Apostas suspeitas durante uma partida do russo Nikolay Davydenko no ATP de Sopot trazem à tona novamente o problema da corrupção no tênis
NÃO HAVIA NADA DE ESPECIAL no abandono do russo Nikolay Davydenko, por contusão, na segunda rodada do torneio de Sopot, em 2 de agosto, contra o argentino Martin Vassallo Arguello. O quarto colocado no ranking é um dos jogadores que mais atua no circuito e está vulnerável a problemas como esse. Porém, no dia seguinte, veio a bomba.
Segundo o site de apostas britânico, Betfair, a partida havia recebido US$ 7 milhões em volume de jogo, 10 vezes mais do que o normal para um evento de pequeno porte. Curiosamente, grande parte dessa quantia estava em favor do sul-americano, apenas 87º do mundo. Mesmo quando Davydenko ganhou o primeiro set, o dinheiro continuou entrando em favor de Arguello.
O caso foi a público rapidamente e a sombra da corrupção, que sempre ronda os esportes, voltou a pairar sobre o tênis. Prontamente a ATP anunciou que o caso estava sob suspeita de manipulação de resultados. Etienne de Villiers, presidente da instituição, disse que "usaria todos os meios possíveis" para limpar o nome do esporte e baniria qualquer tenista, caso fosse descoberto que ele "vendeu" a partida. Davydenko, obviamente, negou as acusações. Disse que sofria com problemas no pé e tinha exames dos médicos da ATP para comprovar. Até Roger Federer saiu em sua defesa e garantiu que o russo nunca faria isso. Arguello também apoiou Davydenko e afirmou que não viu nada de errado na partida, e que o europeu estava mesmo com dificuldades para se locomover.
LAMA NO VENTILADOR
As apostas na Betfair foram suspensas por causa do padrão fora do comum do duelo de Sopot. E o incidente causou uma enxurrada de denúncias. Em um jornal norteamericano, Bob Bryan disse que já havia presenciado vários apostadores tentando aliciar jogadores. E, para isso, ofereciam quantias volumosas. Há suspeitas de que, no Australian Open 2007, tenistas receberam ofertas de US$ 50 mil.
Para piorar a situação, o escocês Andy Murray ainda deu a fórmula de como manipular uma partida de tênis: "Basta levar o jogo até o final do set, cometer erros bobos ou até mesmo uma dupla-falta. É fácil enganar." Por causa desses comentários, foi convocado a se explicar e preferiu culpar a imprensa pela polêmica.
Já o belga Gilles Elsenner disse que recusou mais de US$ 100 mil para perder na estréia de Wimbledon em 2005 contra o italiano Potito Starace. O britânico Arvind Parmar também foi abordado para que perdesse um jogo. Sua resposta foi: "Queria socar o cara que falou aquilo para mim." O norte-americano Paul Goldstein admitiu que recebeu propostas semelhantes, mas se recusou a dar mais detalhes. Porém, até tenistas brasileiros revelaram minúcias, como Flávio Saretta e Marcos Daniel. Saretta afirmou que foi sondado e chegaram a lhe oferecer US$ 100 mil para perder a partida contra Starace em Roland Garros 2006. Daniel teria recebido uma proposta de US$ 20 mil para deixar o chileno Nicolas Massú vencê-lo no ATP de Acapulco, também no ano passado. Ambos disseram que os contatos foram feitos por telefone.
VITÓRIA DE GUGA SUSPEITA?
Por pouco, o tema das apostas não ofuscou o US Open. Durante o torneio, Etienne de Villiers foi interpelado várias vezes sobre as investigações e se mostrou enfarado com as perguntas. Nas paredes do Arthur Ashe Stadium, seja na sala de imprensa ou no player's lounge, haviam cartazes: "Lembrete: Participação ou auxílio, direto ou indireto, em qualquer forma de apostas envolvendo tênis é estritamente proibido. A USTA tem política de tolerância zero em apostas com tênis, e qualquer violação desta política resultará em ação disciplinar imediata".
Semanas depois, a ATP revelou que estava examinando uma lista, datada de 2002, de cerca de 150 jogos de tênis considerados suspeitos. Um artigo da revista Tennis norte-americana, em conjunto com o site de consultoria em apostas, Onthepunt.com, cita alguns casos compilados pelos bookmakers (casas de aposta) internacionais. Há alguns anos, para se protegerem contra apostadores desleais, as casas vêm trocando informações sobre partidas "duvidosas", mas que não implicam necessariamente que o resultado tenha sido arranjado.
Uma das citadas é entre Gustavo Kuerten e o italiano Filippo Volandri no Brasil Open 2007. O catarinense não vencia há seis partidas e continuava sua luta para voltar à melhor forma. Por isso, cada euro apostado na vitória do catarinense pagava 4,5 euros, ou seja, Guga era o azarão. Porém, esta proporção caiu levemente antes de a partida começar, pois, estranhamente, certo número de apostadores acreditou no brasileiro na última hora e investiu alguma soma nele.
Mesmo com todos os prognósticos apontando uma vitória do tenista da Itália, Volandri, apático, foi surrado por 6/3 e 6/1. Alegando uma contusão no ombro, o italiano desistiu de participar do ATP de Buenos Aires na semana seguinte. Outras três partidas de Volandri estão na lista das suspeitas pelos bookmakers.
DE OLHO NA RÚSIA
Além deste caso recente, Davydenko também é o protagonista de outro acontecimento estranho. Em 2005, o russo, então sétimo do mundo, vencia o armênio Sargis Sargsian (107º) por 6/1 e 1/0 na estréia de Gstaad. De repente, abandonou o duelo. Uma investigação mostrou, através do rastreamento do endereço IP da aposta, que alguém de dentro do hotel oficial dos jogadores apostou 4 mil euros em Sargsian cinco minutos antes do início da partida. Esse indivíduo ganhou seis vezes o que investiu.
Na ocasião, o russo alegou uma contusão no pulso. Na semana seguinte, venceu os franceses Paul-Henri Mathieu e Richard Gasquet pelas quartas-de-final da Copa Davis. Na sexta-feira, disputou três sets. No domingo, outros quatro.
Outro caso "famoso" de suspeita de apostas no tênis ocorreu em 2003, com outro russo. Yevgney Kafelnikov enfrentaria o espanhol Fernando Vicente no carpete de Lyon. Kafelnikov era top 10 e gostava de superfícies rápidas. Vicente era especialista no saibro e estava em péssima fase, pois havia perdido os últimos 11 jogos. E grande parte das apostas foram em Vicente, que acabou ganhando com facilidade: 6/2 e 6/3. Mas todas as apostas foram suspensas seis horas antes do duelo por causa desse padrão fora do comum. Na rodada seguinte, Vicente levou 6/1 e 6/4 do francês Arnaud Clement.
E os russos ainda foram alvo de mais problemas. Em 2002, Kafelnikov, Marat Safin e Andrei Medvedev foram fotografados ao lado do mafioso Alimzhan Tokhtakhounov, preso sob a suspeita de manipular os resultados da patinação do gelo nas Olimpíadas de Inverno de Salt Lake City. Por isso, passou mais de um ano na cadeia.
Sobre o caso Davydenko/Arguello, o editor do site Onthepunt.com escreveu um artigo contundente. Ele diz que "padrões de aposta suspeitos podem ter várias causas, mas é importante distinguir entre partidas e partidas descaradamente arranjadas. Ele (Davydenko) fez tentativas deliberadas de esconder erros e seu fingimento de um machucado no pé após vencer o primeiro set (dando, assim, mais oportunidade de apostas para os envolvidos) foi cômico. O juiz Mohamed Lahyani deveria saber o que estava se passando".
O editor completa: "Muitas das pessoas com que falei estão assumindo que Davydenko é quem está lucrando com isso. Não estou tão certo. Não seria surpresa para mim se foram feitas ameaças contra com o russo e, por isso, ele teve pouca escolha a não ser avisar sobre sua desistência nestas partidas. Qualquer que seja o caso, Davydenko deveria ser suspenso do circuito indefinidamente. Ele não é um Zé Ninguém que quer ganhar uns poucos dólares com isso. Estamos falando do número quatro do mundo. Mas isso não vai acontecer. Será quase impossível obter a prova".
OUTROS ESPORTES
Convenhamos que não há registros de que algum tenista já tenha sido punido por causa de apostas e a ATP se mostra extremamente cautelosa quando fala sobre o assunto. Somente o mais alto escalão pode se pronunciar a respeito do tema. Problemas com apostas, entretanto, não são exclusivos do tênis.
O futebol brasileiro foi alvo de investigação há pouco tempo. Em 2005, o juiz Edílson Pereira de Carvalho e o empresário Nagib Fayad foram presos acusados de manipular resultados do Campeonato Brasileiro. Ao ser escalado para um jogo, Carvalho comunicava Fayad. O empresário então combinava o placar e o valor da aposta.
Problema semelhante aconteceu recentemente na NBA, a mais famosa liga de basquete do mundo. O juiz Tim Donaghy confessou que apostava em jogos em que era o responsável pela arbitragem. E que, muitas vezes, manipulava os resultados para favorecer seus amigos apostadores. A situação ficou tão séria que o FBI entrou na investigação.
Na Itália, houve problema semelhante ao do Brasil. Juventus, Lazio, Fiorentina e Milan foram acusados de manipular jogos e comprar juízes. A Juventus, time tradicional e um dos maiores vencedores do campeonato, foi rebaixada para a segunda divisão do Campeonato Italiano, enquanto os outros três perderam vários pontos.
Publicado em 12 de Novembro de 2007 às 14:49
+LIDAS