Quem foi rei, nunca perde a majestade

Desde o Masters Madrid em 2003, Juan Carlos Ferrero não conquista um título, mas, a aura de ter sido número um do mundo ainda o cerca


João Pires/FotoJumpHÁ MAIS DE TRÊS ANOS, o espanhol Juan Carlos Ferrero não conquista um título. "Ganhei o Masters espanhol...", brincou durante a coletiva antes da final do Brasil Open, quando lhe perguntaram se não sentia falta dos triunfos. No dia seguinte, após mais uma frustração, uma vez mais a questão veio à tona e, desta vez, a doce cordialidade para com o repórter transformou-se em ácido sarcasmo: "Se pensasse nisso todos os dias, como você, me incomodaria..."

Mesmo sem um título há tanto tempo, mesmo sem mostrar o tênis que o consagrou, o espanhol se mostra inabalável, principalmente no quesito fama. Basta o loirinho de Onteniente - cidade com cerca de 40 mil habitantes - chegar ao local torneio para que o alvoroço se forme. E o tenista - que coincidentemente leva o mesmo nome do rei da Espanha - se porta como um príncipe diante dos súditos. No início, inalcançável, sempre cercado pelo seu staff. Depois, sem grande prazer, mas amável, cumpre seu dever monárquico e concede alguns autógrafos à plebe, que o venera apesar dos poucos sorrisos e poucas palavras.

Ferrero foi número um do ranking da ATP em setembro de 2003, após alcançar a final do US Open. Na semifinal, bateu Agassi e lhe roubou o primeiro posto. Na decisão, perdeu para Roddick, que terminaria o ano no topo. Naquela temporada, o então "Rei do Saibro" ganhou o Masters Series de Monte Carlo, o torneio de Valência e Roland Garros. Em outubro, provou ser um jogador completo ao vencer o Masters Series de Madrid, em carpete.

O ano de 2004 começou bem e ele alcançou a semifinal do Australian Open (perdeu para Federer) e a final do torneio de Rotterdam (foi derrotado por Hewitt). No entanto, em março, espanhol teve varicela - ou catapora - doença comum em crianças. Pouco após se recuperar da enfermidade, sofreu uma queda durante um treino e machucou o pulso direito e algumas costelas. Tamanho infortúnio comprometeu grande parte da temporada e, no início de 2005, por apenas três posições não saiu do top 100.

SAGA
Mas ultimamente o espanhol voltou a apresentar alguns lampejos do tênis que o levou ao topo do ranking e vai se mantendo próximo dos 20 melhores do mundo. No ano passado, jogou o Brasil Open pela primeira vez. Ele comprou uma casa na praia de Guarajuba (a 40 quilômetros da Costa do Sauípe) por influência de sua namorada - Patricia Bonilla Bartret, modelo de 23 anos -, e freqüentava a região desde 2003. Em 2006, Ferrero era a grande estrela do evento e a Revista TÊNIS tentou entrevistá-lo. Porém, sua derrota para Flávio Saretta na estréia complicou a já difícil missão. Com isso, o ex-número um escapou dando apenas uma coletiva de imprensa.

fotos: João Pires/FotoJump
" Todo jogador sempre tenta chegar o mais longe possível. Sonhar é fácil, conseguir nem tanto"

Desta vez, com a ajuda providencial de um representante brasileiro da ATP no torneio, o nosso colunista Luiz Carvalho, driblamos o mau tempo e conseguimos que Ferrero cedesse 20 minutos - cronometrados - de seu tempo. De mau humor por ter passado nove horas esperando por um jogo que não ocorreu (na sexta-feira, 16, a chuva adiou as quartas-de-final) e querendo fugir para Guarajuba, o espanhol - tímido e desconfortável - respondeu as perguntas concisamente.

Como fez com o bolo que a organização lhe ofereceu em seu aniversário de 27 anos (em 12 de fevereiro), o "Mosquito" deu alguns sorrisos cordiais, porém, amarelos durante a entrevista. Mesmo escorregando pelas respostas com seu jeito acanhado e fugidio, ele manteve a pompa de quem um dia já foi rei. Confira o bate-papo.

Quando começou sua relação com o Brasil, com a Bahia?
Em 2003 foi a primeira vez que vim à Bahia, porque a minha namorada tinha uma casa aqui. Treinei por 10, 12 dias, gostamos e compramos uma casa perto da dela. E a partir daí, quase a cada fim de ano, eu venho. Em novembro passado estive de férias aqui por duas semanas. Meu técnico, Antonio (Martínez Cascales) também tem uma casa lá.

Você tinha ídolos de criança?
Não... Eu nunca tive nenhum. Nunca tive um em especial.

Por que começou a jogar?
Meu pai jogava no Tênis Clube de Onteniente. Comecei lá e depois de um ano saí para outro povoado. Não fui a Barcelona, nem a Valência. Sempre estive em cidades pequenas. Sigo vivendo em Onteniente, tenho casa, minha família vive lá.

Você fez final juvenil em Roland Garros em 1998 contra Fernando Gonzalez. Lembra-se do jogo?
Era uma partida que eu tinha bem encaminhada. Tinha ganhado um set e estava um break acima no segundo. No final perdi por 6/3. Foi uma partida muito dura. A verdade é que eu e Gonzalez vínhamos jogando as finais dos torneios mais importantes e íamos repartindo as vitórias.

Já imaginava ser número um? Ganhar Roland Garros?
Todo jogador sempre tenta chegar o mais longe possível. Sonhar é fácil, conseguir nem tanto. Quando alguém é tão pequeno, com 18 anos, é impossível saber o que vai acontecer. Estava claro que eu era um jogador que prometia, que jogava bem e que, se seguisse trabalhando, poderia ter chances.

Você alcançou o topo com a final do US Open em 2003. Como foi o torneio?
Foi bastante difícil desde o começo. Joguei contra bons tenistas e fui me encontrando encontrando na competição. Em nenhum ano tinha ido bem no US Open. Sempre caía na segunda ou terceira rodada e este ano, de repente, joguei bem. Ganhei boas partidas contra Todd Martin, Hewitt, Chela, que me deram confiança. E a semifinal contra Agassi era uma partida muito importante, pois estava com a possibilidade de conseguir o número um, além de chegar à final. Foi um dia especial.

Em outubro de 2001, você montou uma academia chamada Equelite, em Villena, perto de sua cidade natal. De onde surgiu a idéia?
A idéia veio de Antonio, que sempre teve uma escola. Desde que estivemos juntos, pouco a pouco, foi surgindo a idéia de criar uma academia. Nunca pensamos que ia ser tão grande como é agora. Pensamos em uma academia pequena e, pouco a pouco, foi indo bem. Durante todo o ano temos por volta de 40 garotos, e, no verão, sempre vêm mais para trabalhos pequenos, uns 300.

É por trabalhos como esse que a Espanha tem tanta tradição no tênis?
Creio que é porque temos boas instalações, boas academias, bons treinadores e, sobretudo, muitos torneios onde os jovens podem começar a jogar, como Futures e Challengers. Eles têm muitas oportunidades.

Você já foi número um, ganhou um Grand Slam e Copa Davis. Acredita que falta ganhar alguma coisa?
Consegui quase todas as coisas, ou todas as coisas que um jogador pode conseguir.

Ser número um, ganhar um Grand Slam, Master Series e Copa Davis, são as quatro coisas mais importantes que um jogador pode conseguir e eu, por sorte e por trabalho, consegui. Agora tenho que tentar conseguir outros tipos de motivação, outras metas para seguir. Vou tentar subir o máximo possível, estar bem fisicamente, tentar ganhar um torneio importante.

Qual a importância das semifinais que fez contra Guga em Roland Garros 2000 e 2001? Como foram estes jogos?
Em 2000, eu vinha jogando bem e foi um torneio importante para mim. A semifinal com Guga foi uma partida que tinha bem encaminhada com 2 a 1 e 3/1 no quarto set. Aí aconteceu uma série de coisas. Fui um pouco confiante demais, ele pediu atendimento, parecia que estava mal das costas. Essa partida foi uma lástima para mim, mas também me deu experiência em muitos sentidos. Era a primeira vez que jogava com Guga, ele estava jogando em seu melhor nível, e foi uma partida muito importante para mim. No ano seguinte foi uma partida que ele jogou um tênis impressionante e passou por cima de mim. Eu estava jogando bem e ele jogou num nível incrível.

Seu nível hoje é melhor do que em 2003?
Sou melhor jogador do que naqueles momentos, apesar de não conseguir os mesmos resultados. Creio que sou um jogador mais experiente, estou melhor fisicamente, e talvez me falte conseguir um resultado bom como o de Cincinnati no ano passado, ser um pouco mais regular e, a partir daí, pegar mais confiança.

Qual a sua meta?
Creio que, para qualquer jogador entre os 25 melhores do mundo, a meta é chegar ao top 10. Se chegar a isso é porque está jogando todo o ano mais ou menos bem e, como prêmio, pode jogar em Xangai. Este ano também tenho essa meta.

João Pires/FotoJumpJUAN CARLOS FERRERO

NASCIMENTO
12 de fevereiro de 1980 em Onteniente, Espanha

1,82 M E 72 KG

DESTRO

Número um em 8 de setembro de 2003. Permaneceu oito semanas em primeiro lugar.

VITÓRIAS E DERROTAS (APÓS O BRASIL OPEN): 336 - 170 TÍTULOS: 11 VICES: 15 PRÊMIOS EM DINHEIRO: US$ 10,886,188

MAIORES CONQUISTAS
"Roland Garros, Copa Davis, Master Series de Madrid e, sobretudo, o primeiro torneio que ganhei, com 19 anos, em Mallorca. É sempre especial ganhar seu primeiro torneio ATP. Você se sente um jogador melhor quando ganha".

HOBBIES
Golfe - "Tem muitos campos próximos aos clubes de tênis e, no tempo livre, tentamos fazer algo que não seja só tênis. Sou amigo de Sergio Garcia (jogador profissional) e ele me ensinou um pouco. Tenho handicap 10". Futebol - "Sou torcedor do Real Madrid". Carros e motos - "Gosto do mundo do motor desde pequeno. Tenho dois carros, uma BMW e uma Ferrari".

FAMÍLIA
Eduardo, pai, aposentado, tinha uma fábrica têxtil Rosario, mãe, faleceu em 1997 Ana e Laura, irmãs Patricia Bonilla Bartret, namorada, é modelo e cursa o último ano de Publicidade

Arnaldo Grizzo

Publicado em 13 de Março de 2007 às 06:41


Perfil/Entrevista

Artigo publicado nesta revista