Ana agoniza

Ela deveria ser o novo rosto jovem e alegre que circuito feminino tanto busca, mas 2009 foi um martírio para Ana Ivanovic. será a pressão não foi mais do que ela poderia suportar?


fotos: ron C. angle/TPl

Localizada na região central do All England Club, a quadra 4 de wimbledon sempre recebe um tráfego intenso de pessoas, mas ao final da tarde da primeira terçafeira do torneio deste ano o frenesi transpôs os limites. Ombro a ombro, fãs espremiam-se nas arquibancadas de pedra que se erguem no canto direito da quadra. Também ficavam empilhados atrás dos bancos de madeira à esquerda. os mais atrasados se esticavam nas pontas dos pés para conseguir alguma visão, por mínima que fosse. o fluxo de massa humana espalhava-se pelos arredores.

Como qualquer fã de tênis bem educado, a maior parte daqueles que podiam enxergar o jogo aplaudia entusiasticamente as grandes jogadas e se remoia em tensão antes de cada ponto crucial. Outros, em sua maioria jovens, deixavam escapar assovios ao fim de cada rali.

Jovens e idosos, educados e rudes, meninos desajeitados e damas da mais alta classe, todos atrás de uma chance de ver de perto ana ivanovic. normalmente encoberta pelo glamour do jogo, nas grandes arenas com ingressos caros, a ex-número um do mundo vira em 2009 sua estrela esmaecer a ponto de se tornar acessível às massas nas quadras menores. a atmosfera, assim como em muitos de seus jogos este ano, era contraditória. de um lado, havia uma corrente de eletricidade voyeurística sussurrante passeando pelas arquibancadas - o sol de fim de tarde punha um charme extra nos longos cabelos negros de ivanovic, em seu imaculado vestido branco e em sua pele profundamente bronzeada.

De outro lado, sentia-se um apavorante senso de desastre iminente, como se a sérvia, em vez de jogar tênis, balançasse numa corda bamba a 15 metros de altura. o receio dos espectadores era compreensível. era pra ser uma rotineira partida de primeira rodada contra a 58a do mundo, lucie hradecka, mas o jogo estava empatado em 6 a 6 no terceiro set.

O toss de ivanovic viajava irregularmente. em um ponto, a bola ia para trás. no seguinte, muito à frente. seus golpes de base eram igualmente caprichosos. depois de executar perfeitamente um backhand na paralela, ela repetiu, um minuto depois, o golpe apenas para ver a bola acertar o aro de sua raquete voar para longe. entre um ponto e outro, ivanovic batia em sua coxa em seu ritual de autopunição e, com olhos temerosos, fazia contato com sua família nas arquibancadas. seus punhos cerrados tinham um ar de desespero.

A estrela cai

Não era para ser assim. a quadra 4, que reside no tênue limiar entre a badalação dos estádios principais e o total esquecimento das quadras secundárias, não é onde a maioria de nós achava que ivanovic passaria seu tempo em 2009. essa era aquela jogadora que aos 17 anos causara impacto no circuito com seu jogo de fundo de quadra ao mesmo tempo forte e suave, e, partindo daí, pacientemente escalara o ranking. nos quatro anos seguintes ela emagreceu, sanou as inconstâncias de seu jogo, oriundas de seus membros longos e golpes curtos, e aprendeu a aproveitar o máximo de suas notáveis habilidades, que permanecem entre as mais letais do tênis feminino.


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Ainda assim, fica o questionamento: será que esta calorosa e sempre sorridente sérvia, incapaz de fazer mal a uma mosca, tem a disposição para competir com mulheres notoriamente determinadas como maria sharapova, Venus e serena williams e Justine henin no topo do tênis mundial. não se pode culpar a wTa por torcer por isso. Tem sido difícil achar sangue novo nas chaves femininas ultimamente. das promessas que estrearam nesta década, só sharapova confirmou ser uma estrela que veio para ficar.

No primeiro semestre de 2008 Ivanovic não provou ser exatamente uma "matadora"; essa, aliás, é a última palavra que vem à mente quando se ouve a exuberante tagarelice da moça nas entrevistas coletivas. Mas, trabalhando com Sven Groeneveld na maior parte de 2008, ela provou ser conscienciosa e ambiciosa o suficiente para buscar os Grand Slams, em vez de se satisfazer com o status de celebridade e com uma invejável conta bancária. Em fevereiro de 2008, Ivanovic alcançou a final do Aberto da Austrália; quatro meses depois, venceu seu primeiro Major, Roland Garros, para se tornar número um. Parecia que o tênis feminino tinha produzido, finalmente, um rosto jovial e vendável para o futuro.

Lamentavelmente, Ivanovic passaria o meio de 2008 lutando contra uma contusão no polegar e terminaria aquele ano vencendo apenas mais um torneio. A nova temporada trazia um pouco de novas esperanças, mas ela foi incapaz de vencer um torneio sequer nos primeiros sete meses de 2009. À medida que jogava na quadra 4, ao invés de uma campeã do futuro, ela mais parecia uma tenista tentando se manter no circuito.

"Oi, eu sou a Ana"

Quem é ela, então? Será que algum dia Ivanovic esteve destinada a ser uma tenista dominante? Qualquer um que procure essas respostas provavelmente nada encontrará ao conversar com ela. Quando a entrevistei este ano em Indian Wells, ela encontrava-se no auge de sua simplicidade e otimismo. Seu rosto era um muro de boas vibrações. "Oi, eu sou a Ana", disse, sorridente, enquanto esticava as mãos para me cumprimentar. Episódio esse que seria irrelevante, não fosse o fato de a maioria dos tenistas profissionais saudar a imprensa com um silencioso e relutante aceno com a cabeça.

Não é o caso de Ivanovic, que se debruça sobre as perguntas com entusiasmo e prazer. Ela é a pessoa mais feliz quando fala de sua ampla variedade de amores. Ela ama os Estados Unidos, onde "as pessoas são tão legais". Ela ama o deserto da Califórnia, porque "lá se encontra tempo para si próprio". Ela ama cantores como David Gray e John Mayer - "Eu sou romântica", diz , aos sorrisos. Em diferentes ocasiões Ivanovic expressou, também, seu amor por gamão, sudoku, montanhas russas, os ensinamentos do Dalai Lama e a prática de tênis.

fotos: Ron C. Angle/TPL

Até mesmo na sala em que estamos, um espaço bagunçado, sem jogadores, com videogames e sanduíches embrulhados, Ivanovic encontra afinidades."É tão quieto aqui, adoro isso", diz ela, meio sussurrante. Para uma pessoa tão comunicativa, a sérvia fala bastante sobre os prazeres da solidão.

"Às vezes gostaria de me livrar de tudo e ir para algum lugar onde ninguém me conhecesse", diz Ivanovic às gargalhadas; para ela essa não é uma idéia melancólica. Estar sozinha significa menos um refúgio e mais uma maneira de aproveitar a si mesma, não tão diferente de estar numa quadra correndo de um lado para o outro. Nesse sentido, o esporte a completa. Os tenistas se encaixam naquele estranho paradoxo: o solitário extrovertido.

"Sei que não posso simplesmente desaparecer", acrescenta Ivanovic, mesmo que deixar o tênis seja uma idéia que tenha passado por sua cabeça mais de uma vez em 2008. A tenista diz ainda que, vez ou outra, entra em conflito dentro de quadra. "Eu me pergunto: devo jogar agressivamente (Should I play aggressive, em inglês) - diz, acentuando o 'eeve', marca de seu notório sotaque - ou com efeito". "Depois do ponto, pensaria: como deveria ter jogado? Bato uma bola de um jeito e a seguinte de maneira diferente".

Para coibir sua indecisão, Ivanovic contratou, em fevereiro, o antigo técnico de Martina Navratilova, Craig Kardon. Depois de Ivanovic alcançar sua primeira final em 2009, em Indian Wells, a combinação deu mostras que tinha tudo para ser vencedora.

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Volta interrompida

Para chegar lá, entretanto, ela passaria por uma maratona de tentativas de volta, e seus resultados rapidamente foram ladeira abaixo. Nos cinco eventos seguintes, Ivanovic sequer chegou às quartas. De todas as derrotas, a mais dura foi para Victoria Azarenka, na quarta rodada de Roland Garros. A então adolescente Azarenka bateu a atual campeã sem ter que jogar mais que um tênis de rotina e aparentemente sem duvidar nem um minuto de sua superioridade. Ivanovic deixou o top 10 e rompeu com Kardon após o torneio.

"O ano seguinte àquele em que você desponta pode ser duro", diz Kardon. "Ela colocou a pressão sobre seus ombros depois de se tornar a número um". Kardon acredita quer Ivanovic pode voltar a vencer Grand Slams, mas para tal "ela precisa aprender a controlar suas emoções durante a partida", diz ele, ressaltando que a sérvia esteve no meio de um "furacão" em 2009, e que ela pode sentir que precisa deste final de ano para que possa virar a mesa tão rápido quanto é humanamente possível.

Seu sucesso em 2008 trouxe à tona três desafortunados elementos: exposição excessiva, expectativas superdimensionadas, número crescente de compromissos. Por volta de junho, eles tinham conseguido amarelar o belo sorriso de Ivanovic. "Realmente não há muita amizade entre as garotas no circuito", disse Ivanovic ao jornal londrino "Mail On Sunday", antes de Wimbledon. "Há muita rivalidade e ciúme. Todo mundo se preocupa com o seu lado. No vestiário, há muito ciúme".

Quanto ao visual de celebridade da sérvia, ele mais parece uma maldição do que uma benção. "Nenhuma garota gosta de ser comparada a outra", diz Ivanovic. "Fico lisonjeada que as pessoas gostem da minha aparência, mas isso não me ajuda durante os pontos. Acho que a razão pela qual há menos rivalidade e mais amizade no circuito masculino é o fato de eles não lidarem com este elemento". Um mês depois, um perfil sobre Ivanovic intitulado "Ace interrompido" (Ace Interrupted), publicado pela revista Vogue, era ilustrado por uma foto em que a tenista aparecia mal-humorada num calçadão na França.

Na Escócia, ela foi cercada por paparazzi enquanto asssistia a seu namorado, o golfista australiano Adam Scott, jogar o British Open. E todas essas pressões de fora da quadra são as que Ivanovic mais sente, segundo pessoas que trabalharam com a ela.

"O que faz Ana fácil de ser treinada", diz Kardon, "é que ela quer muito e vai até seus limites atrás de seus objetivos". "Ela pode ser perfeccionista", diz o antigo treinador de Andre Agassi, Darren Cahill, que trabalhou com Ivanovic no meio do ano. Como Kardon, Cahill sustenta que a sérvia é o que se vê: "Ana realmente é uma ótima pessoa, com um grande coração e uma inteligência inocente. Você pode dar o conselho mais elementar e ela vai encarar você com os olhos escancarados, como se tivesse tendo uma revelação. Ela sabe como fazer um treinador se sentir bem".

Será que Cahill, junto a Groeneveld, que voltou a treinar a sérvia no meio de 2009, pode fazer alguma revelação que a ajude ela recuperar seu melhor jogo? "O serviço dela é um problema", diz Cahill. "Há um problema técnico no toss que ela está trabalhando muito duro para resolver". E o saque, naturalmente, não é apenas mais um golpe. "Se você não o domina", afirma Cahill, "ele afeta todo seu senso de controlo do jogo."

Os que acompanham o jogo de Ivanovic desde cedo podem acrescentar que seu estilo gira em torno de golpes agressivos que não costumam ser constantes, e que ela não possuiu a velocidade nata de Venus Williams ou o ágil trabalho de pernas de sua compatriota, Jelena Jankovic.

Mas sejam quais forem os obstáculos, torcemos para que ela os transponha. Poucos argumentariam que o tênis é melhor sem uma Ana Ivanovic vencedora. Enquanto sérvia dispara seus golpes de base ao mesmo tempo agressivos e suaves e discursa, alegremente, após cada vitória, ela deixa o esporte mais belo e divertido, como algo digno de ser amado.

From Tennis Magazine. Copyright 2009 by Miller Sports Group LLC. Distributed by Tribune Services

Stephen Tignor

Publicado em 17 de Dezembro de 2009 às 09:06


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Artigo publicado nesta revista