Sorry, mate!

Boa pinta e bonachão, o australiano Patrick Rafter cativou os fãs com um estilo de jogo fascinante, que lhe rendeu 11 títulos (dois Grand Slams), porém somente uma semana como número um


HÁ SEIS ANOS, O TÊNIS perdia um pouco de sua magia. Após dez anos no circuito profissional, Patrick Rafter, um dos últimos remanescentes do clássico estilo de saque-e-voleio, decidiu deixar as quadras e viver como um "vagabundo", como ele mesmo dizia. Hoje, morando em uma praia de Queensland, na Austrália, ele deu preferência às pranchas e afirma que pretende se dedicar ao surfe.

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Duas vezes campeão do U.S. Open (97 e 98), o australiano encantou o mundo. Possuía uma técnica apuradíssima de combinação de saque e voleios. Após o serviço, sempre alto e com muito spin, ele já estava a caminho da rede para definir o ponto. O estilo plástico e a habilidade impressionante resultavam em jogadas espetaculares, com drop-volleys impressionantes, bate-prontos impossíveis, smashes de costas inacreditáveis, enfim, diversos malabarismos. Rafter reunia qualidades dignas de John McEnroe e Stefan Edberg, quando não, Pete Sampras.

E foi exatamente com o norte-americano que o australiano bonachão teve uma querela em 1998. Após perder a final do Masters Series de Cincinnati com o juiz dando over-rule sobre um saque seu no match-point, Sampras mal cumprimentou Rafter e uma grande troca de farpas através da imprensa começou nos meses seguintes. Depois deste episódio, o australiano, zombeteiro, dizia fazer questão de enervar o adversário quando duelavam.

No entanto, a trajetória de Rafter sempre foi marcada pelo carisma que conquistou. Sua lealdade em quadra lhe rendeu quatro prêmios de esportividade. A frase "Sorry, mate", sempre era ouvida assim que errava um toss. A honestidade do australiano chegava a extremos, como quando corrigiu uma marcação do juiz de linha (que erroneamente lhe havia sido favorável) na quadra do adversário.

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FEDIDO

Mas boa parte da empatia de Rafter vinha, obviamente, de sua beleza. Ainda assim, a vaidade não era seu forte. O rabo de cavalo sempre foi sua marca registrada e, às vezes, deixava a barba; outras, um bigodinho ralo, outras, um cavanhaque. Contudo, cada vez que trocava de camiseta durante as partidas, arrancava suspiros e declarações de amor arrebatadoras.

Acostumar-se com a fama de galã, no entanto, não foi tão fácil para um adolescente doce, magricela e espinhento. Mesmo com tanto assédio, ele se revelou um ser inocente. "Me pergunte quando foi a primeira vez que transei? (pausa) Com vinte anos, ok?", contou. Seu apelido de garoto é Skunky (vem de gambá). Um dos motivos, segundo seu "mate" Paul Kilderry, é o fato de Rafter possuir uma mecha branca no meio da cabeleira. "O outro é por que seus peidos são lendários", brinca o amigo.

O caminho de Rafter ao tênis profissional foi duro. Ele nasceu em Mount Isa, uma cidade mineira, de pouco mais de 20 mil habitantes, próxima ao deserto australiano. Ele é o sétimo filho dos nove do casal Jocelyn e Jim. Seu pai trabalhava como contador para as minas de cobre e zinco e sempre estava endividado. Nesse cenário, jogando em quadras públicas com seus irmãos e crianças aborígines, Rafter começou a praticar tênis.

Apesar de se destacar em alguns parcos campeonatos, o menino nunca ficou entre os oito melhores do país (o que lhe daria o direito de ir para centros de treinamento) e a família já dava como excelente se ele se tornasse um professor. Nem mesmo quando virou profissional suas perspectivas pareciam melhorar. Junto com o irmão Geoff, ele resolveu correr o mundo jogando torneios pequenos, economizando aqui e ali.

A grande mudança ocorreu em 1993, quando ele passou o quali de Wimbledon e venceu duas rodadas, perdendo para Andre Agassi na quadra central. John Newcombe estava assistindo e, a partir de então, Rafter começou a treinar sob a tutela dele e de Tony Roche. Naquele ano, ele terminou entre os 60 primeiros do ranking. Porém, durante os três anos seguintes não deslanchou, sofrendo com diversas contusões.

Galã despreocupado com a aparência, Rafter casou com a modelo Lara Feltham

Foi em 1997 que Rafter deu o grande salto. Antes do US Open, ele fez finais em cinco torneios ATP e espantou o mundo ao atingir a semifinal de Roland Garros, sacando e voleando. No Grand Slam norte-americano derrotou Agassi e Michael Chang antes de bater Greg Rusedsky na final e subir ao terceiro lugar no ranking.

No ano seguinte, o australiano voltou a ter problemas e, não suportando a pressão, perdia precocemente. Mas, um fax enviado por Newcombe o trouxe de volta ao eixo: "Pare de jogar a raquete! Pare de sentir pena de si mesmo! E volte ao trabalho!" Do segundo semestre em diante, "Skunky" ganhou cinco títulos, entre eles, o US Open novamente, numa final australiana contra Mark Philippoussis.


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SIMPLES

Mesmo após ser bicampeão no Grand Slam norte-americano, Rafter continuava a levar uma vida simples. Não tinha técnico ou agente. Nem mesmo um carro. Seu bem mais precioso era um apartamento dois quartos nas Bermudas, onde foi comemorar a conquista com seus "mates", sempre com muita cerveja. Seguidor da filosofia do karma e da reencarnação, doou mais de U$ 400 mil de seu prêmio para ajudar crianças carentes. Quando foi perguntado de suas ambições, respondeu galhofeiro: "Continuar sendo o mesmo saco de merda que sempre fui", riu.

Em 26 julho de 1999, mais de 25 anos depois de Newcombe, a Austrália teve novamente um número um do mundo. Contudo, com diversos pontos a defender, Rafter teve o gostinho por apenas uma semana. Apesar de nunca mais ter alcançado a liderança, o australiano sempre foi um dos preferidos do público.

Seu jogo de saque-e-voleio lhe rendeu ainda duas finais em Wimbledon. Em 2000, fez uma semifinal épica contra Agassi e perdeu a decisão para Sampras. Na temporada seguinte, sua última no circuito, repetiu o vice na grama inglesa, com direito a outra partida magistral contra Agassi na semi. Na final, foi derrotado, com 9/7 no quinto set, por Goran Ivanisevic.

A decisão de parar e "virar um vagabundo", só veio no fim de 2002. Porém, desde antes de sua segunda vitória no Aberto dos EUA, Rafter sabia que sua carreira não duraria muito mais que três anos, devido às dores constantes nos ombros e joelhos, agravadas sempre pelo seu estilo de jogo, belo e cruel ao mesmo tempo. Em 2004, ele decidiu se casar com a modelo Lara Feltham, com quem tem dois filhos, Joshua e India, e agora, vive surfando.

A carreira de Rafter mudou quando passou a treinar sob o comando de John Newcombe

PATRICK RAFTER

NASCIMENTO
28/12/1972 em Mount Isa, Austrália

PESO E ALTURA
86 kg e 1,85m

TÍTULOS
11 em simples e 10 nas duplas

PRÊMIOS
U$ 11,127,058

MELHOR RANKING
Simples: 1º em 26/7/1999
Duplas: 6º em 01/02/1999

Luiz Pires

Publicado em 25 de Abril de 2007 às 06:46


Perfil/Entrevista

Artigo publicado nesta revista