Minoria chata

Sempre se falou que canhotos levavam vantagem no tênis. É verdade?


Todas as minorias costumam sofrer algum tipo de preconceito. Estamos cansados de ver exemplos disso cotidianamente. E até mesmo no tênis há uma minoria que sempre é vista com desconfiança. Os canhotos, desde sempre, foram taxados como os adversários mais chatos – tanto pelos destros, quanto pelos tenistas de sua própria “raça”. “Saque maldito!”, “Que efeito é esse?”, “Jogue com a mão certa!” são algumas das exclamações de seus oponentes desesperados por não conseguirem lidar com o jogo dessas pessoas quem insistem em “contrariar a natureza” e bater o forehand com a mão esquerda.

Deixando as brincadeiras de lado, certamente você, destro, já deve ter passado algum apuro na hora de enfrentar um adversário canhoto. Provavelmente deve ter demorado para se acostumar com aquele efeito que faz a bola vir em direção ao seu corpo. Ou então ficou perdido no posicionamento para receber o saque no lado ímpar. Ou ainda sofreu tentando fugir do backhand e arriscando mais jogadas na paralela. Enfim, jogar contra canhotos é bem menos comum do que contra destros e não há quem não tenha alguma dificuldade. Roger Federer que o diga.

Talvez uma das principais dificuldades relacionadas aos canhotos reside justamente no fato de haver bem menos canhotos no mundo do que destros. A proporção de “sinistros”, como antigamente se designavam as pessoas que usavam a mão esquerda, na população mundial é de cerca de 10%. Ou seja, para cada grupo de 10 pessoas, apenas uma é canhota.


“Boa parte das meninas tem a técnica do backhand muito melhor do que o forehand”, aponta Bia Maia, para explicar o porquê de os canhotos hoje não levarem tanta vantagem

A formação do mindset

No tênis, a proporção não é muito diferente disso. Segundo dados da ATP, entre os primeiros 500 tenistas do ranking, 68 são canhotos, ou seja, 13,6%. Ou seja, a chance de se enfrentar um sinistro é muito mais baixa do que um destro e isso certamente dificulta as coisas. “A questão mais interessante é essa proporção. A cada 10 jogos, você joga oito contra destros. Isso é importante quando se trata da elaboração de jogo de um tenista, da formação do padrão, porque ele é elaborado muito em cima de adversários destros e apenas adaptado a jogadores canhotos. Por isso, acho que o canhoto ainda leva vantagem hoje, pois o mindset está todo voltado para o destro”, argumenta João Zwetsch, capitão da Copa Davis, que voltou a treinar o canhoto Thomaz Bellucci recentemente.

Walter Preidkman, treinador da academia Tennis Route, no Rio de Janeiro, acrescenta: “O tenista trabalha muito por instinto. E o instinto é jogar contra outro destro. Então, quando você vai se defender, por exemplo, vai se defender na cruzada. Mas, esse é o melhor lado do canhoto!”. A canhota Carla Tiene, ex-tenista e capitã da Fed Cup, também aponta o fator “adaptação” como fundamental na hora de enfrentar alguém que golpeia com a mão esquerda: “No começo do jogo, às vezes demora para o destro se adaptar aos efeitos e ao posicionamento”.

O treinador Carlos Omaki – canhoto, mas que aprendeu a jogar com a direita – lembra que algumas jogadas naturais dos canhotos são perfeitas contra os destros e, ao mesmo tempo, jogadas dos destros que são ineficazes contra os canhotos. “Existem muitas jogadas especificas que o canhoto faz quase que naturalmente contra um destro. O lobe de esquerda na cruzada ou lobe de direita na paralela, por exemplo. Isso sempre vai surpreender. Também é inegável a diferença na recepção de saque do efeito dos canhotos. E dependendo do quão acentuado é esse efeito, às vezes, você não vai se sentir confortável em uma partida inteira, mesmo que você saiba se posicionar, pois tem a impressão de que está deixando a quadra muito aberta. Além disso, suas bolas de esquerda cruzada (de defesa) caem sempre na mão boa do canhoto. Quem joga muito com forehand em inside-out também não vai conseguir tanta eficiência, pois a bola vai no melhor lado do canhoto, favorecendo o contragolpe na paralela...”, enumera. A tenista canhota Beatriz Haddad Maia concorda: “É meio automático (sacar aberto na esquerda e usar outros recursos do canhoto)”.


“Quando o destro não tem um backhand bom, para o canhoto, é o melhor match-up”, afirma Bellucci, que ainda assim não se sente privilegiado por ser canhoto

Mais habilidade?

O fim dos anos 1970 e começo dos anos 1980 parece ter sido uma época pródiga para os canhotos no tênis. Em 1978 e de 1982 a 1984, por exemplo, dois canhotos lideram os rankings masculino e feminino (John McEnroe e Martina Navratilova). Em 1983, por exemplo, havia três canhotos entre os quatro primeiros da lista da ATP: McEnroe, Jimmy Connors e Guillermo Vilas. Aliás, nos 10 primeiros anos depois da criação do ranking masculino, dos cinco homens número 1, dois (McEnroe e Connors) eram canhotos. Por sinal, desde 1973, quando a lista foi criada, até hoje, 25 tenistas assumiram a liderança, sendo cinco deles canhotos, uma incrível proporção de 20%.

Talvez daí tenha surgido a ideia de que os sinistros tinham mais facilidade para jogar tênis, algo que Carla Tiene ainda acredita. “Às vezes, sinto que os canhotos são mais habilidosos. De repente, talvez exatamente por haver essa diferença, desde pequeno ele tem que se virar”, afirma a treinadora, que reconhece, porém, ver menos canhotos entre os tenistas top hoje.

Ela tem razão. Entre os top 10 atualmente, há apenas um homem (Rafael Nadal) e duas mulheres (Petra Kvitova e Ekaterina Makarova). Entre os top 100, os homens ainda levam alguma vantagem com 14 canhotos, enquanto o número entre as mulheres é de apenas oito. Isso significaria que essa suposta vantagem de jogar com a mão esquerda não se concretiza mais?

“Não me sinto privilegiado por se canhoto, não acho que levo uma grande vantagem para um tenista é destro”, afirma categoricamente Bellucci, que continua: “Hoje em dia, o canhoto leva bem pouca vantagem. Acho que isso é irrelevante atualmente”. Segundo ele, o fato de ser canhoto não significa que o jogador vai se destacar naturalmente no circuito, pois a técnica (especialmente o backhand) evoluiu muito nos últimos anos.

Opinião compartilhada por Beatriz Haddad Maia e Carla Tiene, que tentam explicar um pouco a razão por haver menos mulheres canhotas entre as top agora. “Boa parte das meninas tem a técnica do backhand muito melhor do que o forehand. Então, às vezes, bato uma e abro para o forehand, porque a menina, por ter menos força, tem facilidade no backhand usando as duas mãos”, aponta Bia. “O jogo está muito rápido, e cada vez mais difícil criar ângulos – que seria uma das vantagens do canhoto”, admite Carla. Preidkman completa: “Hoje você corta mais o tempo, tenta entrar mais na diagonal, subindo para bater na bola e isso diminui um pouco o impacto do jogo do canhoto”.

COMO JOGAR CONTRA UM CANHOTO?

Primeiramente, ao entrar em quadra contra um canhoto, pense que o jogo dele é um espelho do seu. Se as melhores jogadas dele costumam visar os seus golpes mais deficientes, o contrário também é verdadeiro. Se ele tem o saque aberto no lado ímpar, você tem no lado par. Se o drive dele mira o seu revés, o seu mira o backhand dele. E assim por diante. Por isso, esteja preparado para:

1.    Devolver muitas bolas de backhand. Um dos maiores erros dos destros ao enfrentar canhotos e ver seus backhands sendo atacados é tentar forçar ainda mais o golpe, seja na cruzada ou na paralela, o que, invariavelmente, leva a inúmeros erros e uma consequente irritação. Pense então em ser regular, com bolas profundas e faça a inversão para a paralela quando estiver mais confortável.

2.    Ajuste seu posicionamento para receber o saque mais à esquerda. Sim, é estranho, você tenderá a pensar que está deixando muita quadra aberta (especialmente no lado da vantagem), mas é o que deve ser feito, sem medo. Às vezes, isso vai fazer o canhoto pensar em sacar aberto na direita e fechado na esquerda (indo contra sua natureza), favorecendo a sua devolução de forehand. Outra dica é tentar interceptar as bolas na diagonal nos saques abertos do lado ímpar. Isso faz com que você perca menos terreno.

3.    Lembre-se de fazer lobes cruzados no seu forehand e paralelos no seu backhand. Geralmente aprendemos a executar o contrário, pois o lobe paralelo no forehand, contra um destro, vai em direção ao backhand do adversário, mas, contra um canhoto, vai direto para a sua mão boa. Portanto, inverta.

4.    Saque como um destro. Tenistas destros estão tão acostumados a enfrentar outros destros que, às vezes, quando duelam contra canhotos, continuam com o mesmo padrão de saque. Então, se o canhoto vai sacar abrindo a quadra no lado ímpar, abra você também no lado par.

5.    Traga o jogo para o seu forehand. Jogar contra canhotos costuma ser uma guerra estratégica para ver quem primeiro alcança o backhand adversário, portanto, construa sua estratégia para trazer as jogadas para o seu forehand.

Vantagem ou não?

Mas, enfim, existe ou não alguma vantagem em ser canhoto? A opinião quase que unânime é de que sim. “Há vantagem, pois somos minoria. O pessoal não está acostumado”, diz Bia. Segundo ela, a grande vantagem de ser canhota é ter o saque aberto no lado ímpar, que geralmente define os games. “O saque é uma vantagem a mais para mim, talvez por eu ser grande também”, aponta.

“Sempre escutei que meu saque era muito ruim de devolver. Eu usava muito esse saque de canhoto, bastante aberto. E também usava o saque no corpo para o efeito entrar. Gostava de usar muita bola angulada. Acho que isso é característica de canhoto”, lembra Carla, que completa: “[Ser canhoto] é uma arma, se você souber usar”.

Para Zwetsch, o canhoto, além de tudo, ainda tem uma pequena vantagem técnica. “Geralmente, o drive é o golpe mais incisivo do jogo, o golpe de mais dominância. O backhand é um golpe mais de apoio. Então, tecnicamente, leva-se vantagem ao ser canhoto, pois o drive pode exercer um domínio mais simples, na cruzada, sobre o revés do destro. Para o destro, ao jogar com outro destro, ele tem que jogar em paralela, e isso é mais complicado, pois é uma bola mais arriscada”, admite.

“O canhoto abre o lado da quadra em que você fica mais frágil, consegue jogar com ângulo curto no backhand. Além disso, tem o saque no lado que define o jogo”, resume Preidkman. Para Bellucci, a vantagem ocorre em apenas uma situação: “Quando o destro não tem um backhand bom, para o canhoto, é o melhor match-up”. “Ainda é tão difícil jogar contra canhoto como sempre foi”, finaliza Omaki.

Por Arnaldo Grizzo

Publicado em 6 de Março de 2015 às 00:00


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Artigo publicado nesta revista

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Revista TÊNIS 137 · Março/2015 · Canhotos

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