Sorte? O triunfo de Thiago Alves sobre Carlos Moyá na estréia do Brasil Open não foi mera obra do acaso e, sim, fruto de trabalho e persistência
CARLOS MOYÁ SE PREPARA para sacar no match-point. Ele venceu o primeiro set por 6/2 e agora saca em 40/30 com 5/4. O público incentiva Thiago Alves. "Acredita! Acredita!", pensa o brasileiro. O espanhol erra o primeiro serviço. Ufa! "Uma chance! Agora é a sua vez! Vamos lá! Acredita!", mentaliza o jovem rio-pretense que dá um passo dentro da quadra para esperar o saque e pressionar o rival como planejado. Dupla-falta! A torcida se exalta, o coração de Alves pula forte. "Vamos lá! Acredita! Se acalma! Tem muito jogo ainda!", fala para si mesmo. Mais uma dupla-falta! "Esse game você não vai me ganhar!", concentra-se o jovem, que consegue a quebra na terceira oportunidade.
A partir deste décimo game do segundo set, toda a história da partida mudou. Assim que fez 6/5, o brasileiro olhou firme para o seu técnico Edvaldo Oliveira antes de se sentar na cadeira e com a confiança renovada sentenciou gritando: "Vou quebrar agora!" A torcida vibrou, assim como o treinador, a namorada e o manager que estavam sentados ao lado da quadra. "Vou enroscar tudo pro outro lado agora", pensou alto o tenista. E assim fez e fechou o set. "Eu já estava no jogo, acreditando.
Quando ganhei o segundo set, mudou minha cabeça. Começou vir todas as coisas boas. E quando me acredito, me acredito muito. Acho que posso vencer qualquer um", relatou Thiago após a partida.
No terceiro set, o brasileiro entrou confiante, sacou com autoridade e cedeu a Moyá apenas dois pontos em seus três primeiros games servindo. No sexto game, Alves quebra. A partir daí, o próprio protagonista conta a história: "Tive 4/2 e perdi o saque, mas sabia que ia ganhar. Não achei que tinha passado a minha oportunidade. Passei pelo Ed (Edvaldo) no intervalo e falei: 'É hoje! Não é amanhã!' Vai ser hoje que vou mudar essa história toda. E joguei pra caramba essa virada. No matchpoint, falei: 'Vou quicar (gíria do tênis para saque com spin alto) na esquerda dele e vou bater a primeira direita que vier. Quiquei, já veio na direita e eu fui pra bola."
CHAVE DA VITÓRIA
O rapaz de 24 anos vinha de seis derrotas consecutivas na temporada 2007 e todos esperavam que ele voltasse a vencer, especialmente em um torneio tão importante. No entanto, o tenista de São José do Rio Preto chegou sem grandes expectativas. Logo no sábado, 10 de fevereiro, Alves passou pelas quadras de treinos, bateu bola sob a supervisão do baiano Edvaldo Oliveira, mas não parecia muito feliz, talvez prevendo o pior para a chave que seria sorteada no dia seguinte.
No domingo, as más previsões se confirmaram e ele caiu contra o cabeça-de-chave número quatro, o espanhol Carlos Moyá, que jogou bem os primeiros torneios do ano em Chennai e Sydney. Já sabendo quem seria seu adversário, Alves foi treinar no início da noite. Irritado com o mau momento, não parou de reclamar de si mesmo um único segundo. Ao seu lado, o técnico, paciente, falava algumas poucas palavras para que o pupilo voltasse seu foco ao que realmente interessava.
" Essa sensibilidade você só consegue quando está há bastante tempo com o jogador" |
Conhecendo profundamente seu jogador, Oliveira marcou apenas um treino de saque e movimentação na manhã de segunda-feira e um aquecimento no fim da tarde antes de entrar na quadra central. A agenda seria esta se a cabeça do atleta não estivesse tão ruim. Alves reconhece: "Acordei e não estava confiante. Tomei café, fui tentar fazer um treino de saque. Mas já não me sentia muito bem. Estava um pouco irritado (tão irritado que quebrou uma raquete em 20 minutos). Aí, mais conversamos do que treinamos".
Apesar de frustrado, o treino de saque e movimentação tinha um propósito. E tático. Para Edvaldo, seu pupilo deveria jogar muito com o primeiro serviço para não dar chances ao espanhol de atacar. Depois, ser agressivo no saque do oponente.
Outra opção tática era não mandar mais do que duas bolas seguidas no backhand de Moyá. Como ele gosta de fugir da esquerda, teria tempo de se posicionar e fazer o seu melhor golpe se muitas bolas fossem no mesmo lugar. "Duas coisas deram certo: atacar o segundo saque e a direita", comemorou o técnico.
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CORRIDA
Após o "treino" da manhã, Alves foi almoçar com a namorada, Flávia. Em seguida, foi à praia "dar uma mergulhada". Voltou e ficou no quarto esperando o jogo.
Às 18h estava marcado o aquecimento. "Você quer ir pra quadra?", perguntou Oliveira ao pupilo. "Não sei. O que você acha?". "Sinceramente, quero que você dê uma corrida", afirmou o treinador. "Esse tipo sensibilidade você só consegue quando está há bastante tempo com o jogador. Às vezes é melhor poupar o cara do estresse do treino e trabalhar mais a cabeça. Aí entra o dedo do técnico", justificou o baiano.
E deu certo. "Fui fazer uma corrida para dar uma aliviada na cabeça. Estava precisando de um momento comigo. Corri 20 minutos, dei uma transpirada legal, isso me deu uma energizada para o jogo. Entrei bem disposto", lembrou Alves. No entanto, a cabeça ainda não acreditava muito na vitória. "Até então, não estava pensando: 'Vou ganhar do Moyá'. Pensava: 'Quero fazer um bom jogo'. A vontade de ganhar veio durante o jogo", garantiu. E o planejamento tático, como fica nessa hora? "Queria jogar solto, bem agressivo, não pensando muito, pois estava difícil de fazer um plano, porque não vinha me sentindo muito bem. Acho que estava muito mais dentro de mim. Eu me organizar e não perder pra mim mesmo. Quando você entra na quadra é a hora que você menos pensa. Acho que lá dentro é onde você mais deixa fluir", acredita Alves.
" Queria jogar solto, bem agressivo, não pensando muito, pois estava difícil de fazer um plano, porque não vinha me sentindo bem. Acho que estava muito mais dentro de mim" |
Se ele diz não pensar muito quando está na quadra, seu treinador, atento e apreensivo, está sempre lá matutando, incentivando e tentando manter o foco de seu atleta. "Inconscientemente", o tenista vai obedecendo as opções táticas pré-estabelecidas e isso vai rendendo frutos. "O primeiro set foi 6/2, mas foi muito equilibrado, tive chances", lembrou Alves e Oliveira concordou silenciosamente com a ca
"Até então, eu não tinha esperança de que o Thiago ia virar aquele jogo. Mas eu senti que ele estava querendo. Você tem que ter uma sorte no jogo. O Moyá abriu a porta para ele e a coisa mudou. Eu disse: 'Está mais para você do que para ele.'", contou o técnico. Aos poucos, tudo o que foi treinado, falado, comentado, vem à tona e quando a oportunidade apareceu (na forma de duas duplas-faltas), o tenista não desperdiçou e garantiu a maior vitória de sua carreira. Sorte? Dele, talvez um pouco. Nossa, com certeza.
" Queria jogar solto, bem agressivo, não pensando muito, pois estava difícil de fazer um plano, porque não vinha me sentindo bem. Acho que estava muito mais dentro de mim"
Publicado em 13 de Março de 2007 às 06:07