Como vencer Roger Federer

Cada vez que o suíço é derrotado, mais tenistas começam a acreditar em uma vitória sobre o "imbatível" número um do mundo. Vencê-lo não é simples, mas algumas estratégias se mostram eficazes


fotos: Ron Angle/ Ella Ling / TPLCom o perdão dos ditados batidos, errar é humano e ninguém é perfeito. Entretanto, no mundo do tênis, a superioridade do suíço Roger Federer era algo indiscutível, como a Lei da Gravidade. Mas, como outra frase da sabedoria popular, toda lei tem sua exceção. Até abril de 2008, Federer havia perdido três vezes. Para Novak Djokovic no Aberto da Austrália, para Andy Murray em Dubai e para Mardy Fish no Masters Series de Indian Wells. Com isso, este é o pior início de temporada do suíço desde 2003, quando iniciou seu reinado.

Na verdade, as surpresas começaram no ano passado com as derrotas consecutivas para os argentinos Guillermo Cañas e David Nalbandian, o surpreendente tropeço diante do italiano Filippo Volandri, além do fim da invencibilidade de dez partidas contra o chileno Fernando Gonzalez, um de seus maiores fregueses.

Os fãs ficaram surpresos. Teria Federer finalmente perdido a magia e a precisão dos golpes? Seria apenas uma fase ruim, somada a um problema físico, já que divulgou recentemente que contraiu mononucleose? Ou os adversários descobriram a fórmula para superá-lo? As duas primeiras dúvidas serão respondidas apenas com o tempo. Mas a terceira já possui um rascunho.

Cara-a-cara

O gaúcho Marcos Daniel era o 133º colocado no ranking em 28 de setembro de 2005, data do maior desafio de sua carreira. Estreava no ATP de Bangcoc, disputado em carpete, algo nada favorável aos golpes do brasileiro, moldados nas quadras de saibro da América do Sul. Do outro lado da rede, estava ninguém menos que o número um do mundo. Federer ganhou como era esperado, mas Daniel surpreendeu e caiu apenas por 7/6 (7/3) e 6/4, com uma quebra de saque de diferença.

fotos: Ron Angle/ Ella Ling / TPLUma das maiores qualidades do gaúcho é sua capacidade de ler e entender o que se passa no jogo. Foi assim que atrapalhou a vida do suíço. Sacou e voleou várias vezes – a maioria na esquerda de Federer. Atacou devoluções, cortou espaço, pegou a bola na subida e não deu ângulo ao rival. Daniel afirma que é muito difícil ler o saque do número um, o que dificulta a devolução. Apesar do problema, Daniel conseguiu quebrar o serviço do oponente em uma rara oportunidade. Ele lembra que o suíço cometeu alguns erros e ele, em compensação, mantevese firme e conseguiu um belo backhand para concretizar a quebra.

“Para jogar contra Federer você precisa estar 100% o tempo todo, se não ele te passa por cima”, afirma Daniel. “Tem que variar bastante o saque e as jogadas, para que ele sempre fique na dúvida, mas o principal segredo ali é manter a bola muito funda na esquerda. Se você der na direita, está ferrado. Assim, o que você deve fazer é ficar trocando na esquerda e ter uma opção de bola na paralela para poder surpreendê-lo.”

Essa foi justamente a tática aplicada por Gustavo Kuerten no duelo contra Federer na terceira rodada de Roland Garros em 2004. A esquerda na paralela é o golpe que todos reverenciam no jogo de Guga. Foi com ela que ele aplicou o triplo 6/4 que eliminou o número um do Aberto da França. O brasileiro cedeu apenas dois break-points ao suíço na partida, venceu mais pontos com o primeiro e segundo saque e mostrou muita agressividade na rede.

Por essas razões o australiano Lleyton Hewitt disse uma vez que Guga era um dos poucos adversários que podem atropelar Federer em uma quadra. Por quê? “Guga tem um saque forte, não possui fraquezas no fundo de quadra e está melhor nos voleios”, apontou o exnúmero um e um dos maiores rivais de Kuerten em seu auge.

De fora

Apesar de nunca ter enfrentado Federer, Fernando Meligeni concorda com a opinião de Hewitt e com a tática aplicada por Marcos Daniel: “A primeira coisa é jogar com uma grande porcentagem de primeiro serviço, mas não aquele serviço só colocado. Depois, tem de pressionar na devolução, responder em cima da linha, sem dar tempo e afundar a bola ao máximo, pois você não pode dar a primeira bola mole para ele atacar”.

“O cara é bom, mas não é invencível como pregam. A maioria dos caras que ganharam dele foi porque jogaram sem se importar, sem ligar para quem estavam enfrentando. Federer vinha ganhando muitos jogos de primeira rodada, que é geralmente quando ele não está 100%, com a ‘camisa’. Tênis é muito mental. As pessoas não percebem, mas é”, garante Meligeni.

O que mudou nos últimos meses é que alguns adversários perderam o medo do suíço. No Aberto da Austrália, por exemplo, Federer foi levado ao quinto set pelo sérvio Janko Tipsarevic. “As derrotas para outros jogadores serviram para que os demais tivessem um pouquinho de luz, que não era apenas Nadal no saibro que poderia ganhar do grande Roger Federer”, afirma Leonardo Azevedo, treinador de Thomaz Bellucci.

Para ele, o suíço continua como o melhor no circuito e as derrotas para Djokovic e Murray são aceitáveis. O que lhe impressiona é a atitude dos jovens. “Djokovic não respeita Federer mais do que se deve respeitar. Portanto, seria normal derrotá-lo em alguma ocasião.” No caso de Murray, Azevedo acredita que o escocês possui uma qualidade rara no circuito: “Ele é um jogador que sabe fazer a transição da defesa para o ataque como poucos”.

#Q#

“O que Murray, Djokovic, Cañas e Nadal têm em comum é que todos jogaram ou jogam no contra-ataque diante de Federer”, analisa o técnico brasileiro. Entretanto, cada um mantém as características de seu jogo. Como Djokovic e Cañas, que possuem esquerdas bem diferentes. O sérvio consegue mudar a direção da bola com facilidade para atacar. Já o argentino se defende como poucos e força Federer a sempre bater uma bola a mais, induzindo-o ao erro.

Azevedo reconhece ainda que o fato de o maior rival do número um ser canhoto tem muita relevância nesse quadro. “Nadal consegue encontrar a esquerda do Federer com maior facilidade. Com isso, tem a chance de dominar os pontos”, disse. O importante a ser destacado é que o espanhol não se contenta em se defender apenas e jogar bolas altas na esquerda do suíço, mas, sim, consegue aproveitar uma bola mais curta para tomar a iniciativa e encarar Federer de frente.

“Quando se entra em quadra para enfrentar Federer, o importante é saber que vencê- lo será difícil, mas não impossível”, garante Azevedo. “Quando começou essa rivalidade entre eles, diziam que Federer não perderia para Nadal fora do saibro. Bem, isso já aconteceu duas vezes (Miami-2004 e Dubai-2006). E o espanhol já deu muito trabalho para o suíço na grama de Wimbledon, quando precisou de cinco sets para ser superado.”

Ron Angle/ Ella Ling / TPLEssa mudança no panorama do tênis masculino é positiva para o próprio Federer, que sempre rebate as acusações de declínio dizendo que as derrotas lhe dão motivação. Em Nadal, o suíço encontrou o primeiro gênero de tenista que lhe dava trabalho: os que sabem se defender e atacam sua esquerda. Em Djokovic, ele se deparou com alguém que saca e devolve bem e não o deixa dominar os pontos do fundo da quadra. Nalbandian, Cañas e Murray também sabem aproveitar das raras fraquezas do suíço e, além disso, jogam sem medo contra ele.

A fórmula do sucesso contra Federer, em princípio, pode parecer simples. Teoricamente, você deveria jogar bem na defesa, pois suplantá-lo no ataque é complicado, e sempre fazê-lo bater uma bola extra. Depois, precisa saber encontrar brechas no seu backhand, especialmente forçando os primeiros serviços nesta direção. Em seguida, tente não dar ângulo para ele e mantenha a bola o mais funda possível, de preferência no meio ou no mesmo lado da quadra, para que ele não faça suas jogadas espetaculares. Por fim, acredite que pode vencê-lo.

Enfim, basta ter qualidades suficientes para suplantar as deficiências do número um do mundo. Mas encontrar lacunas para jogar contra alguém que muitos consideram o melhor de todos os tempos não é tão fácil assim. Mesmo assim, as recentes derrotas fizeram com que muitos tenistas acreditassem na vitória e a aura de imbatível do suíço já não é a mesma. Seria Roger Federer um “mero mortal”?

Gustavo Pereira

Publicado em 2 de Abril de 2008 às 07:27


Instrução - Tática

Artigo publicado nesta revista