Instrução Capacitação
Dicas para tornar as aulas de tênis mais divertidas (e tirar as crianças do tablet)
Se você tem filhos e é sempre uma luta tirá-los dos jogos eletrônicos, sejam eles disputados em tablets, TVs ou celulares, saiba primeiramente que não está sozinho. Uma legião de pais e mães de todas as nacionalidades está com o mesmo problema, e, nós, professores de Educação Física e Esportes, podemos ser seus grandes aliados nessa batalha.
Na realidade dos grandes centros urbanos, estamos perdendo feio para os eletrônicos. As crianças passam horas neles e uma atividade regulatória dentro de casa é imprescindível: é preciso estipular regras de utilização, horas de jogar e horas de brincar ao ar livre e/ou com outras crianças com outros jogos. Os pais devem ser firmes nas regras, isso é fato.
Também é fato que os jogos eletrônicos são divertidos, provocam bastante emoção, e existem modelos através dos quais se torna possível jogar com pessoas conectadas que vivem em outras partes do mundo. Emoção, desafio, interatividade, tudo isso sem sair de casa. A criança pode jogar no canto dela, onde ninguém saberá se ela ganhou ou perdeu, ou se cometeu erros. É uma situação bastante confortável também para a autoestima.
É, a coisa não está fácil para o mundo dos esportes, especialmente para o mundo dos tenistas. Imagine que a criança vai parar numa aula de tênis por insistência do pai – que acredita ser essa uma ferramenta de ascensão social no futuro – e o professor, despreparado, sapeca um monte de bolas amarelas1 para o pequeno rebater, uma atrás da outra, apenas corrigindo sua técnica: “Abre!” “Isso!” “Vai!” “Boa!” “Prepara!” “Olha!”. O mantra de palavras que servem apenas para ritmar uma aula sem interesse nenhum continua indefinidamente, até a chegada daquele momento crucial no qual a criança finalmente exclama: “Que chato!”, e sai pela porta da quadra para nunca mais voltar.
O que a criança quer num jogo? Jogar, se divertir, ser feliz. Os sete principais elementos para tornar o tênis atraente para as crianças são:
Para a uma aula de tênis ser mais divertida, ela precisa ter desafio. E, numa aula de tênis infantil – preferencialmente em grupo, justamente para gerar interatividade e conexão com outras crianças –, desafiar cada uma delas é uma arte que pode ser aprendida por qualquer professor realmente dedicado ao ofício.
Os cursos de Capacitação não se cansam de falar sobre o desafio ótimo: dentro de uma mesma tarefa para todo o grupo, mudar o tamanho do alvo, a velocidade com que alimentamos as bolas, a altura do obstáculo que a criança terá de saltar antes de rebater a bola, a distância entre a criança e a rede etc. Isso faz com que consigamos ajustar o desafio de modo que todos se interessem em superá-lo2. Experimente usar na aula a pergunta: “Quem consegue... ?”, antes de explicar uma bela atividade. Batata.
Ganhar e perder faz parte de qualquer jogo – também tem o empate, mas não no tênis. Ganhar dá aquela satisfação de missão cumprida, perder dá aquela vontade de jogar de novo até conseguir vencer. A criança só desiste de algo quando se sente muito impotente ou incompetente para superar o desafio, mas já dissemos anteriormente que o desafio, numa aula, deve ser do tipo ótimo (difícil, mas não impossível de atingir). O jogo provoca emoção. O jogo prende a atenção. Será que nossos exercícios podem ser transformados em jogos? Exemplo fácil para ajudar a diferenciar os dois tipos:
Aula 1: “Alunos, vocês rebaterão 40 cruzadas de direita sem errar”
Aula 2: “Alunos, vocês rebaterão bolas cruzadas de direita. Quero ver qual dupla consegue trocar 10 bolas sem errar primeiro”.
Quais alunos você acha que prestarão mais atenção, os da aula 1 ou os da aula 2?
Um dos joguinhos mais simples que já vi num celular igualmente simples é aquele no qual bolinhas ficam caindo do alto da tela para o jogador interceptá-las. A velocidade e a quantidade de bolinhas que vão caindo é espantosa, intensa. Poucas bolinhas caindo devagar não teria a menor graça. E, como bem lembrou o tutor da ITF, Richard Gonzalez, num curso do Departamento de Capacitação da CBT em maio, o tênis é um jogo extremamente intenso. Como uma aula de tênis teria graça sem ser intensa? Deixar uma criança numa fila, ou parada rebatendo bolas, não cria a intensidade necessária para o seu desenvolvimento. A dica é criar exercícios dinâmicos, que gerem deslocamentos curtos em velocidade, que mantenham a criança sempre alerta.
Se você está numa aula de tênis, as habilidades motoras e capacidades físicas que compõem a aula deverão ser específicas dessa modalidade. O professor deve ter em mente que capacidades/habilidades quer desenvolver, e combiná-las entre si. E olha que não são poucas: dentre as habilidades motoras, correr com mudanças de direção, galopar, saltitar, saltar, deslizar, rebater, arremessar, lançar; e dentre as capacidades, potência, equilíbrio, flexibilidade, agilidade, coordenação, tempo de reação, timing antecipatório etc. Já os eventos de tênis para crianças podem reunir atividades de esportes diferentes – pois queremos que elas aprendam várias modalidades antes de se especializarem em uma só.
Sempre a mesma aula, com a mesma rotina de exercícios, na mesma sequência, com os mesmos materiais, é chato
Sempre a mesma aula, com a mesma rotina de exercícios, na mesma sequência, com os mesmos materiais, é chato. Como visto anteriormente, são muitas habilidades e capacidades para serem combinadas numa aula de tênis. Solte sua imaginação para criar progressões e regressões de exercícios para os objetivos que pretende atingir. A variedade também favorece o desenvolvimento mais harmonioso do corpo da criança e da formação de um tenista completo, que conhece tudo numa quadra de tênis.
Para trazer e manter as crianças no esporte, é preciso gerar e gerenciar situações que favoreçam a interatividade entre elas. Promover rodízios entre as duplas ou grupos que executam tarefas juntos, fazer perguntas sobre escolhas táticas, estimular que as crianças se ajudem umas às outras (coaching), são todas excelentes dinâmicas para trazer as crianças para o momento presente e emocionante do jogo de tênis.
Com crianças pequenas, contar histórias, criar personagens e guiar esses personagens pelo maravilhoso mundo do jogo pode ser uma estratégia excelente para trazê-las para o esporte. Os bons professores de tênis infantil sabem quais desenhos animados são sucesso no momento e aproveitam seus heróis para estimular a imaginação da criança de modo que ela participe com mais facilidade dos desafios propostos. Esses professores usam alvos divertidos, dão nomes interessantes aos jogos e exercícios, usam adereços, e muito mais.
O professor que mantém esses elementos presentes em suas aulas de tênis terá uma chance muito maior de atrair e reter as crianças no esporte. É preciso sempre lembrar que o desenvolvimento do tenista é um processo de longo prazo (a média de idade dos 100 primeiros tenistas da ATP é 29 anos, vejam só). E lembrar também que, independentemente se essa criança seguirá o caminho do tênis profissional ou semiprofissional, queremos que ela desenvolva bons valores para a cidadania e que seja feliz praticando alguma atividade física regular em sua vida adulta. Vamos curtir juntos cada etapa em seu tempo. E, se cuida tablet!
1 As bolas amarelas são as utilizadas por tenistas avançados acima de 10 anos e pelos profissionais do tênis. Crianças com 10 anos, pela regra da Federação Internacional de Tênis, devem iniciar pelas bolas vermelha (75% mais lenta, usada nas competições até oito anos), laranja (50% mais lenta, usada nas competições até nove anos) e verde (25% mais lenta, usada nas competições até 10 anos).
2 O desafio ótimo é fundamental para a construção da percepção de competência pessoal, a PCP, sobre a qual já tratamos em artigos anteriores listados abaixo. Se os exercícios forem muito difíceis, a criança se sente incompetente e pode eventualmente abandonar o esporte. Se forem muito fáceis, não tem desafio. Professores, hora de sintonia fina.
Publicado em 23 de Maio de 2015 às 00:00
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