Técnica

Os segredos do touro

Os atributos de Rafael Nadal que valeram o bi do Brasil Open e o porquê de ele continuar sendo referência nos momentos mais importantes


Flávio Sampaio/Inovafoto

COM APENAS 18 ANOS, Rafael Nadal surpreendeu a todos ao conquistar o título do Brasil Open e caminhar para um total de 11 títulos ao longo de 2005, incluindo o primeiro Grand Slam, em Roland Garros. Na época, os especialistas ficaram impressionados com sua capacidade de correr atrás de qualquer bola e esperar, assim, o erro do adversário.

Se o estilo cadenciado no saibro passou a incomodar os mais críticos, o espanhol não se contentou em ganhar apenas na regularidade. A paciência e a atitude de luta minaram a confiança dos seus rivais aos poucos. E quando o seu nível ficou alto demais nos pisos mais lentos, Nadal tratou de evoluir também em superfícies mais rápidas. Ele aliou potência e variação para brilhar na grama de Wimbledon, no piso emborrachado da Austrália e no sintético do US Open, que ficaram à mercê de um atleta versátil, capaz de montar táticas perfeitas para superar adversários de estilos distintos.

Após oito anos, Nadal se tornou novamente campeão em quadras brasileiras, mas ainda está longe de apresentar aquele jogo que o coroou como o verdadeiro rei do saibro. O espanhol ainda deixa a desejar em vários fundamentos, peca na movimentação e acusa jogar com dor. Mas, ainda assim, continua um vencedor na análise dos adversários. A Revista TÊNIS aproveitou a volta do Touro Miúra ao ATP brasileiro para esmiuçar o estilo do bicampeão do Brasil Open. Afinal, o que Rafa tem para fazer perdurar sua majestade?

BOM DA CUCA

Em São Paulo, o público viu de perto um Nadal ainda bem aquém do que pode render. Mas é raro você ver o espanhol saindo de jogo, falando um palavrão ou abusando da raquete. Um dos seus alicerces é a capacidade em se manter focado ao longo de toda a partida, seja perdendo um longo rali, seja com um erro não forçado no meio da rede.

Para o treinador Ricardo Acioly, Rafa se diferencia pela maneira que encara os jogos, em que não deixa regredir seu poder de concentração. “É raro você o ver ruim de cabeça, não estar a fim de jogar. Você vê o Federer entrar em quadra, talvez, não tão focado, o [Novak] Djokovic a mesma coisa, não quer sofrer. O Murray então? Nem se fala”, começa Pardal. “Rafa pode estar até tenso, mas nunca se dá por vencido. É isso que cativa as pessoas, ter um cara que dá o máximo de si nos pontos, esteja ou não em um mau dia, ele sempre zera a cabeça. Pode ter feito uma dupla-falta, mas no ponto seguinte está com uma fisionomia de que não aconteceu nada, joga como se fosse o primeiro ponto. É a razão de ter dominado tanto no saibro”, completa o ex-capitão da Copa Davis.

O duplista André Sá reitera a luta e determinação do espanhol, apontando a dificuldade para os rivais em não ceder pontos diante da intensidade altíssima. “Além de ele ser um grande competidor, enfrentar um jogador que não lhe dá nenhuma brecha nas partidas, o jeito dele de competir no saibro, com todo o volume de jogo que ele imprime, fica difícil batê-lo”, explica o mineiro.

FORÇA TAURINA

Conforme foi crescendo no ranking da ATP, foi evidente também a evolução dos músculos de Nadal. O “Toro” se tornou referência para os que priorizam a resistência e velocidade. O preparador físico da equipe brasileira na Davis, Eduardo Faria, crê que o espanhol criou um padrão inigualável quanto à preparação ideal pré-jogo.

“Ele tem uma base muito bem estruturada, fez a preparação física desde que começou a jogar tênis. Esse estímulo que ele teve nessas primeiras semanas da sua volta (em Viña del Mar e São Paulo), como ele tem uma boa base, acaba se estruturando novamente. O cara tem um físico muito avantajado. Se você vê as imagens, ele está ‘fit’ (em forma), magro, mas, ao mesmo tempo, definido. Tem volume muscular, massa, força e resistência”, explica Faria.

Segundo Thiago Alves, a potência nos golpes de Nadal é resumida pela rapidez de braço na continuação dos movimentos. “Ele é um cara muito forte, a aceleração dele é diferente da dos demais, é assustador a velocidade que ele consegue imprimir na bola. É por isso que é difícil jogar contra ele no saibro, porque é um lugar em que você tem mais tempo para acelerar a batida”.

Um dos jogadores mais rápidos de sua geração (não é à toa o apelido “Mosquito”), Juan Carlos Ferrero também destaca a agilidade do compatriota graças a um excelente trabalho de pernas. “Rafa tem um grande físico, chega bem em todas as bolas, se apoia muito bem e, a partir disso, ganha confiança nos jogos. Tudo isso faz parte de um processo. Ele nunca se dá por vencido, sempre quer melhorar e tem muita força e rapidez do fundo”.

EXCELÊNCIA TÁTICA

Mas falar que Nadal conquistou tudo em sua carreira apenas se baseando na força bruta e paciência de esperar os erros gratuitos é um equivoco. Para Sá, o espanhol se destaca pela leitura eficiente do jogo, sabendo o momento certo de sair da defesa para o ataque. “A maneira que ele consegue se defender é o melhor dele, o que acaba sendo primordial para o saibro. E é impressionante como ele consegue transformar o jogo defensivo em ofensivo em questão de segundos, talvez o melhor que faça isso na história”, confirma.

Outro expoente nas duplas, Jaime Oncins afirma que o espanhol se sobressai por ganhar a quadra aos poucos, graças ao forehand com efeito e potência, encurralando o rival com uma bola mais curta em que pode trabalhar rumo à definição do ponto. “O cara tem uma atitude formidável. Em termos de estratégia, ele corre igual um louco [risos] e faz o rival jogar sempre mais uma bola. O Nadal trabalha o ponto muito bem com o seu drive, joga o cara para trás, para o lado, abre a quadra com maior ângulo, sempre procurando espaço para definir com a melhor bola, a sua melhor jogada”, explica o treinador.

Técnico de Thomaz Bellucci, o argentino Daniel Orsanic observa a presença de Nadal nas horas mais importantes de uma partida, fato que o faz ganhar jogos com sua influência dominante. “Ele se defende muito bem, é muito sólido. Mantém a bola em quadra muito mais do que a maioria do circuito, sobretudo nos momentos decisivos. Rafa é muito determinado. A fome que tem é muito grande. Não tenho dúvidas de que ele vá voltar a ficar entre os primeiros novamente”, conclui.

Confira os golpes do espanhol analisados nas páginas a seguir.

DEVO MUDAR?

Quando foi perguntado se mudaria seu modo de jogo por conta da limitação física do joelho, Nadal comentou: “Desgraçadamente não sou tão bom a ponto de reprogramar meu estilo. Sou o que sou com meu estilo. Posso fazer adaptações pequenas, mas mudar de forma drástica é impossível. Melhorar para ter melhor serviço, melhor forehand, para jogar agressivo. Tudo isso se pode tentar e tentei em toda a minha carreira, por isso tive bons resultados tanto na grama quanto na quadra dura. Se fisicamente for possível, se houver tempo para melhorar, tenho vontade de seguir melhorando. Espero melhorar meu estilo de jogo para prolongar minha carreira”.

Matheus Martins Fontes

Publicado em 25 de Fevereiro de 2013 às 12:12


Coluna/Análise

Artigo publicado nesta revista