O verdadeiro legado de Gustavo Kuerten

Dez anos após a primeira conquista de Guga em Roland Garros, uma prodigiosa geração de juvenis brasileiros começa a despontar


ENQUANTO O BRASIL era derrotado pela Suécia no playoff do Grupo Mundial em setembro do ano passado, em Belo Horizonte, e lamentávamos a escassez de jogadores de alto nível, o capitão do time das gélidas terras do norte da Europa, Mats Wilander, afirmava categoricamente que ainda não estávamos vendo os frutos da Era Guga, mas que eles iriam aparecer, cedo ou tarde.

Em entrevista à Revista TÊNIS, o ex-número um do mundo disse que era preciso 10 anos até que a semente que foi plantada na cabeça daquelas crianças que se encantaram vendo Gustavo Kuerten ser campeão de Roland Garros em 1997 se tornasse frutos. Segundo o sueco, são os adolescentes, que atualmente têm por volta de 17 anos e que começaram a jogar quando Guga despontou, que formam o real legado do catarinense.

Quem corrobora esta tese é Dietmar Samulski, doutor em psicologia do esporte. Para ele, a criança, nesta fase de 6 a 10 anos, tende a se identificar com ídolos, começando pela família. "Os pais influenciam decisivamente, mas um fenômeno como Guga, com certeza, representa um sucesso simbólico para muitas crianças, que vão tentar imitá-lo", diz Samulski. "Se houver um trabalho bem feito em cima do surgimento de um ídolo, é sim possível formar uma geração de grandes atletas dentro de 10 a 15 anos", completa.

E, mesmo com um planejamento mal feio por quem geriu o tênis nesse tempo e a falta de estrutura que ainda impera, aos poucos começamos a perceber que Wilander pode ter razão. Tanto que o fim da temporada 2006 reservou uma grata surpresa. O jovem Nicolas Santos - que completou 19 anos no início de janeiro - terminou o ano na segunda colocação do ranking mundial juvenil, a melhor posição de um brasileiro na história da lista da ITF, que existe desde 1978. Este esforçado garoto de Adamantina cresceu vendo Kuerten brilhar em Paris, apesar de ter começado a jogar antes disso.

Santos, que tinha um jogo considerado muito defensivo, vem se adaptando rapidamente aos novos desafios do profissionalismo e deve ser observado de perto. Nesta mesma faixa etária, podese ainda destacar João Olavo Souza, o Feijão, que, em seu último ano como juvenil, já está entre os 700 primeiros do ranking da ATP. Ao contrário de Nicolas, o garoto de Mogi das Cruzes sempre foi agressivo e tira proveito de sua estatura (1,86m) no serviço. Além dele, também é possível citar Daniel Dutra Silva que fez boas campanhas no juvenil e figurou no top 20, mas uma contusão no pé o deixou fora dos torneios no fim do ano. O paulistano possui características parecidas com as de seu irmão, Rogério Dutra Silva, com jogo bastante tático e físico.

OUTRO TOP 10

Seguindo esta mesma trilha, está um jovem nascido no Rio de Janeiro, mas criado em Santos, Fernando Romboli.

Um ano mais novo que Nicolas, o garoto dá indícios de que pode chegar perto da façanha alcançada pelo seu colega de academia - eles treinam juntos em São Paulo. Em 2006, Romboli surpreendeu ao entrar na chave do Banana Bowl como lucky loser e ser vice-campeão. E agora, no início da nova temporada, já venceu um torneio importante na Costa Rica e apareceu entre os cinco primeiros no ranking juvenil. O jovem de 18 anos tem técnica apurada e bom domínio de todas as regiões da quadra.

Entre os meninos que optaram pelo tênis quando Guga levantou sua primeira taça em Roland Garros, que atualmente estão com 17 anos, também temos nomes em evidência, como Henrique Cunha, de Jaú, André Stábile, de Ribeirão Preto, e Fabrício Neis, de Porto Alegre. Estes garotos foram vice-campeões sul-americanos por equipes em 2006 e, melhor do que isso, terminaram o Mundial da categoria 16 anos em terceiro lugar, atrás somente de Holanda e Rússia. Esta foi a classificação mais alta já alcançada pelo Brasil na história da competição. E Cunha precisou de apenas três torneios no início de 2007 para já figurar no top 40 do ranking da ITF.

Um pouco mais jovens ainda temos dois adolescentes talentosos que chamam a atenção de diversos técnicos. O primeiro é José Pereira Jr (16 anos), pernambucano que se mudou para Curitiba. O garoto vem tendo grande destaque desde os 14 anos, com diversas conquistas internacionais. Além dele, um menino de Cuiabá, João Vitor Fernandes (15), é visto como uma boa promessa do esporte. Pereira e Fernandes têm dominado as categorias que disputam, em âmbito nacional e sul-americano, nos últimos dois anos.

RESCALDO

Sem poder recorrer a ídolos femininos, nossas garotas também tiveram de se espelhar em Kuerten. E estas meninas que foram para a quadra devido ao fenômeno Guga são uma grande esperança de que o tênis feminino brasileiro volte a ter uma tenista entre as 100 primeiras do ranking. A última vez que o Brasil teve uma top 100 foi em 1990 com Andréa Vieira.

Para tentar reverter esse quadro de inércia ruim que paira sobre nossas meninas, contamos com adolescentes como Roxane Vaisemberg, Teliana Pereira, Nathalia Rossi e Vivian Segnini - todas com 18 anos ou menos - que figuram entre as 700 do mundo e vêm apresentando um progresso muito bom ultimamente. Apesar da pouca idade, estas garotas já possuem grande bagagem, especialmente a talentosa canhotinha Roxane Vaisemberg, que aos 14 anos passou uma temporada treinando forte na Argentina e, entre elas, é que mais longe foi no ranking e está entre as top 500. A torcida fica para que uma delas desponte, quebre esse tabu de 17 anos, e atraia novas meninas ao esporte.

É verdade que todos os nomes citados, tanto no masculino quanto no feminino, ainda têm de enfrentar uma longa e árdua estrada para provarem o seu valor no mundo do tênis. Nem sempre um juvenil de destaque se torna um grande profissional, mas, apesar das exceções, mais raro ainda é ver um juvenil apagado conseguir tal feito. Por isso, é interessante perceber que, apesar de tudo, há uma pródiga geração a caminho, mesmo com toda a falta de estrutura.

E é preciso apostar nestes garotos, pois eles serão a cara do tênis brasileiro assim que a Era Guga se encerrar.

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Fernando Romboli Nicolas Santos
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Henrique Cunha José Pereira Jr.
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João Vtor Fernandes  
Arnaldo Grizzo

Publicado em 5 de Fevereiro de 2007 às 12:33


Juvenil/Capacitação

Artigo publicado nesta revista