Feminino

Tênis feminino, questão de força

Há muita mesmice na WTA por conta da pouca variedade de estilos? Especialistas opinam sobre como o esporte feminino deve evoluir e se é possível vencer usando mais do que apenas a força atualmente


Ron C. Angle/TPL

ERA UM VERDADEIRO DELEITE VER Martina Navratilova desfilar com a combinação perfeita de topspin em seu forehand com o slice mortal que a deixava na posição certa para definir os pontos junto à rede. Assim que a tcheca naturalizada norte-americana começou a dominar o circuito, outros nomes apareceram para quebrar um pouco a "monotonia". Chris Evert foi uma rival à altura, com o posicionamento perfeito em quadra e as devoluções revolucionárias com o backhand de duas mãos.

Pouco depois, quem incomodou foram as brilhantes Steffi Graf e Monica Seles, opostas pelo estilo, mas eficientes cada uma à sua maneira. A alemã com seus slices suaves e capazes de deixar qualquer adversária impaciente. Seles, por sua vez, apostou na pancadaria da linha de base, esbanjando potência com as duas mãos em ambos os lados. E assim o tênis entre as mulheres viveu uma fase de várias tendências, em busca da perfeição técnica e que possibilitou o surgimento de outros talentos como a suíça Martina Hingis, irmãs Williams, Justine Henin e Kim Clijsters, entre outras.

Hoje, todavia, é difícil encontrar espaço para tal diversidade no tênis. Quebrar o ritmo, toques sutis, esquerda de uma mão. Termos que antes se encaixavam entre as mulheres pouco são lembrados em uma geração dominada pela solidez das fundistas. Se não acredita, experimente ver o top 10 da WTA. Agora responda: quantas dessas jogadoras definem a maioria dos pontos longe da linha de base? Quantas vão à rede espontaneamente e finalizam com um voleio? Dá para contar no dedo.

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PADRÃO É O MESMO

A realidade não muda se ampliarmos para o grupo das 20, 30 ou até as 50 melhores do mundo. São poucas as expoentes de um jogo heterodoxo, que fogem do padrão convencional e procuram acrescentar algum ingrediente distinto. A força, principalmente após o aparecimento de Venus e Serena, tornouse o principal fator de sucesso desde a última década e acabou se impondo no esporte, tanto que Serena, Victoria Azarenka e Maria Sharapova, três atuais líderes no feminino, se negam a fugir do estilo agressivo e repetitivo.

"Hoje, o tênis é muito mais rápido e depende da força física. As jogadoras vão à academia todos os dias e ficam mais fortes. Nos anos 1990, elas tinham muita variação. Steffi Graf tinha um bom slice de esquerda, Navratilova defendia a rede como ninguém com voleios e subidas. Sabatini usava muito o topspin", cita a japonesa Kimiko Date Krumm, a mais velha do circuito e que conviveu com diferentes gerações. "Todo mundo tinha mais variedade em seus estilos e era mais interessante de acompanhar. Mas, atualmente, todas usam bolas com muita força, parece que é uma disputa de quem é mais forte. É claro que força é importante, mas, em minha opinião, se o tenista possui outras técnicas de jogo, fica mais interessante para o público", completa a asiática de 42 anos.

Rafael Westrupp, presidente da Federação Catarinense de Tênis e também um dos treinadores que trabalham com o duplista André Sá, crê que o circuito feminino chegou a um estágio similar ao encontrado nos homens, que aposta na resistência e no preparo físico como armas devastadoras para as primeiras posições do ranking. "Vai chegar um momento em que será muito difícil elas evoluírem fisicamente. Até que ponto elas vão continuar se digladiando nesse nível? Serena tem um físico avantajado, é como um homem de tão forte. A Sharapova é magra, mas tem uma envergadura muito grande, maior que a própria altura. Ela consegue ter uma amplitude que pega a bola de cima para baixo. E daí é winner atrás de winner. Na Austrália, ela não perdeu um game até a terceira rodada, porque as outras mantinham a mesma estratégia dela. Se as outras não acharem uma saída, um jeito de variar, serão atropeladas", analisa.

A força se tornou o principal fator de sucesso e as três primeiras do ranking, como Serena, Azarenka e Sharapova "repetem" um mesmo estilo

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VARIAÇÃO INCOMODA MUITA GENTE

No entanto, até as chamadas "marreteiras" tiveram que se adaptar a um mínimo de variação, seja para encarar uma jogadora desconhecida ou mesmo para ter um diferencial em relação às suas maiores rivais. A paulista Carla Forte cita a australiana Samantha Stosur, campeã do US Open de 2011, como um modelo de jogadora completa e consciente para usar seu arsenal conforme as condições que encontrar pela frente. "Temos a Stosur, uma das jogadoras que mostraram que podem vencer a força física de outras maneiras. E mesmo a Serena, a Venus, que jogam baseadas na força, tiveram que mudar. Elas tiveram que se adaptar a competir com jogadoras que variam, quebram o ritmo. Mulher que joga tênis não é só saber bater reto na bola. Sinceramente adoro ver mulheres assim, variando no circuito, deixa o tênis mais bonito e mostra que não precisa de um livrinho para chegar lá", opina.

Parceira de Carla na chave de duplas em Santa Catarina, Bia Haddad concorda com a amiga e exalta que há, sim, jeitos de derrubar o favoritismo daquelas que só apostam em ficar plantadas no fundo. Ex-líderes do ranking na época em que Serena e Venus estavam no auge entram na coleção de exemplos da jovem de 16 anos. "Hoje, a mulher tem a tendência de matar o ponto, de querer ir para cima, como é o caso das top 20, mas tem que trabalhar a variação, saber usar uma bola mais angulada, uma cruzada mais forte, mais fraca, um saque ora quique, ora reto. O tênis não é um esporte muito atrelado a regras quanto ao estilo. Ele é muito amplo, você pode dar um slice, um balão, uma curtinha, como era com a Justine Henin e a Amelie Mauresmo, por exemplo", lembra a pupila de Larri Passos.

Antes, na época de Navratilova, havia mais variedade de estilos. Hoje, Stosur é uma das poucas que se diferencia

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"Assim como foi possível criar uma variedade de estilos no passado, é válido acrescentar novas tendências ao jogo de tênis agora", afirma a catarinense Maria Fernanda Alves. Um exemplo que se considerou bem-sucedido foi o próprio desfecho do Brasil Tennis Cup em Florianópolis, em que a romena de jogo esdrúxulo, Monica Niculescu, surpreendeu e ficou com o título batendo oponentes com estilos mais convencionais. "Já existiram tenistas que mostraram que não é só força. Henin, Navratilova, Jana Novotna... Isso é uma questão de momento, acho que há jogadoras que atuam só com a força, talvez nem tão 'inteligentes' para jogar, mas também há outras que usam manobras diferentes. A Tatjana Malek joga com bastante slice; a Monica Niculescu, que tem uma técnica estranha, a direita dela parece ruim, mas os slices dela incomodam muito as adversárias. É o Santoro do feminino", brinca Nanda, em alusão ao francês Fabrice Santoro, que jogava com as duas mãos dos dois lados e se utilizava também de um slice aguçado de forehand, considerado único entre os homens.

A MODA DO FUTURO

O jogo de tênis dificilmente irá para outro lugar a não ser alcançar os mais altos níveis dos velocímetros. Segundo o ex-tenista César Kist, que trabalha junto ao Departamento de Capacitação da CBT, as mulheres vão jogar parecidas com os homens, destacando-se nas bolas mais altas com topspin e, ao mesmo tempo, com grande rotação, da mesma forma que o espanhol Rafael Nadal dominou o circuito em 2008 e 2010.

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Mas as próprias escolhas no efeito que pretendem usar será uma estratégia eficiente para as mulheres se sobressaírem contra as que gostam do jogo na linha da cintura. Stosur volta a ser referência para o treinador com suas variações nos golpes. "A rotação da bola dos homens hoje ainda é alta, mas não tanto na época do Bjorn Borg, Guillermo Vilas, Mats Wilander, em que a parábola era bem maior. Mas os homens usam muita potência. E as mulheres vão começar a passar por essas transformações, a bola delas vai começar a girar mais, andar mais. Nesses cinco, 10 anos, acredito que vão existir mais jogadoras como a Stosur, que consegue imprimir muita rotação, mas que tem variação nos golpes, como o saque, que pode ser com spin, quique. Ela é um exemplo do que pode ser o tênis feminino no futuro", analisa Kist.

Para Westrupp, a variação de jogo é algo fundamental que sempre existiu no tênis e que não deve ser extinta mesmo com a prevalência da força física. Afinal, assim como Federer fez no masculino, nada como um tempero para deixar o tênis feminino bem mais enigmático e contagiante. "Variação de jogo é tudo no tênis. A Niculescu é um exemplo disso. Muitos não davam nada para ela, que dá aquele 'facão', uma fatiada de direita, mas que deixou a Anabel [Medina Garrigues] louca na primeira rodada. Tirou-a da zona de conforto com aquele sidespin (efeito para o lado). Você vê a Serena, não tem nenhuma variação, mas em contrapartida tem um físico de homem, o que acaba compensando. Mas para uma mulher nos padrões convencionais, se não tiver mais que força, ela vai ficar capengando entre 80, 100 do mundo, sobe para 50, mas depois ficará oscilando. Quem consegue ter esse arsenal vai galgar um espaço muito além dos seus próprios limites".

Matheus Martins Fontes

Publicado em 21 de Março de 2013 às 09:18


Técnica/Drills

Artigo publicado nesta revista

Tênis feminino

Revista TÊNIS 114 · Abril/2013 · Tênis feminino

Como a força predomina no tênis entre as mulheres