Instrução Técnica
Desvendamos o saque com quique
“American Twist”, “saque com quique”, “saque com top”. Há diferentes nomes para o saque mais complexo do tênis.
Ele é o movimento mais avançado entre todos os tipos de serviço. Com uma mecânica pouco convencional, bem diferente do golpe com slice e do flat (chapado), esse saque produz uma combinação de efeito topspin (quando a bola gira para a frente) e sidespin (em que bola gira para o lado). O resultado é uma trajetória em que a bola faz uma curva no ar caindo rapidamente. Então, quando em contato com o piso, ela quica mais alto, desviando para o lado.
Como permite ao sacador fazer a bola passar mais alto sobre a rede, é um saque que traz muita segurança, além de possibilitar abrir a quadra com ângulos incríveis. No entanto, possui uma técnica complexa, e é muito difícil de ser executado de forma camuflada. Dessa maneira, vamos desvendar alguns importantes requisitos para conseguir realizar um bom saque top, sem ser previsível e sem risco de lesões.
Você deve estar atento à diferença entre eixo de rotação e sentido de rotação. Tudo que gira possui um eixo. Em torno deste eixo é que ocorrem as rotações. Já o sentido de rotação, é como o corpo em questão gira, em que sentido.
No saque flat (chapado), a raquete interage com a bola praticamente plana (em torno de 5o em relação ao plano da linha de base) e, no saque slice, com uma abertura maior, ligeiramente inclinada (em torno de 30o em relação ao plano da linha de base). Em ambos os casos, a bola sai da raquete com um efeito lateral. Ao contrário do que se pensa, o saque chapado possui sim, rotação, e esta é em torno de 1.000 rpm. Já no slice, a rotação é bem maior, chegando a 2.300 rpm. Em ambos, o eixo de rotação da bola é de aproximadamente 20o em relação ao eixo vertical da bola.
No saque quique surgem muitas diferenças. Primeiro, o eixo de rotação é bem mais inclinado em relação à vertical, chegando a 40o (confira as figuras acima). A rotação também é bem maior, podendo atingir a casa de 4.500 rpm. É esse eixo de rotação diferenciado que confere essa trajetória atípica. Se analisarmos o sentido de rotação e fizermos uma decomposição vetorial, é possível enxergar a combinação dos efeitos topspin e sidespin.
Quando combinamos o efeito top e sidespin, obtemos o efeito do saque com quique. Isso explica as características híbridas de quando a bola que está no ar desvia lateralmente e baixa rapidamente, e também quando, ao quicar no solo, desvia para o lado com maior altura.
Agora surge um aspecto fundamental para o entendimento da mecânica desse tipo de saque: como a cabeça da raquete deve interagir com a bola para gerar esse efeito?
Como se pode perceber, existe um eixo de rotação muito específico para esse efeito e a consequência direta disso é que deve haver uma incidência muito precisa da cabeça da raquete em relação à bola para gerá-lo. Há um caminho muito claro que a cabeça da raquete deve percorrer em relação à bola para produzi-lo. Caso a raquete não execute com precisão o percurso, o efeito produzido não será o esperado e a bola ou não vai espirrar para cima, ou não vai desviar para o lado. Vejamos então como a cabeça da raquete deve interagir com a bola.
Primeiro, a raquete deve varrer a bola, da esquerda para a direita (no caso dos destros). Segundo, a raquete deve interagir com a parte superior da bola, pois, apenas assim poderá gerar o efeito de topspin. Combinando essas duas condições, percebemos que a raquete varre da esquerda para a direita por cima da bola.
Nas figuras que retratam o momento de impacto (na página anterior), fica claro o movimento da raquete da esquerda para a direita. Na terceira e quarta imagem, pode-se notar sutilmente a inclinação da raquete, mostrando que a ponta dela fica à frente da mão, indicando que a face da raquete varre a parte superior da bola.
Ao olhar de outro ângulo, vemos um comparativo do ponto de contato entre o saque quique e o flat (imagens à esquerda). Note a relação da ponta da raquete e da mão do jogador. Veja como, no quique, a ponta está visivelmente à frente da mão, mostrando que a raquete raspa acima do “equador” da bola. Já no flat, a ponta está atrás da mão, mostrando que o contato é, em sua maior parte, na porção central e inferior da bola. Este dado está de acordo com estudos cinemáticos do saque, em que se apurou que, nos saques flat e slice, a raquete está ligeiramente aberta para cima no contato, ao contrário do que muitos pensam. Outro fator interessante nessas duas imagens é para onde vai a raquete. Na imagem do quique, a raquete está vindo na direção do leitor, saindo do plano da revista. Já na segunda, a raquete está indo para frente, “atrás” da bola.
Conseguir, com consistência, produzir esse caminho de raquete é a chave para se ter um bom saque quique. Em competições, inclusive de nível Future, vemos que muitos jogadores, em algum momento, oscilam nesse quesito e o efeito produzido nem sempre é o desejado. A grande precisão inerente ao caminho que a raquete deve percorrer deve ser incorporado com treinamentos constantes.
Se, para sacar o quique, devemos varrer a bola da esquerda para a direita, como seria o caminho do ombro do jogador? No saque com slice ou flat, o ombro dominante é projetado para a frente, na mesma direção da bola. Isso é bastante natural. Quando arremessamos qualquer objeto – não podemos esquecer que o saque é um arremesso –, nosso ombro é instintivamente conduzido na direção em que se lança o objeto. Surge então uma discordância. No saque quique, para que a raquete faça um caminho da esquerda para a direita, o ombro deve ser projetado para o lado direito (para destros), em um sentido transversal à trajetória da bola. Isso é algo pouco natural, pois a bola vai em uma direção, que é o quadrado de saque, e o ombro vai para outra, seguindo uma direção transversal, quase perpendicular, à trajetória da bola.
Na sequência de imagens acima, podemos ver como o jogador projeta o ombro lateralmente em uma direção transversal à da bola. Note que surge um espaço entre o braço do jogador e seu corpo – para o observador que está atrás do sacador. Caso o tenista projetasse o ombro para a frente, na mesma direção da bola, esse espaço não existiria. Esse é mais um ponto difícil da mecânica do quique: realizar uma projeção de ombros que diverge da trajetória da bola – algo que se contrapõe ao movimento natural de arremesso, em que ombro e objeto lançado sempre estão alinhados.
Depois, vê-se um comparativo entre o saque com quique e um com slice (abaixo). Comparando os dois movimentos, quando o braço faz um ângulo aproximado de 90o com o tronco, evidencia-se o enorme espaço entre a raquete e o tronco no quique, além da trajetória transversal da raquete, afastando-se lateralmente. No saque slice, note como a raquete foi direcionada bem mais para a frente, “atrás” da bola, não havendo esse espaço lateral.
É muito importante lembrar que o conjunto braço-raquete está conectado com nosso corpo através do ombro. Portanto, para onde o ombro vai, ele carrega consigo o conjunto todo. O direcionamento do ombro está intimamente relacionado com o comportamento mecânico do tronco e do quadril. O quadril influência o tronco e este, por sua vez, o ombro. Se temos a pretensão de projetar o ombro lateralmente na transversal, seguramente devemos ter um comportamento apropriado do quadril e do tronco para obter êxito.
Através das pernas, o quadril deve se elevar, juntamente com o tronco, mas não pode haver rotação dos mesmos em torno do jogador. Caso o tenista suba, girando o corpo, o ombro vai migrar para o seu lado direito, ficando em uma posição desfavorável para encontrar o lado esquerdo da bola. Além disso, a inércia de rotação gerada no tronco será opositora à projeção lateral do ombro.
Resumindo, um aspecto fundamental para o sacador ter um bom quique é não girar o corpo enquanto ele se projeta para cima. O jogador sobe, mantendo-se totalmente de lado, podendo assim encontrar o lado esquerdo da bola e projetar o ombro lateralmente na transversal da trajetória da bola. Após subir, durante todo o processo de impacto com a bola, o conjunto tronco-quadril ainda permanece de lado para a bola, possibilitando à raquete realizar seu caminho específico.
Fixando os olhos na bermuda do jogador durante todo o processo, fica claro que tronco e quadril não giram em torno do corpo e que toda a ação do saque é de lado para a bola, ficando de frente apenas na fase de terminação, próximo à aterrissagem
Essa é uma grande dificuldade motora: impactar a bola mantendo-se de lado para ela, sem ficar de frente para o impacto. Algo, mais uma vez, não natural. Após o impacto, quando o ombro e o conjunto braço-raquete são projetados para a lateral na transversal da trajetória da bola, o tronco-quadril mantém-se ainda de lado, só ficando de frente no final da terminação e no processo de aterrissagem. Isso torna esse saque bem particular, em que toda a ação é feita mantendo-se de lado para a bola.
Note a sequência acima. Fixando os olhos na bermuda do jogador durante todo o processo, fica claro que tronco e quadril não giram em torno do corpo e que toda a ação do saque é de lado para a bola, ficando de frente apenas na fase de terminação, próximo à aterrissagem.
Na fase de preparação, tudo ocorre igual aos demais saques, com exceção de um pequeno giro do corpo nessa etapa, ficando ligeiramente mais de costas para a quadra. Essa acentuação do giro inicial ocorre posteriormente ao lançamento, não permitindo ao sacador perceber que o sacador se posicionou mais de costas para a quadra. Nas figuras, pode-se perceber como o jogador que executa o quique está mais de costas para a quadra (pode-se ver melhor a parte frontal de seu corpo), quando comparado ao que realiza um slice.
Em relação ao lançamento, existe uma forte tendência de se achar que o toss deve ser mais à esquerda ou mais para trás. Antigamente, ensinava-se o quique dessa maneira. Algo que tem sentido, pois o lançamento mais pronunciado para a esquerda acaba facilitando a entrada da raquete pelo lado certo da bola e inibe a rotação do tronco, sendo um facilitador da técnica. Esse é um recurso que inclusive se pode usar no início do aprendizado.
No entanto, lançar a bola mais à esquerda que no lançamento normal – em que o ponto de contato deve ser apenas 20 centímetros à esquerda da perna da frente (para destros) – leva, primeiramente, a uma hiperextensão das costas, o que pode trazer graves malefícios para a coluna e musculatura das costas; e, segundo, acarreta uma mensagem ao devolver do tipo de saque que se está executando. Essa segunda consequência pode eliminar completamente as virtudes do saque quique, pois, como não é um golpe rápido, sendo previsível, pode ser facilmente neutralizado e atacado.
O comparativo de imagens (acima) mostra dois jogadores sacando quique. O jogador da esquerda é um juvenil bem ranqueado na ITF e o da direita é um profissional. O juvenil, para conseguir realizar o quique, lança a bola ainda muito à esquerda. Isso faz com que apresente uma hiperextensão maior das costas, além de codificar o tipo de saque que está realizando. O profissional lança a bola na mesma posição de um saque slice ou flat. Sua intensão está camuflada. Suas costas não apresentam hiperextensão. Mas, o mais interessante é para onde o jogador projeta seu corpo. Note, na aterrissagem, que ele cai à direita da linha central. Isso significa que ele projetou seu corpo para a frente e também para a direita. Ou seja, seu corpo seguiu a trajetória de seu ombro e de sua raquete alinhando o momentum. Como seu corpo se deslocou para a direita, a bola que estava no ar ficou mais à esquerda, facilitando a entrada correta da raquete.
Este é um dos pontos altos em saber dominar essa técnica. Não se joga a bola mais à esquerda, se joga o corpo mais à direita. Assim consegue-se um alinhamento das ações mecânicas na direção em que a bola é projetada, evita-se lesões e se camufla o movimento.
No juvenil, percebe-se que ele cai à esquerda da linha central. Isso implica que o lançamento pronunciado à esquerda acabou por deslocar o jogador nessa direção, fazendo-o aterrissar em uma direção contrária à que sacou, sendo um indicativo claro de desalinhamento dos momentos envolvidos, uma vez que a bola vai para um lado e o jogador para outro. Esse conceito é comumente chamado de “Drive Leg”.
No saque quique, ter o lançamento igual dos outros saques e trabalhar um bom “Drive Leg” que permita se projetar atrás do bola e criar uma relação favorável para a entrada da raquete pelo lado esquerdo é fundamental para se obter a excelência da técnica, o menor risco de lesões e uma grande camuflagem.
Quando lançamos qualquer objeto, uma bola de tênis por exemplo, no momento de soltá-la, mostramos a palma da mão para o local onde lançamos. Essa ação de girar a palma da mão para fora chama-se pronação do antebraço. O leitor que estiver em dúvida, basta olhar a palma de sua própria mão e girá-la em direção à revista. Essa simples ação é a que denominamos pronação do antebraço.
Devemos lembrar que a pronação é totalmente natural e inerente aos movimentos de lançamento. Quando estamos por impactar a bola, estando com uma empunhadura correta, a face da raquete encontra-se no mesmo plano que nosso antebraço como mostra a primeira imagem (à direita). Se nada for feito, vamos golpear a bola com a quina da raquete. Eis que surge a ação de pronar, posicionando a face da raquete com as cordas para a bola. Após o impacto, a raquete continua girando por inércia, de tal maneira que, a face que estava apontada para o lado de dentro, agora está apontada para fora.
Repare na mão do jogador na primeira imagem e veja que podemos ver as costas de suas mãos. Na segunda, já houve a pronação e a face da raquete se “abriu” para a bola. Na terceira, vemos que a mão continua girando e agora podemos ver o que seria a palma da mão do jogador, num giro de 180o.
Se o saque fosse um slice, a raquete – antes do impacto – estaria da mesma maneira da imagem inicial anterior, mas o jogador não abriria tanto a face da raquete. Ou seja, em outras palavras, o impacto seria realizado no início da pronação; ao passo que, no flat, no final da pronação. Vemos portanto que o momento em que se faz a ação de pronar, esse “timing”, define o efeito que vamos empregar.
Já no saque quique (acima), deparamo-nos ainda com uma situação diferenciada. A raquete continua saindo com sua face paralela ao antebraço, mas agora não se quer projetar a raquete para a frente e, sim, para o lado, impactando a bola pelo lado da mesma. Dessa forma, não ocorre a pronação. Ela vai ocorrer apenas depois do impacto, na fase de desaceleração.
É fácil ver na sequência de imagens, que, na primeira, a raquete vem paralela ao antebraço, é mantida dessa maneira durante o impacto, continua ainda assim logo depois do impacto para, em seguida, haver a pronação, quando a face da raquete finalmente é voltada para baixo. Novamente, olhando os dedos e mão do sacador, vemos que ela mantém a mesma posição, só se alterando na última imagem em função da pronação do antebraço.
Vemos, portanto, que o instante em que ocorre a pronação define os três tipos de efeito no tênis. Se o impacto ocorre logo no início da pronação, temos o slice, no final, o flat e, antes de a pronação ocorrer, o quique.
A empunhadura Continental é a mais comumente utilizada no saque. Mas, no caso do saque com quique, muitas vezes orienta-se girar um pouco a empunhadura no sentido anti-horário, escolhendo uma Eastern de esquerda. Há casos de jogadores que vão ao extremo e usam a Western de esquerda. A verdade é que os tenistas experimentam uma facilidade maior usando empunhaduras ainda mais “fechadas” que a Continental para esse serviço. E isso tem uma explicação.
Confira nas imagens a empunhadura Continental e como fica o ângulo da raquete em relação ao antebraço. Vemos que o ângulo natural ao empunhar esse grip é perto de 180o. Depois, veja o que ocorre quando o jogador adota a Eastern de esquerda. É fácil perceber que, com essa empunhadura, a raquete cria um outro eixo na mão do jogador, ficando mais inclinada para a frente quando o tenista estende o cotovelo. Como a ponta da raquete fica acentuada para a frente, naturalmente, quando o jogador escova a bola da esquerda para a direita, ele entra com cabeça na parte de cima da bola. Com esse grip, a face da raquete impacta de maneira facilitada a parte superior da bola.
Enfim, vejamos o que ocorre quando o jogador fecha ainda mais o grip, utilizando uma Western de esquerda para sacar. Ao segurar dessa maneira, o cabo da raquete ocupa um eixo na mão ainda mais próximo da linha perpendicular aos dedos. Dessa forma, assume uma direção mais inclinada em relação ao antebraço. Assim, quando o tenista estende o cotovelo para golpear, a ponta da raquete fica ainda mais pronunciada para a frente, entrando na parte superior da bola quando o jogador varre a bola da esquerda para direita.
Mas, atenção, cuidado ao mudar de empunhadura para diferentes saques, pois o adversário pode perceber e antecipar a ação do sacador.
Publicado em 23 de Agosto de 2015 às 00:00
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