A volta da alegria

Djokovic ressurge e consegue, enfim, romper a dicotomia Federer-Nadal


André Chaco/Foto arena

André Chaco/Foto arena

NO FINAL DE 2003, ROGER FEDERER havia assumido o posto de melhor do mundo. Em meados 2005, Rafael Nadal surgia para confrontá-lo. Há quatro anos, em 2007, Novak Djokovic aparecia como a terceira força do tênis mundial.

O sérvio era bonachão. Divertido. Seu jogo eram sério, mas suas atitudes em quadra era de alguém que se divertia. Ele não se encaixava no perl de Federer (discreto, pouco emotivo e ecaz), nem no de Nadal (raçudo e batalhador). Ele era o irreverente. O "Djoker". Apelido que a mídia norteamericana logo lhe pôs e que vem de "joker", o curinga do baralho. Ele era o palhaço. O brincalhão.

E era mesmo. Suas reações em quadra animavam o público, muitas vezes mais do que seu jogo. Ao perder um ponto fácil, mãos ao céu e alguma frase engraçada logo se seguia. De repente, junto com os bons resultados - em que se incluem a nal do US Open em 2007 e o título do Australian Open em 2008 - descobriram que o rapaz tinha mesmo um talento para a comicidade.

Logo se espalhou um boato de que ele imitava seus colegas de profissão. Em seguida, vídeos no Youtube comprovaram. Neles, ele aparecia em treinos imitando Nadal, Andy Roddick e Maria Sharapova com seus inúmeros trejeitos. Quando perguntado, negava. Mas não demorou para que os promotores pedissem para que ele demonstrasse suas habilidades de imitador - em inglês diz-se impersonator (alguém que personica outro) - em quadra, diante de multidões e da televisão.

Alguns colegas de profissão reclamaram, outros nem ligaram, outros até apoiaram as palhaçadas de Djokovic. Nos vestiários, ele era motivo de todas as conversas. A mídia o exaltava. Enfim alguém com personalidade no circuito. Enfim alguém que dá o que falar além de suas vitórias. Se Federer e Nadal representavam o tênis, um com sua plástica, outro com sua garra, o sérvio era um contraponto bem vindo à seriedade dos dois, à seriedade do esporte.

#Q#

No final de 2010, Djokovic voltou a ser o que era. Divertindo-se fora da quadra, ele passou a ser divertir também dentro dela e foi aí que seu jogo recuperou a alegria

André Chaco/Foto arena

CHATICE

De repente, depois de ganhar o primeiro Grand Slam, algo estranho aconteceu com o Djoker. As piadas sumiram. A cara fechou. As entrevistas caram chatas. Repetitivas. Monótonas. Ele pedia para não mais ser questionado sobre imitações. Queria ficar focado no jogo. Era isso o que importava, fazia questão de frisar. Já não demonstrava emoções em quadra. Sorrisos, antes constantes, agora eram quase que proibidos. Acabou a brincadeira. Contudo, a versão séria de Djokovic não agradava ninguém. Nem a ele mesmo.

Esperava-se que, sem palhaçadas, seu jogo crescesse , assim,e ele poderia confrontar Federer e Nadal de igual para igual e não ser apenas um coadjuvante dos dois. Não foi o que aconteceu. As vitórias não vieram e, sem elas, veio um amargor que tomou conta da personalidade do sérvio.

Essa mudança de perfil não lhe trouxe nada de bom. Tanto que ele chegou a ser vaiado no US Open de 2008. Algo impensável se considerarmos que, no ano anterior, ele era o xodó do público norte-americano. Sua luz começava a esvaecer, assim como seu jogo. De terceira força do tênis, logo voltou a ser considerado apenas mais um "sem brilho" atrás de Federer e Nadal.

RINDO POR ÚLTIMO

Até agosto de 2010, Djokovic resolveu abandonar seu papel de palhaço, mas não viu nada de novo acontecer em sua carreira, que parecia, sim, estar decaindo. Durante o US Open do ano passado, porém, ele se permitiu rir novamente. Voltou a demonstrar os sentimentos em quadra, zombar de si mesmo. Até aceitou imitar os colegas diante das câmeras de novo. Timidamente, ele voltava a ser o Djoker.

Algo ainda não estava se encaixando em seu jogo, mas sua personalidade - pelo menos aquela que o público conheceu em 2007 - dava sinais de que retornava ao seu formato original, um formato que agradou tanta gente. Logo, divertindose fora da quadra, o sérvio começou a se divertir dentro dela, quando seu jogo também recuperou a alegria, a irreverência.

Foi assim, com um sorriso no rosto, que ele venceu novamente o Australian Open em 2011 e que somou 24 vitórias seguidas neste começo de temporada (e nenhum derrota), ganhando ainda Dubai e os Masters 1000 de Indian Wells e Miami. Dessa maneira, Djokovic volta de nitivamente a compor a trinca do tênis, sem ser igual a Federer ou Nadal e, quem sabe, tornando-se melhor do que eles.

Renato Cukier/Foto arena
A maneira como a vitória sobre Troicki na estreia do US Open 2010 fez Djokovic ressurgir é difícil de explicar, mas este claramente foi seu momento da virada

O PONTO DA VIRADA

Era a primeira rodada do US Open 2010 e Novak Djokovic estava com um problemão. Apesar de ele ter ganho o primeiro set na estreia contra Victor Troicki, ele perdeu os dois sets seguintes, 6/3 e 6/2. Dadas as complicadas condições, e o histórico de Djokovic com problemas respiratórios e colapsos físicos, isso era uma má notícia para a talentosa estrela sérvia, cabeça-de-chave três do torneio. A temperatura em quadra era de 42°C, o jogo de Troicki também estava "quente" e Djokovic começou a entrar em pânico. Ele não se sentia bem, e Troicki estava ganhando.

Djokovic sabia que a única coisa que podia ser pior do que isso era ele perder para Troicki, seu compatriota. Apesar de eles serem amigos e colegas na Copa Davis, havia história no confronto, como Djokovic explicou depois: "No primeiro torneio oficial da minha vida - era categoria até 10 anos - venci a primeira partida e então joguei com Troicki na segunda. Ele me destruiu. Ainda conversamos sobre isso".

Entre os entendidos, uma derrota para Troicki seria um pesadelo. Ainda que Djokovic tenha mantido seu ranking durante 2010, ele parecia estar com dificuldades. Seu saque estava uma porcaria, a ponto de ele dar mais duplas-faltas que aces. Então houve a derrota para Tomas Berdych em Wimbledon por três sets a zero na semifinal - o sérvio descreveu isso como: "Não estava indo para as bolas. Estava meio que esperando ele cometer erros. Eu estava errado".

Isso certamente foi dito honestamente, mas uma questão urgia daí: "Como um excampeão de Grand Slam e atual top 3 pode tomar uma decisão tão ruim? Por que ele não retificou seu erro quando o percebeu?" Djokovic parecia estar encaminhando a resposta. Semanas atrás, se ele esti vesse perdendo para Troicki, seria inevitável que ele entrasse em colapso. Ele tinha vivido muito tempo nas sombras.

Mas a derrota não veio. Depois de um 7/5 no quarto set, Djokovic venceu Troicki. Quando ele acabou perdendo a final do US Open para Rafael Nadal numa batalha de quatro sets, sua reviravolta estava completa, se não já completamente validada. O selo final de aprovação só seria deferido em sua próxima participação em um Major, o Australian Open 2011. O sérvio planou pela competição, perdendo somente um set e demolindo Andy Murray na final. De repente, o tênis se tornou um tripé: Federer, Nadal e Djokovic.

A coisa curiosa e incrível nos últimos cinco ou seis meses na vida de Djokovic não é que ele deu a volta por cima, mas como ele fez isso. Aquele jogo com Troicki foi um momento essencial. Ele nunca será identificado como o momento de transformação dele ou um dos maiores de sua carreira, mas ele poderia ser ambos. Qualquer um que afirma que pode lhe dar uma explicação boa e lógica para o que aconteceu durante e imediatamente depois daquele jogo estará louco ou mentindo.

Sim, Djokovic se inflamou. Obviamente, ele começou a acreditar em si mesmo. Sem dúvida, todos os aspectos de seu jogo, incluindo o saque vacilante, logo melhoraram. Mas não há uma explicação satisfatória do porquê. E isso é uma das coisas bonitas deste esporte. Ele não é inteiramente sobre X e Y, a qualidade do treinador, a quantidade dos erros não forçados, ou das estatísticas de primeiro saque.

Tênis é um pouco como a mãe natureza nesse aspecto. É preciso uma combinação de circunstâncias, nem todas óbvias ou previsíveis, para começar um evento em massa como uma avalanche ou fazer finais de Grand Slams em anos consecutivos. Como aquela vitória sobre Troicki se encaixa no ressurgimento de Novak Djokovic é impossível de explicar, mas, ao olhar para trás, é óbvio que foi um momento de virada.

Acho que podemos dizer que Djokovic conseguiu uma recompensa pela derrota que sofreu nas mãos de Troicki quando eles duelaram aos 10 anos de idade.

Por Peter Bodo

From Tennis Magazine. Copyright 2011 by Miller Sports Group LLC. Distributed by Tribune Services

Arnaldo Grizzo

Publicado em 4 de Maio de 2011 às 07:49


Perfil/Entrevista

Artigo publicado nesta revista