Melo e Soares

Rumo ao Finals

Após históricas campanhas em Wimbledon com duas finais, Marcelo Melo e Bruno Soares dão a esperança de termos dois brasileiros no ATP Finals, o que não acontece há quase 30 anos


EM 1967, MARIA ESTHER BUENO pisava na quadra central de Wimbledon para disputar as finais de duplas e duplas mistas. Em ambas as ocasiões, a paulistana perdeu. Desde então, outros brasileiros voltaram a marcar presença no estádio, mas nenhum conseguiu chegar à final do Grand Slam britânico. O mineiro Bruno Soares era um dos representantes que já havia jogado nessa quadra em 2009, junto com Kevin Ullyett, contra os irmãos Bob e Mike Bryan nas quartas de final. A derrota não amargou sequer uma pitada da doce sensação de jogar no templo sagrado do tênis.

Marcelo Melo e Ivan Dodig

A última vez que duplistas brasileiros disputaram o Finals foi em 1984

Nesta edição de Wimbledon, coube a outro mineiro, Marcelo Melo viver o sonho e puxar a fila como o primeiro brasileiro a disputar a final de Wimbledon na Era Aberta. Soares não ficou atrás e também se juntou ao ex-parceiro com a confirmação nas duplas mistas junto de Lisa Raymond. E por mais que nenhum dos dois tenha voltado para Minas Gerais com o troféu de campeão, Londres tornou-se especial para ambos. Eles viram seus resultados alcançarem repercussão nacional, fruto do trabalho árduo nos últimos seis anos. Separados, traçam caminhos diferentes e bem-sucedidos com seus parceiros, aproximando-se de uma nova façanha.

Ao lado do austríaco Alexander Peya, Soares está a poucos pontos de confirmar sua vaga no ATP Finals, torneio que reúne as oito melhores duplas do ano. E agora, Melo e Ivan Dodig entraram de vez na briga por um lugar, com a excelente campanha só freada pelos Bryan na final, que os deixaram em sétimo lugar. Vale lembrar que um brasileiro não se classifica para o torneio final desde 1984, quando Carlos Kirmayr e Cássio Motta jogaram o antigo Masters em Nova York.

ALTOS E BAIXOS

Em 2001, Melo teve o primeiro contato com as quadras de grama do All England Club. Naquele ano, o mineiro, ainda com 17 anos, disputou a chave juvenil de Wimbledon e se identificou com o clima mágico que rodeia o local. Profissional, e já focado nas duplas seis anos depois, ele e André Sá alcançaram a semifinal. Na memória, Melo cita a interminável segunda rodada contra Paul Hanley e Kevin Ullyett, que levou cinco dias (entre paralisações pelo mau tempo e falta de luz natural) para ser encerrada, com direito a 28 a 26 no quinto set.

Após dois anos com Sá, o gigante de 2,03 m decidiu, em 2010, juntar-se a Soares. Também ficaram juntos duas temporadas. Dessa forma, Melo começou a temporada de 2012 em maus lençóis, à procura de um parceiro. “A fase mais difícil foi logo que terminei a dupla com o Bruno. Ali tive que procurar um parceiro fixo, mas tive sorte de ter encontrado o Ivan [Dodig] logo depois. Ainda bem que essa fase não durou muito”, relembra.

No ATP de Memphis, em fevereiro, Melo contou com o acaso que lhe trouxe sorte. Combinou de jogar a chave com o croata Ivan Dodig, atleta em ascensão em simples e que já havia batido Rafael Nadal. Poucos esperavam um resultado tão bom entre jogadores de culturas diferentes e estilos opostos – Melo, simpático e mais alegre, sacava e voleava, enquanto Dodig, frio e reservado, conduzia seu jogo do fundo de quadra. Mas não é que os dois já deixaram sua marca na final do torneio americano?

Ainda assim, Melo permaneceu jogando com parceiros diferentes por toda a temporada de 2012 (10 tenistas no total), porém Dodig era, sem dúvida, o preferido. Por isso, o brasileiro sentou para conversar com o europeu no início do ano e definiu um calendário mais transparente para ambos. Melo confessa que é complicado treinar sabendo que vai trocar de companheiro: “Você tem que ter mais paciência quando joga pela primeira vez com alguém, pois erros táticos vão acontecer. Foi o que aconteceu comigo e o Robredo em Brisbane, em janeiro. A cada jogo corrigíamos os erros e levamos o título. Conversei com o Daniel [Melo, irmão e técnico] e procuro ficar atento com esses detalhes. Por isso, conversar antes do jogo ajuda a conhecer melhor o parceiro”.

Marcelo Melo e Ivan Dodig

CONTO DE FADAS

No momento de mais uma participação de Melo em Wimbledon, ele e Dodig foram designados como cabeças de chave, e caíram em um quadrante longe dos irmãos Bryan, com quem só jogariam numa possível decisão. O mineiro parecia sentir que 2013 poderia ser único. “Quem sabe uma final ou título”, arriscava. Nas duas primeiras rodadas, Dodig e Melo tiveram vitórias tranquilas e enfrentaram, na sequência, a primeira parceria indigesta, Max Mirnyi e Horia Tecau. Para completar, o parceiro de Melo tinha acabado de jogar uma partida longa contra David Ferrer.

Os adversários abriram rapidamente 2 sets a 0, mas a dupla do brasileiro conseguiu se recuperar, foi melhor nos momentos-chave e obteve dois match-points no saque com 5/3 no quinto set. Os rivais devolveram a quebra, e o fato parece ter tirado Dodig do sério. No game seguinte, o croata tratou de finalizar o jogo com um winner de devolução e mal cumprimentou o eufórico Melo, que depois conversou com o croata no vestiário. “Ivan estava em um nível de estresse alto. Quatro sets com o Ferrer não é fácil. Ele estava, no mínimo, 8h em quadra e ficou muito nervoso quando eles quebraram nosso saque. Então, na hora que fechamos, teve uma reação sem pensar. Mas depois conversamos e não teve nada de anormal. Ele nunca foi mal-educado, é um cara gente fina, somos amigos”, esclareceu.

Adiante, Dodig e Melo confirmaram o favoritismo diante de James Blake e Jurgen Melzer nas quartas e, na semifinal, bateram Leander Paes e Radek Stepanek, campeões do Aberto da Austrália de 2012, em cinco sets. Dessa vez, além da euforia, a ansiedade tomou conta de Melo naquela quinta-feira histórica. “Vem aquela realidade: ‘pô, estou numa final de Wimbledon!’ Depois do jogo, estava bem nervoso. Mas, na sexta, já estava montando a estratégia, consegui dormir bem e controlar a ansiedade até a partida”, contou Melo, que enfrentaria Bob e Mike Bryan no sábado.

Em 1967, Maria Esther Bueno chegou às finais de duplas e duplas mistas em Wimbledon

ENTRANDO NA FESTA

Desde o começo da segunda semana da competição, Bruno Soares estava focado apenas na chave de duplas mistas em Wimbledon. Fora da disputa de duplas com Alexander Peya, o mineiro também aproveitou para acompanhar Melo ao longo da chave e o Brasil passou a enxergar com esperança a rota dos dois mineiros em modalidades diferentes.

Campeão do US Open de 2012 fazendo parceria com a russa Ekaterina Makarova, Soares era o principal favorito nas mistas em Londres e, ao seu lado, tinha a veterana Lisa Raymond, 39 anos e dona de 11 títulos de Grand Slam. Por isso, o mineirinho ficou empolgado com as vitórias e a convivência com a norte-americana. “A Lisa [Raymond] vivenciou muita coisa, venceu inúmeros Grand Slams. Conversei bastante com ela, que passou muitas coisas, deu para entender que as pessoas podem enxergar o tênis de forma diferente”, contou.

Ao mesmo tempo em que Melo avançava nas duplas, Soares seguiu firme nas mistas, e a atenção ao tênis crescia na mídia. A boa fase dos mineiros já não estava restrita a canais fechados e até programas da rede aberta reservaram um tempinho para destacar os seus feitos. Se na quinta-feira Melo garantiu vaga na decisão, Soares repetiu a dose no dia seguinte. “Mais pessoas estão entendendo nosso esporte. Nossos resultados fazem com que eles participem disso também, o que é gratificante. Às vezes, o leigo não conhece a importância, mas quando ouve Grand Slam, relembra os títulos do Guga e tem certeza que é algo diferenciado. E assim você vai educando as pessoas, mas com certeza aparecer na TV aberta dois dias seguidos é um grande momento”, vibrou.

Bruno Soares

TOPO DO MUNDO

A partir do momento que deixou o vestiário e seguiu até a Quadra Central naquele sábado ensolarado, Melo confessou que a ansiedade não o atrapalhou, mas que a sensação era a de estar em outra dimensão. “Quando você entra lá, sente-se no topo do mundo, no topo do tênis. Naquela altura, tudo o que queria era jogar. Confesso que, de pensar no quanto trabalhei, treinei e lutei para estar ali, acabei relaxando”, disse o mineiro, que fez um primeiro set impecável com Dodig.

No entanto, a partir do segundo set, o entrosamento dos Bryan acabou falando mais alto e o time do brasileiro pouco pôde fazer. “Eles jogam acima da média, são os melhores da história. Começamos bem soltos, dominando o jogo, e o erro nosso foi ter perdido o saque logo no início do segundo set. Daí, eles sacam mais tranquilos, jogam numa margem de erro pequena. Contra eles, é importante manter o placar perto, não deixá-los se distanciarem. É um jogo diferente de qualquer outra dupla”, analisou o vice-campeão.

No camarote, Soares torceu pelo ex-parceiro preparando-se mentalmente para a final no dia seguinte. No domingo, o mineiro jogaria após a decisão entre Andy Murray e Novak Djokovic e, conforme foi ouvindo a reação dos britânicos com a vitória de Murray, Soares não resistiu e foi acompanhar o desfecho. Logo depois, ele retornou à Central com Raymond no duelo contra o canadense Daniel Nestor e a francesa Kristina Mladenovic, parceria que havia sido vice-campeã em Roland Garros.

Desde o início, manteve-se o equilíbrio, e como último jogo oficial de Wimbledon, nada mais justo do que as ações serem definidas no set final, sem tiebreak. No 5/4 e saque de Mladenovic, Soares e Raymond perderam dois match-points; o mineiro teve a bola na mão para disparar um winner na paralela, mas a rede o impediu. Logo depois, acabou faltando consistência e os rivais fecharam a série em 8/6.

De volta ao Brasil, Melo e Soares têm consciência da expectativa que carregam para serem ambos vistos no ATP Finals de Londres, que será disputado em novembro e reunirá os oito melhores times de 2013. Por enquanto, apenas os irmãos Bryan garantiram vaga, mas Soares e Peya estão na vice-liderança e Melo e Dodig já são os sétimos na corrida.

Quem ganha com tudo isso é o tênis brasileiro. “Isso é positivo. Um indo já seria algo excelente. O Finals é a elite da elite dos jogadores. Se tivermos dois em Londres, será fantástico, assim como foram essas duas semanas em Wimbledon”, declarou Soares. Melo corrobora a opinião do ex-parceiro, mas crê que o momento é de focar no segundo semestre com Dodig, para não deixarem a vaga escapar. “Nós estamos na metade do caminho do ATP Finals, mas não podemos criar falsas expectativas. Se acontecer, será histórico”.

PRESENTE X PASSADO

Quando Melo e Soares ainda eram apenas crianças, dois brasileiros disputaram pela primeira vez na história o Masters (hoje ATP Finals). Os paulistas Carlos Kirmayr e Cássio Motta terminaram a temporada de 1983 como quinta melhor dupla e, assim, ganharam o direito de jogar o torneio sediado no Madison Square Garden, em Nova York. Como o calendário da entidade estava passando por mudanças, realizou-se o torneio apenas em janeiro do ano seguinte e os brasileiros correram atrás de pontos preciosos. “No fim do ano 1983, estávamos entre o 5º e 7º lugar, então jogamos todos os torneios que podíamos por pontos. Nem joguei mais simples naquele momento, só focava nas duplas com o Cássio. Foi um momento muito especial de minha carreira e depois jogar no Garden... Guardo com carinho essas lembranças, porque o Garden é tudo de importante que envolve o esporte”, lembra Kirmayr.

Na época, a forma de disputa era eliminatória e as duas melhores duplas saíam como cabeças de chave já na semifinal. Kirmayr e Motta foram eliminados logo no primeiro jogo diante do par formado pelo australiano Mark Edmondson e o norte-americano Sherwood Stewart por 2 sets a 1, com parciais de 5/7, 6/1 e 6/4. Os campeões daquele ano foram os locais Peter Fleming e John McEnroe.

A oportunidade de Melo e Soares repetirem o feito de 29 anos atrás é uma chance de ouro para motivar mais os jovens em correrem atrás de seus sonhos, segundo Motta, quarto do ranking de duplas em 1983. “É ótimo que os garotos tenham ídolos e possam se espelhar no Marcelo e no Bruno. Podem pensar: ‘Poxa, se eles são brasileiros, ganham e estão na final, então eu também posso!’ Espero que vençam outros torneios, que nos defendam na Copa Davis e venham jogar o ATP Finals. Estou na torcida”.

Por Matheus Martins Fontes

Publicado em 27 de Julho de 2013 às 00:00


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