Fora dos chamados "grandes centros", jovens atletas do norte, nordeste e Centro- Oeste contam as dificuldades que enfrentam para jogar os maiores torneios e continuar sonhando com uma vida no tênis
Terra do samba, do futebol. Terra do sol, das praias. Terra da alegria, da receptividade. Há quem diga que o Brasil não é um país. É um continente. São vários países dentro de um só.
Temos problemas - e não são poucos -, é claro. Mas, sem dúvida, o brasileiro tem talento. Talento pouco explorado. Talvez desperdiçado a cada centímetro dos mais de 8,5 milhões de metros quadrados de nosso território. Mas talento bem observado, e admirado, até mesmo pelo novo coordenador técnico do tênis brasileiro, o espanhol Emilio Sánchez. Se a economia do País é dividida de forma desigual entre as regiões, o tênis segue o mesmo caminho. Se as dificuldades para um garoto do Sul ou Sudeste já são grandes, para os meninos do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, estes obstáculos são muito maiores.
Em março, ocorreram os dois principais torneios juvenis do Brasil: Banana Bowl e Copa Gerdau. Algumas esperanças do tênis brasileiro tiveram que cruzar o País para poder estar entre os melhores. A Revista TÊNIS foi atrás destes jovens destemidos e os ouviu para entender a realidade do tênis em seus Estados.
Falta de apoio
Em São Paulo, onde disputou a chave dos 14 anos no Banana Bowl, o baiano Silas Cerqueira não foi bem. Natural de Feira de Santana, no interior do Estado, o garoto chegou destreinado na capital paulista. Havia passado por semana de provas na escola. Apesar da derrota logo na estreia, Silas estava contente pela oportunidade de estar ao lado dos melhores juvenis da américa do Sul. Sem grandes ajudas, não é sempre que ele consegue sair da Bahia para jogar. "tem que montar bem o calendário. Só viajo se realmente valer a pena. Se tivesse apoio, ficaria tudo mais fácil", conta o menino de 13 anos.
Lucas Bentes: "Quando a situação aperta, temos que economizar na comida" |
Vinícius Fialho já deixou de viajar por falta de apoio |
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Brenda rique sofreu até com preconceito |
morando ainda mais longe, o paraense vinícius Fialho - também atleta dos 14 anos - era outro que estava feliz por conseguir vir à São paulo. "É bem difícil. para viajar temos que estar bem financeiramente", afirmou o garoto, que apesar da pouca idade já tem a real noção de como funciona o esporte que pratica. "muitas vezes já deixei de viajar por falta de apoio", lamentou.
A história de alguns destes meninos talvez possa ser explicada pela situação das federações de tênis de seus estados. "em palmas, temos conhecimento de apenas 15 quadras. no interior, este número não chega a dez", conta rafael nishimura, presidente da Federação tocantinense. "Falta investimento, falta patrocínio, falta profissionalismo", lamenta o dirigente.
Os estados mais distantes da região Sul e Sudeste sofrem para oferecer condições ideais aos que sonham em ser tenistas. "Ficamos restritos a poucos eventos em nossa região. para se ter uma ideia, só temos uma etapa do circuito juvenil", afirma aristides Barcellos, presidente da Federação potiguar.
O problema da distância
O grande problema, segundo os próprios garotos, é a distância. áthila rauch, 13 anos, é de rondônia. atravessa o país para poder jogar os grandes eventos. e, acreditem, faz isso sozinho. "aos 11 anos de idade, não nos restou alternativa senão passar a mandar o áthila viajar sozinho. não temos condições financeiras de acompanhálo, tampouco de mandar junto o seu treinador", conta o pai do atleta, euclécio rauch. a cada viagem, a angústia toma conta da família, porém, euclécio acredita que é um mal necessário para o futuro do filho.
Melhor brasileiro na etapa boliviana do circuito Cosat, em fevereiro, o rondoniense, apesar de muito novo, já tem várias histórias para contar. "para jogar em Cochabamba, ele teve de viajar de carro, barco, e até mesmo de avião teco-teco", conta o pai. em outra oportunidade - em meio à crise aérea, em 2007 - áthila passou, sozinho, mais de 24 horas no aeroporto galeão, no rio de janeiro. "ele não tinha idade para ser mandado a um hotel, então teve que dormir na sala vip", lembra euclécio. "Foi muito angustiante para toda a família. por pouco não o tirei do tênis".
*Entre os 25 melhores do ranking da CBT (de março de 2009) nas categorias 12,14,16 e 18, masculino e feminino |
Número aproximado levando em conta as estatísticas do IBGE |
Parceiro de treino de vinícius Fialho em Belém, Lucas Bentes é outro que lamenta a falta de apoio para viagens. "temos que pedir a nossos pais que reservem hotéis para a gente", revela. Longe de casa, é obrigado a se virar como gente grande. "antes de viajar, separamos uma cota diária para alimentação. Quando a situação aperta, temos que economizar na comida", lamenta o jovem.
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Preconceito
Somos um país miscigenado, porém, infelizmente, o preconceito existe e dificulta ainda mais a vida da garotada. naturais de regiões distantes dos "grandes centros", as jovens promessas admitem sofrer nas viagens. "já ouvi várias vezes comentários do tipo: 'essa indiazinha não deve jogar nada'", conta a também paraense Brenda rique, que está entre as melhores do país nos 14 anos. "mas isso também tem o lado bom. entro em quadra muito mais motivada", afirma a garota.
Se os atletas acabam sendo alvos deste tipo de comentários, as federações destes estados garantem que também passam por esse problema. "a primeira dificuldade é enfrentar o preconceito que há, não só com os atletas, mas também com os dirigentes e clubes fora do 'grande centro'", lamenta david zanotelli, presidente da Federação Cearense.
Treinamento de alto nível
Todos estes problemas refletem, também, nos treinamentos. Os bons resultados nas competições vêm mais graças à vontade, à garra desses meninos, do que propriamente pela qualidade do trabalho que é feito nos clubes e academias. Os garotos não encontram parceiros à altura para treinar em suas cidades, ou mesmo no Estado, o que acaba freando um pouco a evolução em seus jogos. Diante deste quadro, torna-se necessário realizar intercâmbios com outras regiões.
Em Belém, foi necessária a experiência de Carlos Alberto Kirmayr para ajudar a levantar o tênis da região. Uma parceria com o clube da Assembléia Paraense fez com que o treinador enviasse uma equipe para treinar alguns dos melhores atletas do Estado. Vinícius, Lucas e Brenda estão entre eles.
O responsável por cuidar da equipe é Denis Kirmayr, sobrinho do ex-tenista. "Por enquanto, só temos mesmo as quadras para treinar. Ainda falta ajuda com viagens e despesas", conta o treinador. "O trabalho completou um ano este mês, e tem sido muito gratificante ver a evolução dos meninos", afirma.
Já o jovem Silas Cerqueira, além de estar em um Estado afastado, mora em uma cidade do interior. As dificuldades são enormes. Enquanto seus principais rivais treinam em grandes academias do Sul e Sudeste, o garoto está sozinho em Feira de Santana. Visando aperfeiçoar o treinamento, iniciou uma parceria com a academia Mesq, em São Paulo. "O pessoal me passa um treino físico para eu fazer na Bahia. Sempre que possível, venho à São Paulo treinar um pouco com eles também", conta o garoto, que se encantou com a chance de treinar ao lado dos profissionais Thiago Alves, Ricardo Mello e Ricardo Hocevar.
Outro que adotou o intercâmbio foi Áthila. O rondoniense vai todo mês à Brasília, onde treina com o professor Mario Mendonça nas quadras da AA BB. "Até os 11 anos, ele treinava só aqui em Rondônia, mas após os 12 foi necessário mandá-lo frequentemente para Brasília", conta o pai do atleta.
Essas viagens são essências na preparação dos garotos. A competitividade nos treinamentos ajuda na evolução. Bater bola com tenistas do mesmo nível, ou melhor, é fundamental para pegar ritmo e sentir o peso da bola dos rivais que encontrará nos torneios. Além disso, a descontração quando se treina em grupo ajuda a relaxar e aliviar a pressão. "É sempre bom ter alguém para bater bola, brincar, descontrair nos treinos", conta Silas, que sente falta de parceiros quando está sozinho na Bahia.
Faltam parceiros à altura, mas também faltam treinadores qualificados em vários Estados. No Acre, por exemplo, a falta de profissionais querendo atuar com o tênis é evidente. "Ainda neste primeiro semestre, tentaremos trazer professores para lecionar nos clubes locais. Há uma escassez enorme em nossa região", afirma Allan Carlos, presidente da Federação Acreana.
Migrantes?
É complicado fazer previsões quando se fala do tênis brasileiro. Alguns trabalhos estão sendo feitos para tentar alavancar a modalidade, mas a questão dos Estados fora do "centro" deve ser olhada com cuidado. É inegável que os meninos têm talento. Apesar da falta de apoio, colocam-se entre os melhores do País, mesmo sem ter as mesmas condições dos rivais do Sul e Sudeste.
Enquanto a situação em seus Estados segue sem grandes expectativas no que diz respeito ao tênis, os garotos já se imaginam treinando nas grandes academias do Brasil. A pouca idade ainda não os permite sair de casa, mas o sonho é o mesmo para todos eles. Os paraenses Vinícius, Lucas e Brenda garantem: "Queremos mudar para Serra Negra e treinar com a equipe do Kirmayr".
Já o baiano Silas, é assediado com frequência e vê com bons olhos uma futura mudança. "Já recebi vários convites, mas ainda é cedo. Quem sabe mais para frente possa ir treinar em São Paulo, Florianópolis ou Porto Alegre", conta o sorridente garoto.
Primeiro, a escola
A idade pode ser pouca, os rostos de crianças, mas a cabeça pensa como "gente grande". As responsabilidades - aos 13, 14 anos - já são muitas. Todos têm o mesmo objetivo em mente: tornarem-se tenistas profissionais. Mas, muito conscientes, garantem saber a importância da escola em suas vidas. Se pensam em deixar os estudos? Todos rechaçam de primeira esta possibilidade.
"Na escola você cria responsabilidade, uma base para usar em sua vida. Até mesmo na hora de dar uma entrevista ela se torna importante, pois tenho que ter atenção na hora de responder as coisas", afirma Silas, que já fala com a consciência de um veterano. Filho de professora, ele já tem o discurso pronto e bem ensaiado: "Em primeiro lugar a escola, depois o tênis".
Claro que a rotina não é a mesma dos demais colegas. Com os torneios e as viagens, acabam perdendo muitas aulas. Nesta hora, a ajuda dos professores é importante. Um trabalho específico é feito com cada um deles. As escolas entendem a situação e dão algumas "regalias". "Quando perco alguma prova, faço de segunda chamada. É tranquilo. O pessoal lá é bem flexível", conta o paraense Lucas.
O futuro no tênis é incerto. Daqui a alguns anos, alguns podem estar se destacando como profissionais. Outros, porém, podem ter seguido caminho diferente. Mas, uma coisa é certa: diante de tantas dificuldades, estes garotos tiram lições que guardarão para o resto de suas vidas. Guerreiros, eles mostram um amor incondicional ao tênis.
Publicado em 27 de Abril de 2009 às 12:46
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