Análise rivalidade
Quem foi o melhor quando no melhor da forma?
Rafa domina Roger, Roger segura Novak, Novak frustra Rafa – isso tudo nós sabemos. Também não há muita discussão quando dizemos que Roger Federer é o tenista, desta geração, que mais alcançou feitos. Ele venceu 17 Grand Slams e desfrutou de muito sucesso por muito tempo contra adversários de porte. Consistência conta. Permanecer saudável conta. Persistência conta. Resiliência também.
Também não há debate ao dizer que Rafael Nadal é o incontestável rei do saibro, com o recorde de sete títulos em Roland Garros e apenas uma derrota em 53 partidas no Aberto francês.
E não há argumentos para rebater as 43 vitórias seguidas de Novak Djokovic, incluindo 41 para começar 2011, como uma série inigualável entre esses três grandes tenistas.
O problema que discutimos aqui não é o tenista que possui a melhor carreira; é que jogador tem sido o melhor quando está no seu auge. Indo diretamente para os números de confronto direto, Nadal tem vantagem, muito por causa dos 18 a 10 que tem contra Federer, incluindo 8 a 2 em finais de Grand Slam. Federer tem 15 vitórias e 12 derrotas contra Djokovic, com a pequena margem de 6 a 5 em confrontos em Majors. E mesmo que Nadal tenha 19 a 14 contra Djokovic, com 6 a 3 em Grand Slams, essas três vitórias foram em finais nos últimos dois anos. A terceira delas, na Austrália, neste ano, foi a sétima vitória seguida do sérvio sobre o espanhol, a série mais longa que um dos tenistas teve sobre o outro considerando esse trio.
Portanto, quem foi o melhor em seu auge? A questão foi posta para três editores da TENNIS Magazine, Peter Bodo, Stephen Tignor e Tom Perrotta, que cobrem o esporte há mais de 60 anos. Que comece o debate.
Por Peter Bodo
Quando se trata de tentar determinar qual deles foi o melhor em seu auge, os Três Grandes correspondem ordenadamente – se não remotamente – à brincadeira de criança conhecida como “joquempô”, com Pedra (Djokovic), Papel (Federer) e Tesoura (Nadal). Você sabe a história da temporada 2011 e 2012: pedra quebrou tesoura, mas o papel cobriu a pedra. Obviamente, o tênis não é imutável e essa relação de dominância está sempre mudando e evoluindo. Ainda assim, quando se trata de escolher o melhor dos três, fico com o elemento menos imponente, Federer.
Um dos princípios de longa aceitação que tem sido amplamente provado no curso dessa “t”rivalidade é que a superfície da quadra tem muito a ver com os respectivos sucessos. Pode alguém duvidar que Nadal seja – há anos-luz de distância – o melhor no saibro? Djokovic tem cinco Grand Slams e 12 Masters 1000 e é o melhor em quadras duras. Nadal possui 11 Grand Slams e 20 Masters 1000, a maioria no saibro. Federer tem 17 Majors e está empatado com Nadal com 20 Masters – seis deles no saibro em 11 finais.
O currículo mais equilibrado deles pertence a Federer. Sem surpresa, a superfície onde ele é menos efetivo é o saibro, mas isso parece ser somente por causa de Nadal, que muitos já consideram o maior jogador de terra batida da história. Isso nos leva ao princípio número 2: tudo se resume aos confrontos e, enquanto o jogo de saibro de Nadal é uma criptonita para Federer, o suíço foi o grande número dois na terra durante toda a carreira de Nadal.
Federer esteve na final de Roland Garros por cinco vezes, perdendo todas as finais para Nadal, menos em 2009 contra Robin Soderling. Em contraste, Nadal tem apenas um título de US Open e nunca jogou contra Federer em Nova York – isso não é culpa do suíço, já que ele esperou por alguém na final por sete vezes.
Em Wimbledon, Federer está empatado no recorde com sete títulos. Ele foi vice para Nadal em 2008, mas tem vantagem de 2 a 1 contra Rafa em finais no mais prestigioso torneio de todos. Nadal tem 2 a 0 contra Federer no Australian Open, mas o suíço ganhou quatro títulos lá, Nadal, um. Djokovic não jogava nesse nível – ainda.
As estatísticas podem enganar, mas ao contrário de julgamentos subjetivos, eles, pelo menos, tem uma base quantificada. Portanto, não vamos ser vorazes, mas é razoável saltar de uma conclusão quantificada para uma subjetiva: Roger Federer é um tenista muito mais versátil do que Nadal e Djokovic, e isso diz que, em seu auge, ele triunfa em qualquer superfície, menos saibro, e só cai aí se encontrar seu nêmesis, Nadal.
A grande habilidade de Federer também parece uma fraqueza: sua versatilidade que não parece muito sexy, assim como o papel não parece a substância mais letal diante da pedra e da tesoura. Porém o papel é a substância em que confiamos nossos mais profundos pensamentos, e a qual teve o maior papel na história da humanidade em comparação com as outras. O paralelo é irresistível; Federer, entre os Três Grandes, é o indivíduo que mais efetivamente demonstrou a arte e a beleza atlética do tênis, e é por isso que ele é o mais amado da “t”rivalidade. Sua maior conquista pode ser que ele provou que você pode jogar tênis do modo que os deuses imaginavam que ele deveria ser jogado e ainda vencer mais Majors do que qualquer outro tenista.
Há dimensões práticas e físicas direcionando a genialidade transcendente de Federer também. Ele é extremamente ágil e fluido, e tem um timing que faz com que seus golpes sejam mais mordazes e letais do que podem parecer para o espectador. Seu saque é soberbo, seu voleio, afiado, seu forehand, tão volátil e perigoso quanto explosivos plásticos. Os raros momentos em que Federer está vulnerável são nos longos ralis no backhand, mas o preço que ele paga é oneroso apenas no saibro e apenas contra Nadal (mencionei que Federer cessou a incrível série de vitórias de Djokovic em 2011 no saibro, nas semifinais de Roland Garros, pelo que seu prêmio foi perder novamente para Nadal?).
No entanto, a ideia de versatilidade implica que o todo exceda a soma das suas partes e esse truísmo é a chave para entender a grandeza de Federer. Isso também ajuda a responder a questão que fica se repetindo, especialmente agora que o suíço passou dos 30 – geralmente considerada zona mortal para os tenistas profissionais: Como esse cara continua fazendo isso? Pense dessa forma: pedra quebra tesoura, mas papel cobre pedra.
Por Tom Perrotta
Talvez seja porque eu tenha sido sortudo o suficiente para ver isso ao vivo. Domingo, 6 de julho de 2008, a final de Wimbledon entre Roger Federer e Rafael Nadal, a maior partida da história. Desde aquele dia, comparei tudo a ela – e não achei nada remotamente parecido. Dois dos maiores tenistas da história mirando as linhas, exaurindo-se física e mentalmente, ponto após ponto. A história no foco de Federer (ele poderia ter vencido Wimbledon pela sexta vez consecutiva) e de Nadal (poderia ser o primeiro a vencer Roland Garros e Wimbledon em sequência desde Bjorn Borg). Chuva. Atrasos. Escuridão. Um jogo que não estava parelho, então se tornou parelho, e então tão parelho que era imprevisível e instigante. Se não tivesse terminado quando terminou, às 9h16 da noite, provavelmente teria sido adiado para o dia seguinte.
A coisa mais bonita dessa partida: toda vez que eu olho para ela – seja clips, games inteiros ou até sets –, ela parece melhor do que antes. Quando meu filho (ele tem três anos) tiver idade o suficiente para desfrutar disso, este será um dos primeiro eventos esportivos que vou mostrar para ele. Aqui. Veja isso. Isso não fica melhor. E sei disso também: Naquele dia, ninguém – nunca – iria derrotar Nadal.
A caminhada de Nadal para Wimbledon começou com os títulos no saibro de Monte Carlo, Barcelona e Hamburgo. Em Roland Garros, ele venceu Federer na final perdendo apenas quatro games. Então, ganhou na grama de Queen’s e parecia inevitável que ele e o suíço se reencontrassem na decisão na Inglaterra pelo terceiro ano seguido. Federer venceu a primeira em quatro sets. A segunda, em cinco sets, levou Nadal aos prantos no vestiário.
Nadal controlou os dois primeiros sets com uma facilidade inquietante. Ninguém nunca havia feito isso com Federer em Wimbledon, onde ele tinha ganhado por cinco anos seguidos. O suíço venceu o terceiro set. Então, no tiebreak do quarto, Nadal fez a bola do jogo, um forehand paralelo completamente esticado na corrida para uma passada estando dez passos atrás da linha de base. 8/7, match-point Nadal. O espanhol sacou no lado da vantagem, ideal para um canhoto. E então ele tremeu. Bateu um saque slice aberto que Federer apenas botou de volta com underspin, dentro da linha de saque no meio da quadra. Nadal foi para frente. O suíço hesitou, ficou parado. Estava acabado. O espanhol tinha o lado esquerdo todo da quadra aberto para um forehand winner paralelo. Ele nem precisaria bater perto da linha. Em vez disso, ele enganchou um forehand na direção do backhand de Federer e foi para a rede. Ele jogou seguro – para não perder – e o approach foi fraco, e o suíço disparou um winner paralelo. Ele venceu o set e sacou primeiro no quinto.
O que fez de Nadal tão diferente, e tão invencível, naquele dia não foi apenas que ele melhorou seu saque e slice de backhand e deixou seu forehand mais flat. Sua força sempre foi a determinação, e ele mostrou mais disso naquele quinto set do que em qualquer momento antes ou depois em sua carreira. Ele deixou aquela final ficar distante dele e então a trouxe de volta – tirou-a do homem que dominou Wimbledon por cinco anos seguidos.
Federer disparou aces; Nadal não se curvou. Federer teve um break-point no meio do set, Nadal salvou-o com uma combinação de forehand e smash. Eles foram para frente e para trás, com um golpe sublime depois do outro. Lembra do lob de bloqueio de backhand em um smash de Nadal, aquele que voou quase 10 metros no ar e flutuou, flutuou, flutuou para a linha de base? Nadal sobreviveu a isso. Precisou do melhor backhand de sua carreira – um winner cruzado de fora do corredor de duplas – para ter o break-point no 7 a 7, mas mesmo depois de quebrar, ele precisava fazer mais. Um ponto com saque-e-voleio no 0/15. Um ataque rasteiro e atrasado e outro voleio no 15/15. No 40/30, ponto do jogo novamente, Federer fez algo que nunca faz: ele rebateu a devolução de saque, um golpe ofensivo, ao contrário do seu costumeiro slice. O suíço tinha tentado de tudo e, alguns pontos depois, ele perdeu para o único homem que o derrotou em seu auge em sua melhor superfície. Foi necessária uma performance inigualável, a melhor de uma geração extraordinária. Naquele momento, ninguém foi melhor.
Por Stephen Tignor
Cinco anos atrás, os editores da TENNIS Magazine fizeram um perfil dos jovens profissionais que estavam prestes a se tornar estrelas. Andy Murray, Ana Ivanovic, Gael Monfils e Nicole Vaidisova estavam entre eles. Alguns, obviamente, tiveram mais sucesso do que outros. Eu escrevi sobre um garoto de 20 anos chamado Novak Djokovic que havia entrado recentemente no top 10 e que estava avisando todos para que saíssem do seu caminho, pois ele estava em busca do número um. Alguns foram céticos, mas não demorou muito para o pretensioso e divertido sérvio tomar a direção que ele dizia. Alguns meses depois, no Australian Open 2008, Djokovic derrotou Roger Federer em sua trilha para ganhar o primeiro Grand Slam.
No meu perfil, descrevi Djokovic como um “jogador do jogador”. Com o que eu queria dizer que ele faz todas as coisas certas, aquelas coisas pouco espetaculares que todos nós que não jogamos tênis profissionalmente não notamos. Ele dá um passo a mais para chegar na posição do golpe. Ele gira o ombro e tronco completamente. Ele dobra bem o joelho em cada bola baixa. Ele defende tão bem quanto ataca. Ele é competente em todas as áreas do jogo, a ponto de seus oponentes procurarem em vão uma fraqueza para explorar.
Olhando para trás, essa descrição parece justa, porém pode ser relevante chamar Djokovic de “o jogador moderno ideal”. Ele certamente se encaixa. Em uma era em que o backhand de duas mãos domina, as superfícies ficaram mais lentas, velocidade e excelência atlética são essenciais, e as devoluções são tão importantes quanto os saques, não é surpresa que Djoko tivesse eventualmente dado vida às suas palavras e alcançado o topo do esporte.
Enquanto Djokovic, Federer e Nadal têm cerca de 2 centímetros e 5 quilos de diferença uns dos outros, o sérvio é esguio em vez de encorpado, o que lhe dá força sem perder velocidade. Sua flexibilidade o permite jogar a perna e deslizar numa quadra rápida. Apesar dos rangidos do tênis e do furor da plateia enquanto ele está fazendo isso, ele não parece mal. Seu corpo elástico e dobrável mudou a forma como se defende no tênis. Se Federer é elegante, Djokovic é polido; se o suíço é um maestro, em seu auge o sérvio é virtuoso.
Ainda assim, por quatro anos, Djoko falhou em cumprir sua promessa de ser o próximo número um. Pareceu que ele não tinha a mente para acompanhar seu corpo ou que tinha má sorte de ter nascido numa das eras mais competitivas do esporte. A resposta, obviamente, foi esta segunda alternativa, mas aconteceu que Djokovic tinha sim o necessário para competir com as lendas dessa época dourada, Federer e Nadal. Em 2011, inspirado e pressionado pelos rivais, o sérvio finalmente os suplantou. No seu melhor ano, ele fez coisas que mesmo Roger e Rafa não fizeram.
Para começar, ele venceu 41 partidas em série, ficando a uma do recorde da temporada estabelecido em 1984 por John McEnroe. Durante essa sequência, Djokovic ganhou o Australian Open e quatro Masters 1000. Ele venceu Federer em sets diretos em Melbourne e bateu Nadal em duas finais fatigantes em Indian Wells e Key Biscayne. Então Djoko fez algo que ninguém havia feito antes: ele destronou Nadal no saibro, derrotando-o em sets diretos nas finais de Madrid e Roma. Mesmo Federer nunca venceu Rafa duas vezes na temporada de saibro.
Depois de ter sua série quebrada por uma performance singular de Federer nas semifinais em Paris, Djokovic voltou para vencer seu título dos sonhos em Wimbledon. Seu momentum o levou do saibro para a grama e ainda para as quadras duras da América do Norte, nas quais ele venceu o quinto Masters 1000 no ano (um recorde), em Montreal. Ele finalizou seu annus mirabilis ao vencer Federer na semi e Nadal na final para conquistar seu primeiro US Open. Três Majors, cinco Masters 1000, 41 vitórias seguidas, mas o mais impressionante de tudo foi seu recorde de 10 a 1 contra Rafa e Roger. Se estiver procurando por recordes que nunca serão quebrados, não vá além deste último.
Contudo não foram apenas as estatísticas ou a longa série de vitórias que tornaram a performance de Djokovic tão especial. Foi a forma como ele venceu as partidas. Ele fez isso com um jogo perfeito, para a história, e com uma flexibilidade virtuosa. Não há fraquezas, não há buracos, não há lugar que os adversários possam ir – não há esperança. Ele venceu Nadal em seu próprio jogo de força e em sua superfície favorita; e ele venceu Federer com sua própria marca de golpes cintilantes. Pode ter durado apenas uma temporada, mas em 2011 Djokovic foi o maior deles.
Publicado em 21 de Novembro de 2012 às 07:57