Inspirada em Wimbledon, a Revista TÊNIS foi atrás de uma quadra de grama no Brasil e traz algumas dicas e experiências vividas nesta rara superfície
Em junho, acontece o mais tradicional de todos os torneios no mundo do tênis. Wimbledon ainda mantêm vivas alguns dos mesmos costumes de mais de 100 anos atrás. Roupas brancas, reverências à família real na quadra central, intervalo no primeiro domingo. Enfim, características mantidas à risca para manter o "charme" deste Grand Slam jogado nas quadras do lendário All England Club, em Londres.
Sendo assim, inspirados em Wimbledon, resolvemos mostrar como se joga em quadra de grama. Alguns grandes nomes da história do tênis certamente rasgariam estas páginas antes mesmo de chegar a esta parte do texto, talvez por orgulho, talvez por más lembranças.
Nossa equipe sofreu para se adaptar ao piso |
Amor e ódio
A grama inglesa, tradicional, valiosa, bem cuidada, sempre gerou sentimentos de amor e ódio nos tenistas profissionais. Lendas do esporte já reinaram e juraram amor eterno ao solo inglês. Bjorn Borg, Pete Sampras e atualmente Roger Federer fizeram da grama inglesa o seu palco principal.
Mas, enquanto eles se alegravam com a chegada de junho, outros grandes nomes do tênis mundial sentiam (e sentem) calafrios rumo à capital inglesa. O mais crítico de todos, e possivelmente o precursor de futuras reclamações, foi Ivan Lendl. Embora tenha chegado a duas finais em Wimbledon, o tcheco chegou a afirmar que "a grama é um pasto, lugar para as vacas".
Entre os insatisfeitos estava o brasileiro Gustavo Kuerten, que, além de não se adaptar ao estilo de se jogar na grama, conflitava com a organização inglesa pelo critério de escolha dos cabeças de chave (que não acompanha o ranking da ATP).
Por isso, alguns tenistas boicotaram o torneio, como o chileno Marcelo Rios - que dizia que grama era para vacas e futebol -, os espanhóis Carlos Moyá e Alex Corretja, entre outros.
Porém, se Guga relutava em viajar à Londres, outra brasileira fez fama na grama inglesa. Maria Esther Bueno se sentia em casa em Wimbledon. Foram três títulos de simples - o primeiro há exatos 50 anos -, cinco de duplas e um de duplas mistas. O reconhecimento pelos seus feitos é enorme na Inglaterra e a brasileira será homenageada pelas cinco décadas de sua conquista na edição deste ano.
Em Sousas, a quadra mostrou-se muito bem cuidada, apesar de algumas falhas naturais da grama |
O país do futebol, sem quadras de grama
Pentacampeão mundial, pátria mãe de alguns dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos, o Brasil teve justamente na grama suas maiores alegrias na história do esporte. porém, em uma grama mais alta, em um campo mais extenso. em uma contradição curiosa, mas fácil de ser explicada, o Brasil nunca teve (exceção óbvia de Maria Esther) resultados de expressão nas quadras de grama.
A explicação não nos leva a questões técnicas. não precisamos nem entrar na discussão da falta de investimentos na base do tênis brasileiro, falta de incentivo, de estrutura. para explicar a falta de resultados na grama, basta usar a boa e velha matemática. Há pouquíssimas quadras de grama no país. Tem-se notícia de algumas em um condomínio em Angra dos Reis, e em outras propriedades particulares - obviamente nenhuma muito divulgada. Tanto que nossa equipe sofreu para encontrar uma.
Epopeia para encontrar uma quadra
Pauta bem bolada, ideia na cabeça. "Vamos dar dicas de como se jogar em uma quadra de grama!". Porém, quem de nós já havia jogado nesta superfície? Assim como a maioria de vocês, leitores, nós também não havíamos tido essa oportunidade.
Equipe reunida, telefones em mãos, mecanismos de buscas na Internet abertos no computador. A tarefa foi árdua, mas conseguimos achar uma quadra. O local? A pequena cidade de Sousas, nas proximidades de Campinas, interior de São Paulo. Saímos da redação, na capital paulista, logo cedo. Pelos mapas, parecia que a viagem seria curta. Bastava chegar à cidade, pegar um atalho de 15 quilômetros, e logo estaríamos jogando como "verdadeiros" Sampras e Federers na grama. Equipe abastecida (águas, energéticos, barras de cereais), a surpresa: o tal atalho era uma estradinha de terra, empoeirada devido à bela semana sem chuvas. Porém, nada que nos impedisse.
O local da relíquia (assim mesmo pode ser chamada esta quadra) é um sítio em um condomínio fechado, afastado da cidade. Muito bem cuidada, por sinal. Em meio a um trecho de Mata Atlântica, tombado pelo IBAMA, nossa quadra estava lá, intacta, nos esperando.
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O trabalho de pés é muito importante para que você antecipe as bolas e bata sempre no ponto mais alto possível |
Como se adaptar à grama
A ansiedade tomou conta de todos durante a viagem. Quanto mais perto estava nosso destino, mais a vontade de jogar nos deixava aflitos pela chegada. Com a quadra ali, em nossa frente, fomos logo pegando os equipamentos e correndo para o aquecimento. Primeira bola pingada no chão e... "Ué, ela não pinga!". É justamente esta a sensação que se tem nas primeiras batidas. Na tevê, as imagens já sugerem isso, mas ver esse fenômeno ao vivo é ainda mais curioso. O quique da bola é, realmente, muito baixo.
Foram necessárias várias trocas de bola para irmos pegando o tempo certo da batida (embora o tempo certo, de fato, não pegaremos tão cedo, pois tempo é o que menos se tem em uma quadra dessas). Conosco estava um amigo (tão curioso sobre jogar em grama quanto nós), Mauricio Meismith, e nosso colunista, Carlos Omaki. Porém, se engana quem pensa que mesmo ele, instrutor de tênis há mais de 30 anos, se adaptaria facilmente às condições da superfície.
Jogar na grama é realmente muito diferente de tudo o que já vimos e experimentamos. A quadra é muito bem cuidada por Luis Eduardo Almeida, professor de Educação Física que, inspirado em Guga, começou a gostar de tênis e resolveu construí-la em seu sítio. Porém, por mais impecável que esteja, a grama é uma superfície irregular. Você arma o golpe, fixa o olho na bola, mas acaba surpreendido muitas vezes por algum desvio no contato com o solo. Jogar muito atrás, esperando a bola cair? Nem pensar! Apostar em muito spin, assim como está acostumado a fazer na quadra de saibro de seu clube? Também não será a melhor saída.
Quando a bola parece estar vindo em sua direção, ela muda de tragetória e acaba lhe surpreendendo, então, é preciso ter agilidade e reflexos, além de adaptar seu movimento à natureza veloz do piso, com swings mais cutos e empunhaduras menos radicais |
Embora o tênis esteja seguindo outra tendência nos últimos anos, com cada vez menos especialistas em saque-e-voleio, certamente a quadra de grama ainda é o melhor lugar para os amantes desse estilo. Embora amadores, sentimos na pele a importância de ir à rede neste piso. De preferência, com um slice, já que o baixo quique da bola tirará o ângulo de seu adversário para realizar uma passada.
Esta foto mostra tudo! Prepara-se para dobrar, e muito, os seus joelhos! |
Para não ser muito surpreendido pelos quiques irregulares, uma sugestão é estar sempre próximo da bola ao bater. Você certamente terá de fazer algumas adaptações em sua empunhadura e swing (acredite, a Continental é eficiente - talvez por isso foi a empunhadura primordial do tênis, que nasceu na grama). Bloquear saques e algumas bolas rápidas pode ser uma melhor solução do que tentar golpeá-las com topspin. É preciso ter agilidade e senso de improvisação. É uma exigência do piso. Outro problema com o quique baixo e irregular é que isso pode atrapalhar até na concentração antes do saque, pois é difícil executar aquele ritual de bater a bolinha no chão.
Constatamos, porém, que o problema com o quique poderia ser usado como arma, ou seja, com deixadinhas. Num primeiro momento, a ideia parecia fenomenal (e é mesmo), pois quando a bola cai do outro lado da rede, ela "morre" na quadra, quase sem chance de o adversário alcançar. No entanto, descobrimos outra peculiaridade do piso: é quase impossível fazer um bom drop-shot. Por quê? Para dar uma curta é preciso ter um bom timing e domínio da jogada. Isso é quase impossível em uma quadra de grama, pois a bola está sempre "nervosa".
Você deve estar se perguntando sobre o calçado que deve ser utilizado. Nesta quadra específica, a aderência era muito boa. Era possível deslizar um pouco, mas sem perder muito o controle com tênis normais com os sulcos convencionais.
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Exigência física
Descobrimos também que, em uma quadra de grama, o físico é muito mais exigido que em outras superfícies. Você pode duvidar disso ao lembrar que Roger Federer e Rafael Nadal jogaram por mais de cinco horas na final de Wimbledon no ano passado e pareciam inteiros ao término da partida. Mas, levando em conta que atletas profissionais são praticamente super-homens, pode ter certeza de que para nós, simples mortais, esta é uma quadra que exige muito da parte física.
O simples fato de a grama ser uma superfície mais fofa já explicaria o cansaço sentido nas pernas após algum tempo de exercício. Levando o exemplo para situações normais, basta pensar sobre o que lhe deixa mais cansado: uma caminhada em asfalto ou andar na praia? É exatamente esta a comparação entre quadras de grama com as de saibro ou de cimento. Com as pernas cansadas, cada vez menos você consegue chegar bem para bater as bolas. Consequentemente, cada vez menos está em posição ideal para realizar os golpes. E, como resultado, acaba errando bolas bobas devido ao desgaste físico e o quique irregular.
Porém, há ainda um outro fator para agravar seu cansaço físico. E, quem sofre com isso são os seus joelhos e suas costas: a bola quica baixo. Quando ela chega a você, ali, no fundo da quadra, já está muito baixa, bem próxima ao chão. A única alternativa? Dobrar bem os joelhos e pegar esta bola o mais alto que conseguir. Difícil? Muito! Cansativo? Muito mais! Uma vez ou outra, vale como experiência. Mas jogar constantemente na grama? Só estando muito bem preparado.
Diariamente, pela manhã, é necessário passar a manta para secar o orvalho |
Avaliação
Jogar em grama é uma experiência, no mínimo, curiosa. Nossa equipe se divertiu enormemente com jogadas espetaculares seguidas de erros bisonhos. Vale a pena jogar na grama? Vale se você quer experimentar algo diferente do convencional. Mas, um aviso: é quase como praticar outro esporte.
E percebendo as dificuldades de atuar nesse piso, demos um pouco de razão aos tenistas que reclamam que "grama é para vacas", apesar de não chegarmos a esse extremo. É possível jogar tênis sobre grama, sim, mas o estilo do tênis que deve ser jogado é bastante diferente. A demanda técnica e física da superfície parece ser muito maior que nas outras e isso é algo para se pensar: "a grama seleciona os melhores?"
Manutenção
Em um país em que se pode encontrar um campinho de futebol em todo lugar, por que não ter uma grande quantidade de quadras de tênis de grama? Falta de tradição? Falta de costume? Também. Mas, o principal motivo pode ser explicado pela complicadíssima, cara e trabalhosa manutenção.
Confira alguns cuidados que devem ser tomados para manter uma quadra de grama impecável:
Tipo de grama (em Sousas): Bermuda (Cynodom Dactylum) Tifton 419 - resistente a pragas e doenças. Pode ser considerada especial pelo fato de suportar agressões, como pisoteio, e regenerar-se rapidamente;
Base: Uma camada de 12 cm a 15 cm de terra orgânica, mais areia;
Linhas: Pintadas com uma tinta à base de PVA;
Quando cortar a grama: No inverno, uma vez por semana. No verão, de duas a três vezes por semana. Não basta apenas cortar, é necessário recolher as folhas cortadas e palhas. Caso contrário, desenvolve-se fungos;
Tamanho do corte: De 8 mm a 10 mm. Apenas máquinas especiais cortam a grama tão rasteira. Se não tiver, você precisará adaptar algo;
Controle de umidade: Principalmente no inverno, é necessário ter atenção especial em secar as folhas, passando uma manta ou rede sobre o gramado logo cedo. Caso contrário, os fungos vão aparecer;
Controle de ervas, fungos e insetos: Todas as manhãs, durante o manejo de secura da quadra, é observado o gramado. Ervas daninhas, paquinhas (pequenos insetos que parecem um grilo) e fungos devem ser tirados manualmente;
Irrigação: No inverno, é necessário muito cuidado com a umidade, para não atrair fungos. Assim, irrigar somente nos horários de sol quente. Já no verão, é preciso ter muito cuidado com as chuvas. Se chover, não precisa molhar. Em dias secos, pode-se molhar mais de uma vez ao dia;
Análise do solo: Duas vezes ao ano. São analisados o pH, macro e micronutrientes; Nivelamento: O chamado Topdressing. Aplicação de material sobre a superfície do gramado (areia + terra orgânica). Realizado uma vez ao ano;
Aeração: Furos na quadra para oxigenar o solo. Evita também a compactação do solo. Existem máquinas que fazem este serviço, mas pode ser feito manualmente;
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Dicas para jogar em grama
1. Escolha a bola certa
A bola não costuma quicar muito na grama. Bolas comuns, então, menos ainda. Compre um modelo especial (mais leve) para esse tipo de quadra. Isto diminuirá um pouco esta dificuldade.
2. Fique perto da bola e atento
As irregularidades do quique fazem com que seja interessante você estar sempre bastante próximo da bola para golpeá-la. Fique atrás dela, sempre que possível para diminuir a chance de um quique errado impedir que você a alcance. Perto dela, se algo errado acontecer, há uma chance maior de ajustar a batida.
3. Melhore seu físico.
Será necessário! Se você tem problemas no joelho ou nas costas, este não é o seu piso. Há toda hora você precisará quase agachar para bater na bola que quica baixo. Você está mal fisicamente? Então não aguentará mais do que um set na grama, pois o esforço para jogar sobre esta superfície é maior. Melhore seu físico e cuide bem de seu joelho se pretende se aventurar por aqui.
Sampras na sagrada grama de Wimbledon |
4. Jogue dentro da quadra
Se você está acostumado a ficar alguns metros atrás da linha de base, pode ir se preparando para jogar dentro da quadra, ou o mais próximo dela possível. O quique da bola é baixo e irregular. Quanto mais próximo estiver dela, menos você será surpreendido.
5. Antecipe
Não espere a bola chegar a você, vá em direção a ela! Isso fará com que você bata na subida, além de não ter que mudar a posição após um desvio dela na grama.
6. Slices
Não costuma treinar slice? Tem um jogo baseado em spins? Aqui, os slices são essenciais. Com a bola baixa, muitas vezes é mais seguro fatiar bola do que tentar um topspin. Um slice bem executado fará a bola praticamente "morrer" na quadra do adversário, fazendo com que ele tenha que se ajoelhar para responder e dando menos ângulo para o golpe de contra-ataque. E, bolas baixas, em um backhand de duas mãos, causam estragos.
7. Suba à rede!
Este é o lugar para você "brincar" de Patrick Rafter e subir à rede o máximo de vezes possível. Principalmente para aqueles que não estão acostumados com a superfície. Na rede, você estará nas mesmas condições que costuma encontrar em sua quadra preferida. A bola não pinga, você voleia com tranquilidade. Se possível, suba com um slice, para tirar o ângulo de passada seu adversário.
8. Curtinhas
Se bem aplicadas, são mortais. O quique baixo, somado a um bom golpe, fará a sua curtinha ser fatal. Porém, aplicar uma deixadinha é um grande desafio nesta quadra, já que dominar a jogada é extremamente complicado.
9. Saques
Um saque slice bem aplicado também será quase fatal. A bola baixa, longe da quadra, deixará seu oponente com um ângulo mínimo para passar essa bola para o outro lado da rede. Saques quique também podem surpreender, pois nunca se sabe como será quando a bola tocar a quadra adversária. Saques no corpo, com qualquer tipo de efeito, também são bastante proveitosos devido ao quique irregular.
10. Encurte o movimento e se adapte
Tempo é o que menos você tem em uma quadra de grama. Por isso, swings longos são temerários. Isso provavelmente vai fazer com que você atrase a batida. Encurte o swing, deixe a empunhadura mais próxima da Continental (se conseguir), e antecipe. Bloquear algumas vezes será mais eficaz (e simples) que bater realmente nas bolas com spin.
Publicado em 24 de Junho de 2009 às 06:19