM DUPLAS MISTAS

A Revista TÊNIS conversou com Bruno Soares para entender quais devem ser as melhores táticas para jogar duplas mistas, uma competição com a qual estamos pouco acostumados. Para explicar o que é a dupla mista, o mineiro começa: "'É meio aquela guerra de quem 'acha' a mulher primeiro e tenta pressionar o elo mais acessível da dupla. É muito mais a estratégia de como a gente vai chegar a isso do que o que vamos fazer ou como usar os nossos golpes. É muita correria. Mas é uma modalidade muito estratégica. Na dupla 'normal', você trabalha com o seu parceiro. Na mista, não. As mulheres gostam mais de ficar no fundo. Então, o negócio é tentar pressionar e incomodar a mulher o máximo possível".

Dessa forma, uma das "regras" é que as mulheres, invariavelmente, jogam na direita e os homens na esquerda. Fora isso, há um código de conduta que diz que nos pontos no-ad, quando a mulher está sacando, é a mulher adversária que recebe.

COMO JOGAR NO SAQUE DO HOMEM?

"É mais difícil jogar o saque", conta Soares, que completa: "Especialmente eu, pois essa não é minha maior arma, apesar de ser sólido, consistente. Então, eu corro bastante e tenho que fazer muito voleio no meu saque. Também assumo um pouco mais de risco quando saco na mista, mesmo no segundo serviço, para tirar a oportunidade de o oponente ficar atacando demais minha parceira e deixar ela muito vulnerável". Para o mineiro, se a bola voltar, é preciso empurrar no fundo para o rival não ser muito agressivo na segunda bola.

COMO JOGAR NO SAQUE DA MULHER?

"No saque da mulher, como confio muito no jogo de fundo dela (Makarova), procuro mexer com a cabeça dos adversários, cruzar, tento atrapalhar. Mas, às vezes, quando não estou tão bem, sei que, a bola passando por mim, ela vai segurar a onda no fundo", atesta o duplista. Jogar australiana é uma opção? "É sempre uma opção. Mas, se ela bate bem na cruzada (como é o caso da Makarova), a gente evita. Pois, eu, ficando no meio, abro demais a quadra. Quando levanto, tenho que cobrir o lado que estou indo. Quando estou parado, consigo estar ali e mexer com a cabeça da mulher adversária. Na australiana, tenho que abrir um pouco mais e, se ela bater do lado da minha parceira, a bola vai passar. É difícil dar a finta vindo da australiana", pondera.

CÓDIGO DE CONDUTA

A máxima "em mulher não se bate nem com uma pétala de rosas" nem sempre é respeitada nas mistas. "A gente bate muito na mulher, joga forte, saca forte, às vezes uma bola passa perto, mas acontece, é normal. Se tiver uma bola fácil, não se joga nela, não vai jogar no corpo. Mas elas mesmo sabem que é normal e faz parte do jogo [ser alvo]. Está todo mundo jogando para ganhar. Já aconteceu comigo de ter uma bola fácil e errar para tirar da mulher e depois você se arrepende. Hoje não. Se passar perto, peço desculpa, mas o importante é ganhar o ponto", garante o mineiro.

Arnaldo Grizzo

Publicado em 24 de Setembro de 2012 às 14:13


Perfil/Entrevista

Artigo publicado nesta revista

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