Perfil Rogério Silva

Alma de tenista

A dura e exemplar trajetória de Rogério Dutra Silva até a quadra central do US Open 2013


UM GAROTO FRANZINO, que aos 10 anos, saía de casa em Parelheiros, às 3h40 da madrugada, para treinar tênis já nos indica o paradoxal tamanho da vontade. O menino cresceu e, aos 29 anos, vivencia a jornada em busca de melhores posições no ranking mundial. Dentre tantas aventuras, o desempenho corajoso diante de 23 mil pessoas – sem contar os milhões pela televisão – neste US Open, enfrentando ninguém menos do que Rafael Nadal.

A cabeça erguida, a garra e a vontade de lutar com o futuro campeão do torneio até a última bola do jogo emocionam. Ele saiu “mordido”, parecendo falar: “Rafa, me aguarde para o próximo confronto, você vai ver só...”. A pergunta que fica é: o que podemos aprender com esse destemido brasileiro?

Pai incentivava Rogerinho a jogar com quem quer que aparecesse no clube

Sabe aquela atitude dos jogadores do Santos, na final do Mundial de Futebol no Japão contra o Barcelona em 2011? Aquele derrotismo, aquela apatia, e falta de vontade contra um adversário superfavorito? Nada a ver com a atitude do valente brasileiro frente a Nadal: ele jogou concentrado do começo ao fim, tentando resolver a equação de retornar os serviços com efeito extremo “ao contrário” do rival canhoto, e de lidar com as bolas pesadas com topspin do fundo de quadra.

Mas deixando de lado um pouco o jogo contra Nadal, vale lembrar que antes de enfrentar o Touro, esse brasileiro precisou provar que merecia essa chance. Teve que passar por três jogos do qualifying, sendo o último uma pedreira, decidido no tiebreak do set final. Em seguida, enfrentou o canadense Vasek Popisil. Saiu perdendo por 2 sets a 0. Conseguiu vencer o terceiro no tiebreak, teve sua reação interrompida pela chuva e foi concretizar a vitória no tiebreak do quinto set com 12 a 10 no desempate, depois de salvar sete match-points, após mais de 4 horas de jogo.

Rogério Dutra Silva, filho de Eulício Teodózio da Silva, e sobrinho de José Teodózio da Silva, Cícero Teodózio da Silva, Sebastião Teodózio da Silva e de Deoclécio Teodózio da Silva, traz na veia a tradição de dedicação e humildade do clã Teodózio. Na primeira entrevista que seu pai Eulício deu nos anos 1970, eram 11 os Teodózios dedicados à prática e ao ensino do tênis. Hoje já somam 40. Aos sete anos, Rogerinho foi iniciado na arte da família.

Nossa curiosidade para descobrir o que o pai-professor fez de especial para conseguir um resultado tão positivo com seu filho levou a Revista TÊNIS a um bate-papo no próprio Clube de Campo do Castelo, em Interlagos, onde Eulício joga até hoje, aos 65 anos. O que tem no DNA de Rogério e, mais importante, o que foi feito pelo pai que contribuiu para esse DNA se manifestar?

O cerne

Rogério era franzino para a idade, começou a jogar torneios federados com 10 anos, quando ainda tinha a altura da rede – hoje mede 1,78 m – e precisava compensar a falta de força e tamanho com muita inteligência. Alguns de seus adversários da época o descrevem como “maduro para a idade, consistente, alguém que não dá ponto de graça, e que joga o tênis porcentagem” (Thiago Cunha, que o enfrentou no Tênis Clube Paulista aos 12 anos), e “ele não errava, era irritante, não dava moleza de jeito nenhum” (Luciano Mendes, que o enfrentou no próprio Castelo aos 13).

Os dois adversários da adolescência o consideravam um jogador justo, tranquilo, que não fazia catimbas, que jogava e pronto. Rogério não reclamava consigo mesmo se errasse alguma bola, mesmo as fáceis. Era concentrado do começo ao fim.

Mas a inteligência e tranquilidade para jogar têm uma bela pitada de ajuda do pai. Eulício o incentivava a jogar com todos os tipos de adversários que apareciam no clube: adultos, crianças, jovens; “baloeiros”, ofensivos, conservadores; gordinhos, magrinhos, musculosos; homens e mulheres. E, descobrir como vencer cada um desses adversários não desenvolve a inteligência?

O pai foi seu professor até os 14, 16 anos, quando Rogério começou a praticar em academias, que poderiam lhe proporcionar um treinamento mais forte e organizado. Apenas nessa fase a preparação física formal foi incluída em seu programa, o que, segundo Eulício, foi o grande “buraco” em seu desenvolvimento. Mas, inspirado por Guga, Rogério decidiu se tornar um profissional de tênis, e qualquer buraco não irá impedi-lo.

Eulício, que quando jogador teve vitórias importantes sobre Thomaz Koch e chegou a ser pré-convocado para a equipe da Copa Davis em 1972, sempre enfatizou a variação de jogadas durante a formação de Rogério. Para se ter uma ideia, Rogério foi campeão brasileiro da categoria 14 anos, com a tática de sacar e subir à rede. O pai ensinou de tudo ao garoto: slices, curtinhas, bate-pronto, lobs... Hum...

Mas, como acontece com qualquer criança que depende do ranking para sobreviver no esporte, alguns fundamentos foram sacrificados no processo, como o saque e o backhand mais ofensivo – e com o técnico Larri Passos ele melhorou ambos. Segundo Rogerinho, Larri é o segundo Eulício, pois os dois são treinadores severos, que primam pela repetição dos golpes para se chegar a melhoras consistentes.

Sem medo

Eulício, pai de Rogério Dutra Silva, diz que precisou dar poucos “empurrões” no filho ao longo da carreira

E, como Eulício se comportava durante os jogos de Rogerinho em torneios infanto-juvenis? “Ah, eu via o jogo e sofria calado de longe, e conversava com meu filho bem depois, quando ele estava mais calmo”. As conversas eram principalmente sobre aspectos técnicos, e são até hoje. Aquele swing volley que Rogerinho errou no primeiro set contra Nadal deixou o Eulício-professor bem bravo.

Os empurrões que Eulício-pai precisou dar em Rogério foram poucos. Seu filho se joga nos torneios disputados em terras distantes para buscar pontos com a mesma coragem com que, ainda criança, tomava ônibus sozinho de madrugada – como quando jogou no Cazaquistão e chegou à semifinal do Challenger de Almaty, em 2008.

Sem patrocínios fixos – apenas com apoio para passagens fornecido pela CBT/Correios – sem técnico ou equipe de apoio para viajar com ele, sem família acompanhando de perto, sem tradutores. Palavras? Arrojo, raça, inteligência, valentia, espírito guerreiro. Ou melhor, sem palavras.

Por Suzana Silva

Publicado em 22 de Setembro de 2013 às 00:00


Perfil/Entrevista Rogério Dutra Silva Rogerinho Vasek Popisil US Open Rafael Nadal

Artigo publicado nesta revista