Reverência a um herói

Aos 36 anos, Andre Agassi chorou ao encerrar seus 20 anos de carreira no US Open. De garoto rebelde, ele se transformou em um pai de família amoroso e responsável


O JOVEM ALEMÃO Benjamin Becker prepara-se para o match-point. A torcida grita ensurdecedoramente com alguma esperança de desconcentrar o novato e prolongar o adeus do ídolo que luta contra a aposentadoria. Assim que o barulho diminui, Becker dispara um saque indefensável no meio. Um ace, o último de seus 27 na partida. Um duro golpe final para alguém que foi considerado o melhor devolvedor de serviço do circuito.

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Nos áureos tempos, Andre Agassi teria dado seus tradicionais passos curtos, entrado na quadra, pego a bola na subida e "devolvido o ace" com um winner. Ele foi um mestre na arte da devolução. Sua facilidade neste quesito começou a se revelar no Brasil, no torneio de Itaparica. Na época treinado por Nick Bollettieri, o jovem de 17 anos ganhou um convite da organização. Muitos reclamaram da escolha daquele moleque norte-americano em detrimento de um tenista brasileiro. Mas o garoto cabeludo, extravagante na maneira de se vestir, provou que era muito bom ao ganhar de Luiz Mattar na final.

De lá para cá foram mais 59 títulos em simples. E nesta turnê de despedida, Agassi acreditava mesmo que poderia levantar seu 61o troféu, o nono de Grand Slam, diante da torcida que sempre esteve ao seu lado em seus 20 anos de carreira. "Nunca entro em um torneio apenas para participar. Só para ganhar ", afirmou convicto durante o US Open deste ano, assim como sempre fez.

O problema é que ultimamente ele já não lutava apenas contra os adversários, mas também contra seu corpo dolorido, que precisava de injeções de cortisona para controlar a dor.

A passagem do tempo provocou mesmo muitas alterações. Não somente na parte física, mas comportamental . De garoto rebelde, de vasta cabeleira, roupas coloridas (bem estilo anos 80 ), que não gostava dos métodos de treino do pai - Mike - e, que, de repente, foi curtir a vida ao lado da estrela de Hollywood, Brooke Shields, A gassificou careca e se tornou um comportado chefe de família, pai de dois filhos com a alemã Steffi Graf ( Jaden Gil e Jaz Elle ) e mantenedor de uma fundação filantrópica.

Andre Kirk Agassi, filho do boxeador armênio Emmanuel Agassian - que em 1952 se mudou para os Estados Unidos e passou a se chamar Mike - e da dona de casa Elizabeth, manteve-se firme no circuito enquanto gerações de tenistas se sucediam, com John McEnroe , Ivan Lendl, Mats Wilander, Stefan Edberg, Boris Becker, Jim Courier, Pete Sampras, Thomas Muster, Marcelo Rios, Yevgeny Kafelnikov, Patrick Rafter, até Guga , Lleyton Hewitt e Roger Federer.

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LONGEVIDADE

O garoto de Las Vegas, que começou batedo bola contra a geladeira da família, foi moldado pelo siste ma de Nick Bollettieri a partir dos 13 anos. Seus melhores momentos foram ao lado de Brad Gilbert; os piores ao lado de Shields. Nos últimos quatro anos treinava com Darren Cahill.

O sucesso daquela "direta e um corte de cabelo", como o definia Lendl, foi meteórico. Curiosamente, seu primeiro Grand Slam veio em Wimbledon , em 1992, em uma quadra que não favorecia seu jogo de fundo de quadra e em um torneio do qual ele deixara de participar durante os três anos anteriores por não concordar em se vestir de branco. Sem volear mais que um punhado de vezes durante toda a competição, sagrou-se campeão ao bater na final o croata Goran Ivanisevic, exímio sacador. Antes desta conquista, já havia perdido três finais de Grand Slam, duas em Roland Garros e uma no US Open.

Quando parecia que nada se gurar ia o ímpe to do garoto, surgiram uma mulher e uma lesão no pulso. Em 1993, Agassi começou a se relacionar com a belíssima atriz Brooke Shi elds e precisou fazer uma cirurgia . No an o seguinte, rompeu com Bollettie ri e passo u a trabalhar com Gilber t . A par tir daí teve três temporadas em al to nível, a come çar pela conquista do US O p en, em 94 .

Depois, venceu o Aberto da Austrália e foi vice d o US Open de 95. Naquel a temporada, Ag assi chegou, pela primeira vez, ao topo do ranking (e já come çou a abandonar a longa cabeleira). Em 96, mais um título importante : a medalha de ouro olímpica em Atlanta.

CASAMENTO E DOR

Mas o ano seguinte quase viu seu ocaso. Ele se casou com a Brokie Shields e voltou a sentir dores no pulso. Despreocupado com a vida profissional, saiu do top 100. No ano seguinte, pôs a cabeça no lugar novamente e voltou ao top 10. Em 99, divorciou-se de Shields, começou a namorar Graf e teve sua melhor temporada, com o primeiro título em Roland Garros - assim ele completava os quatro Grand Slam na carreira, igualando - se aos lendários Don Budge, Rod Laver, Fred Perry e Roy Emerson -, o segundo no US Open, e o vice em Wimbledon.

Depois disso, seus outros três títulos de Grand Slam foram na Austrália , em 2000, 2001 e 2003. Ele fez ainda mais duas finais no US Open. Em 2002, perdeu para Sampras , e em 2005 para Federer. Em meados de 2003, já casado e treinando com Cahill há dois anos, se tornou o número um mais velho da história, com 33 anos. Por não suportar mais as dores nas costas que o acompanharam nos últimos dois anos, o guerreiro decidiu se despedir das quadras.

No domingo, 3 de se tembro de 2006, mais de 20 mil pessoas se ergueram para aplaudí-lo por vários minutos, enquanto ele dava adeus jogando seus últimos quatro beijos para os cantos do Arthur Ashe Stadium. Na coletiva, chegou visivelmente cansado e abalado. Com respiração ofegante, teve alguns minutos para se recompor até que o batalhão de repórteres se organizasse na sala. Ao final de mais de 70 pergunt as, questionou os jornalistas: "Vocês vão mesmo sentir falta de mim, ou estão apenas fingindo?". Mais uma vez foi aplaudido de pé.

Muito mais do que "uma direita e um corte de cabelo", Agassi se revelou um gênio. E um ídolo
Arnaldo Grizzo<Br> | Fotos Ronc Angle

Publicado em 31 de Outubro de 2006 às 10:04


Perfil/Entrevista

Artigo publicado nesta revista