Torneio Wimbledon
Andy Murray e Marion Bartoli entram para a dinastia dos campeões de Wimbledon, um torneio que carrega a tradição histórica do Reino Unido
O REINO UNIDO, TAL QUAL O conhecemos hoje, vem de uma história de mais de 2 mil anos que envolve desde os celtas, passando pelos romanos e se conformando, através de muitos conflitos, disputas e transformações, numa nação rica em tradições, costumes e cultura que influenciaram profundamente a sociedade ocidental.
A cultura inglesa está consolidada entre as mais tradicionais do planeta e quando se fala em esporte nas terras da Rainha (onde o futebol também nasceu) Wimbledon nunca está de fora. O tênis foi criado na grama do All England Lawn Tennis Club, em 1877. Foi lá que aconteceu o primeiro torneio da história. Ao longo dos seus 136 anos, muita gente deixou seu nome gravado por aquelas quadras e, em 2013, mais dois novos apareceram.
Primeiro, a ficha demorou a cair para Marion Bartoli, a pilhada francesa que estreou na modesta quadra 14, longe de tudo e todos. Ela saiu de Londres com o primeiro Major da carreira. Um dia depois, todo o Reino Unido parou à frente da TV para torcer por um escocês. Andy Murray superou a perda da final de um ano atrás e fez milhões de compatriotas curtirem o primeiro título local na chave masculina em 77 anos. Que Fred Perry descanse em paz finalmente.
Mas Wimbledon 2013 ficará marcado por ter devolvido a mística do jogo agressivo às quadras de grama, esse piso que antes todos consideravam tão traiçoeiro e que recentemente viu fundistas ali triunfarem como se estivessem em Roland Garros. Assim alguns grandes personagens foram surpreendidos e a imprevisibilidade parece que voltou a fazer parte desse torneio.
E para contar um pouco da história dessa competição, pedimos licença para outros tantos personagens que marcaram a história do Reino Unido. Pegue sua xícara de chá e acompanhe-nos nesse retrato histórico.
Fred Perry pode enfim descansar em paz. Murray foi o primeiro britânico a vencer Wimbledon depois de 77 anos
Djokovic: “O que não o mata, torna-o mais forte”
No filme “Coração Valente”, Mel Gibson faz o papel de William Wallace, líder que comandou milhões de escoceses na luta pela independência junto aos ingleses. Rezava a lenda que quando Murray, compatriota de Wallace, conquistava uma vitória, a mídia o tratava como “britânico”. Mas era só perder para os jornalistas estamparem manchetes com o revés do “escocês”. Em conflito, o tenista sempre carregou, após a aposentadoria de Tim Henman, a responsabilidade do tênis “inglês”. E se a expectativa já era alta, as quedas precoces de Federer e Nadal só aumentaram a pressão e quase provocaram uma tragédia nas quartas contra Fernando Verdasco (chegou a estar perdendo por 2 sets a 0). Mas o lado mental, que antes o deixava na mão, jogou a favor de Murray e a virada foi decisiva para trilhar o destino com que todos sonhavam desde o final dos anos 1930. “Os últimos dias não foram fáceis, só falavam em título. Sei que todos queriam ver um campeão britânico. Espero que aproveitem, pois dei meu melhor”, desabafou Murray, ainda incrédulo após despachar Djokovic na decisão. Se séculos atrás Wallace não pôde ver seu país independente, ao menos Murray conseguiu fazer com que hoje os ingleses se orgulhem de ter um escocês no trono de Wimbledon.
Del Potro fez uma partida épica contra Nole na semifinal
Baixinha e com o hábito de ouvir mensagens divinas, Joana d’Arc foi responsável por guiar o exército francês diante dos inimigos ingleses. Por sua vez, Marion Bartoli é outra fora dos padrões, longe do estereótipo de atleta ideal. O pai, Walter, levou-a a um ginásio quando tinha apenas 5 anos. Na quadra quase não havia recuo atrás da linha de fundo, e ela se acostumou a bater o backhand e forehand com duas mãos de dentro da quadra. Em 2007, em seu melhor momento, ela perdeu para Venus Williams na decisão em Londres. Brigas com a federação francesa e com seu genitor a fizeram sair um pouco de cena e, até o início do torneio desse ano, poucos apostariam num triunfo seu. Bartoli, porém, foi comendo pelas beiradas e, sem favoritas no caminho, chegou com méritos à final. Ela pediu a presença do pai no box, e com ele veio junto Amelie Mauresmo, a última francesa a vencer ali, em 2006. A experiência contou e Bartoli calou os que duvidaram de sua capacidade. “Se pensei em desfilar como modelo? Não. Se já pensei em ganhar Wimbledon? Com certeza. O que importa é o título e não o que faço fora de quadra”, contou a moça, repleta de tiques e manias em quadra e fora dela.
Com tantas zebras, o polonês Jerzy Janowicz foi uma das surpresas e atingiu a semifinal
A fim de conter o ímpeto de Napoleão na Europa, o almirante Nelson ficou conhecido como o responsável pela derrota imposta à marinha francesa na batalha de Trafalgar, onde pagou com sua vida na mais importante vitória militar inglesa. Em 2012, Novak Djokovic saiu de Londres sem sequer disputar a final em Wimbledon e, de quebra, perdeu a chance de medalha nas Olimpíadas. Neste ano, porém, o sérvio deu o troco na semifinal e ganhou uma batalha física e mental contra o mesmo Juan Martin del Potro, seu algoz olímpico do ano anterior. Mesmo longe do seu melhor tênis, o número 1 do mundo se sobressaiu nos momentos decisivos, com estratégia e frieza dignos de um verdadeiro mestre na arte da batalha. Assim como Nelson, o sérvio foi arrojado, audaz e nunca deixou de mostrar suas idiossincrasias e fraquezas. Talvez o melhor tenha vindo exatamente contra Del Potro e nada tenha sobrado frente a Murray na final. Para um herói, nada é mais honroso do que ir ao encontro da morte contra aqueles que ameaçam sua pátria – foi assim com Nelson, e Djokovic tratou de aceitar o baque da derrota com classe de quem já teve sua glória antes: “Ele jogou um tênis fantástico e mereceu vencer. O que não mata, torna-o mais forte. Preciso ter a mentalidade para seguir em frente. Sou jovem e terei mais chances de vencer Wimbledon”.
Sabine Lisicki se tornou a primeira alemã a alcançar a final de Wimbledon, desde Steffi Graf
Assim que assumiu o trono, a rainha Elizabeth I teve que mostrar muita força para resistir aos poderes contrários ao seu reinado. Mas foi sob sua coroa que a Inglaterra viveu um período de ascensão que delineou o que viria a ser o Império Britânico. A alemã Sabine Lisicki também não teve uma vida fácil. Quando despontava no circuito, sofreu uma séria lesão no tornozelo e precisou reaprender a andar. Em Wimbledon, o retrospecto só podia ser desanimador já que a loira tem alergia à grama. Mas Sabine é decidida, assim como a monarca inglesa. Foi com atitude e agressividade que surpreendeu a favoritíssima Serena Williams nas oitavas com um festival de winners e aces. Da mesma maneira que Elizabeth, a alemã pode ser definida como um carrossel de emoções e, ainda que o nervosismo a tenha prejudicado na inédita final de Grand Slam, ela se tornou a primeira de seu país a chegar tão longe desde a lendária Steffi Graf. Quando retratada em pinturas, Elizabeth quase sempre aparecia sorrindo e o sorriso (e também o choro) foi marcante na campanha de Sabine, que não ficou com o título, mas tem consciência de que tem um estilo perfeito para triunfar na superfície.
Outra surpresa: Flipkens semifinalista
É impossível fazer referência à Inglaterra sem lembrar de William Shakespeare. Suas peças ainda permanecem vivas na dramaturgia, reinterpretadas e relacionadas com vários acontecimentos do nosso cotidiano. Em Wimbledon, não houve encenações, é verdade, mas as várias surpresas ao longo do torneio – os inéditos semifinalistas Jerzy Janowicz e Kirsten Flipkens por exemplo – podem ser comparadas com alguns dos maiores clássicos do poeta inglês.
Campeão em sete dos últimos 10 anos, Roger Federer amargou a pior campanha em um Grand Slam desde 2004 ao ser eliminado logo na segunda rodada pelo ucraniano Sergiy Stakhovsky. Será que não chegou a hora do suíço pensar o que quer para sua vida? Hamlet teve um dilema parecido: “ser ou não ser, eis a questão”, como no bom verso shakespeariano. Já Rafael Nadal vinha com um excelente retrospecto na temporada (sete títulos em nove torneios), porém sem nenhum jogo na grama. O piso rápido voltou a trai-lo, com a pior sensação de quem já havia passado da estreia nos 35 Grand Slams anteriores. Wimbledon tem disso, ainda prega peça em campeões e Rafa tombou no inspirado Steve Darcis. E o que dizer da feroz Serena Williams? Invicta há 34 jogos, viu um torneio com suas maiores concorrentes Victoria Azarenka e Maria Sharapova fora de cena na primeira semana. Porém, ainda assim, sua derrota para Lisicki provou que ela é vulnerável e passível a mudanças, como a divertida personagem Catarina de “A Megera Domada”.
Mais do que nunca, fica a impressão de que Wimbledon não é especial somente pela tradição do branco ou pelas taças de Champagne nos restaurantes – dentre outras coisas que os ingleses sabem fazer – mas porque demonstra que o esporte ainda pode sim, guardar muitas surpresas, mesmo nas terras onde a história do tênis foi escrita.
Nadal perdeu na estreia, Federer na segunda rodada
RESULTADOS – Wimbledon 2013 |
Simples Andy Murray (GBR) v. Novak Djokovic (SRB) 6/4, 7/5 e 6/4 Marion Bartoli (FRA) v. Sabine Lisicki (GER) 6/1 e 6/4 |
Duplas Bob Bryan (USA) e Mike Bryan (USA) v. Ivan Dodig (CRO) e Marcelo Melo (BRA) 3/6, 6/3, 6/4 e 6/4 Su-Wei Hsieh (TPE) e Shuai Peng (CHN) v. Ashleigh Barty (AUS) e Casey Dellacqua (AUS) 7/6(1) e 6/1 Daniel Nestor (CAN) e Kristina Mladenovic (FRA) v. Bruno Soares (BRA) e Lisa Raymond (USA) 5/7, 6/2 e 8/6 |
Juvenis Gianluigi Quinzi (ITA) v. Hyeon Chung (KOR) 7/5 e 7/6(2) Belinda Bencic (SUI) v. Taylor Townsend (USA) 4/6, 6/1 e 6/4 Thanasi Kokkinakis (AUS) e Nick Kyrgios (AUS) v. Enzo Couacaud (FRA) e Stefano Napolitano (ITA) 6/2 e 6/3 Barbora Krejcikova (CZE) e Katerina Siniakova (CZE) v. Anhelina Kalinina (UKR) e Iryna Shymanovich (BLR) 6/3 e 6/1 |
Publicado em 27 de Julho de 2013 às 00:00
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